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sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Uma análise da crise, RIGOROSA, LÚCIDA e ISENTA

É um acordar violento. Uma sova de 19 murros no estômago, tantos quantas as medidas apresentadas ontem.
Os políticos falharam-nos. O Governo errou. Sócrates mentiu. Mas ontem isso acabou. Agora nós.
Nós. Nós não temos crédito nem temos credibilidade. É criminoso ter esperado tanto tempo para assumir o problema. Porque agora a cura é mais dura. É um corte profundo, a sangue frio.
Portugal vai iniciar um novo ciclo recessivo. Economia em queda, falências, desemprego, tudo o que esconjurámos. Os aumentos do IVA, os limites das deduções fiscais, os congelamentos das pensões transferem a crise dos desempregados para os empregados. Mas não havia alternativa. Não hoje. Não depois de dois anos perdidos sem fazer contas e a fazer de conta, para ganhar umas eleições e não cair noutras.
Ontem, Sócrates não caiu em si. Ontem, Sócrates caiu de si. Da sua pose impossível, que em vez de inspirar um optimismo reprodutivo transmitiu um irrealismo consumista. Este não é o Orçamento de Sócrates, é o Orçamento de Teixeira dos Santos. Foi o ministro das Finanças quem ontem governou. E só temos a desejar que continue a sê-lo. Porque este pacote acalma os mercados, mas não os faz retroceder de supetão. É preciso que o Parlamento aprove estas medidas, que o PSD obviamente viabilizará, com mais ou menos negociação. E é preciso concretizar as medidas e obter resultados.
Este ano estamos safos. A Portugal Telecom não paga um cêntimo de impostos pelo fabuloso lucro da Vivo, mas paga 750 milhões de euros para tapar o seu fundo de pensões e transferi-lo para o Estado, salvando o défice de 2010. A receita extraordinária de outros tempos, que funciona como antecipação de receitas. O Governo tentara com a banca, mas sem sucesso. Conseguiu com a PT.
É talvez falta de imaginação: receitas extraordinárias de um lado, aumento de IVA do outro. Mas há também o que nunca houve: a redução média de 5% da massa salarial na Função Pública. É quase como perder o subsídio de Natal a partir do próximo ano, mas em prestações mensais. Os funcionários públicos foram sacrificados por causa da incompetência acumulada e consecutiva dos seus gestores, sempre de cima para baixo. Mas só havia outra alternativa: cortar nas pensões. Era pior.
Nos próximos dias, milhares de economistas, comentadores e políticos desfilarão a glória de terem dito que assim seria: eis o Armagedão. Sim, foram milhares. E isso de nada serviu. Hoje somos um país falido. Mas não somos um país falhado. Porque apesar de tanta incompetência governativa, de tanta corrupção, nepotismo, grupos de interesse, de tantos escândalos silenciados, organizações subsidiadas, estranhos financiamentos partidários, mordomias e regalias, ineficiências e má gestão, temos outras coisas de que nos orgulhar. Sobretudo as que não dependem do Estado. Casos de inovação, exportação, investimento, descoberta.
Sim, é um acordar violento. Isto não é o princípio de um pesadelo, é o fim de um sonho. Sem pradarias nem trevas, apenas os pés no chão. O que fazer? Dizia ontem o ministro das Finanças: "estamos todos juntos nisto." Nestas alturas, somos sempre todos iguais. Eles contam connosco. E nós não contamos com mais ninguém.
Mãos à obra. Eles não fizeram o seu trabalho. Façamos nós o nosso. Restamo-nos. Bastemo-nos.
Pedro Santos Guerreiro

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