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sábado, 23 de março de 2013

Isto não vai ser um show de televisão, “É política, pá”!

O homem é um colosso. Só alguém tão carismático como José Sócrates poderia regressar menos de 2 anos depois. Mas mesmo isso não bastaria se as actuais lideranças políticas fossem fortes. Não o são: no Rato e na Lapa só há pão-de-ló. Em Belém, chá.
Pedro Santos Guerreiro
Só se pode encher o que está vazio. A orfandade de lideranças políticas é um buraco tão monstruoso que lá cabe o PS, o PSD e, vá lá, a União Europeia inteira. Ora, Sócrates é uma caderneta de defeitos, mas é um líder, um excelente comunicador e um animal político não apenas feroz, mas também mais eficaz que todos os outros juntos. Não é carnívoro nem herbívoro, segundo a legenda de Marcelo Rebelo de Sousa: é omnívoro. Um profissional temível entre amadores amáveis.
Sócrates será um campeão de audiências (sempre o foi, mesmo em Paris) e de fracturas. O seu carisma e linguajar populista acomodam-se a uma idolatria chavista. É, além disso, um personagem intrigante: nunca antes nem depois dele se escreveram tantos "perfis psicológicos" sobre um primeiro-ministro. O país tem uma paranoia com ele, entre os que o odeiam e os que o amam. Ele não une, atrai e repele, pelo que divide. Mas vai meter António José Seguro num chinelo e bater em Passos com o outro.
Sabe o que pensa Passos Coelho da União Europeia? Sabe como quer Seguro resolver os desequilíbrios macroeconómicos do país? Sócrates diz duas frases e toda a gente percebe, concordando ou discordando. Isso é política. E isso vai retirar o PS do centro da oposição.
É por isso que há neste regresso de José Sócrates muito mais que uma inconveniência ou uma excitação. Da mesma maneira que até Manuela Ferreira Leite já chegou a ocupar o espaço de Seguro, Sócrates vai liderar a oposição. Vai acertar contas com Cavaco Silva, que pensou ter dado o golpe de misericórdia no célebre prefácio de há um ano. Vai acertar contas com Passos Coelho, que, sabe-se hoje, mentiu quando se disse surpreendido pelo PEC IV.
As culpas de Sócrates estão documentadas. São gigantes. Como primeiro-ministro, praticou um relativismo moral assustador e um utilitarismo da verdade; endividou o país com políticas de betão que faliriam, tomou conta dos negócios e se hoje diz que só fez o que a União Europeia o mandou fazer, então é igual a Passos na obediência à troika. A saída de Sócrates foi penosa, numa cegueira enlouquecida e negacionismo alucinado que ajoelhou o país. Por tudo isso perdeu umas eleições e será ou não derrotado noutras. Mas nada disso o impede de voltar. Ainda nos irritaremos, ou riremos, quando ouvirmos Sócrates dizer que deixou o Governo com um desemprego de apenas 12%, o PIB 7% maior, a riqueza gerada por cada português ("per capita") 1.000 euros mais alta que agora.
O regresso de Sócrates é um murro na vidraça desta política açucarada em que vivemos. Mas não é só ele. Ontem, Teixeira dos Santos acusou o Governo de memória curta, Maria de Lurdes Rodrigues deu uma entrevista ao “i” contra os despedimentos de professores, Jorge Coelho estreou-se na “SIC Notícias”, Pedro Marques atacou Gaspar no Parlamento, Francisco Assis escreveu no “Público” e Ferro Rodrigues criticou o Governo. Neste "comeback", Elvis não está só. Não é a brigada do reumático, mas é a brigada do traumático. E Seguro, sim, ficará desasado.
Líderes fortes não dariam espaço a quem deixou o país casado à força e de papel passado (e assinado) com uma troika que despreza. Mas os partidos são as vítimas de si mesmos, da falta de possibilidade de renovação, da preservação doentia. É sempre a mesma gente e, quando é outra (como Rui Moreira tenta no Porto), é triturada pelas debulhadoras.
Na célebre parábola d’"Os Irmãos Karamazov", de Dostoiévski, o Grande Inquisidor manda prender Jesus Cristo, que, regressado à Terra em pleno século XVI, se passeia incógnito, mas é reconhecido: toda a gente sente o seu poder. Sócrates regressa à entrada da Quaresma, quando os cristãos trilham o caminho do esforço para se purificarem e acreditam de novo que tudo é possível. Para chegar à ressurreição é preciso passar pela paixão. E paixão não falta a Sócrates. Nem ódio por ele.
Isto não é um show de televisão, isto é política. Sócrates não vai ser comentador, vai ser poderoso, vai forçar a definição de uma nova expectativa política em Portugal, vai pôr em causa a água choca desta ordem estabelecida, partindo o que antes se dobrava. Vai desestabilizar. Vai contribuir para a ingovernabilidade. Vai arregimentar quem prefere dar murros em vez de abraços. Vai ser um fartote.

Ecos da blogosfera – 23 mar.

Para construir pontes, com Deus e entre os homens…

Excelências, Senhoras e Senhores,
De coração agradeço ao vosso Decano, Embaixador Jean-Claude Michel, as amáveis palavras que me dirigiu em nome de todos e com alegria vos recebo para uma simples, mas ao mesmo tempo intensa, troca de cumprimentos, que, idealmente, pretende ser o abraço do Papa ao mundo. Na realidade, por vosso intermédio, encontro os vossos povos e deste modo posso, em certa medida, alcançar cada um dos vossos concidadãos com suas alegrias, dramas, expectativas e desejos.
A vossa presença, numerosa, é também um sinal de que as relações que os vossos países mantêm com a Santa Sé são profícuas, são verdadeiramente uma ocasião de bem para a humanidade. Na verdade, é isto mesmo o que a Santa Sé tem a peito: o bem de todo o homem que vive nesta terra. E é precisamente com este entendimento que o Bispo de Roma começa o seu ministério, sabendo que pode contar com a amizade e benevolência dos países que representais, e na certeza de que compartilhais tal propósito. Ao mesmo tempo, espero que se revele também ocasião para iniciar um caminho com os poucos países que ainda não têm relações diplomáticas com a Santa Sé, alguns dos quais – de coração lhes agradeço – quiseram estar presentes na Missa de início do meu ministério ou enviaram mensagens como gesto de proximidade.
Como sabeis, há vários motivos que, ao escolher o meu nome, me levaram a pensar em Francisco de Assis, uma figura bem conhecida mesmo além das fronteiras da Itália e da Europa, inclusive entre os que não professam a fé católica. Um dos primeiros é o amor que Francisco tinha pelos pobres. Ainda há tantos pobres no mundo! E tanto sofrimento passam estas pessoas! A exemplo de Francisco de Assis, a Igreja tem procurado, sempre e em todos os cantos da terra, cuidar e defender quem passa indigência e penso que podereis constatar, em muitos dos vossos países, a obra generosa dos cristãos que se empenham na ajuda aos doentes, aos órfãos, aos sem-abrigo e a quantos são marginalizados, e deste modo trabalham para construir sociedades mais humanas e mais justas.
Mas há ainda outra pobreza: é a pobreza espiritual dos nossos dias, que afecta gravemente também os países considerados mais ricos. É aquilo que o meu Predecessor, o amado e venerado Bento XVI, chama a “ditadura do relativismo”, que deixa cada um como medida de si mesmo, colocando em perigo a convivência entre os homens. E assim chego à segunda razão do meu nome. Francisco de Assis diz-nos: trabalhai por edificar a paz. Mas, sem a verdade, não há verdadeira paz. Não pode haver verdadeira paz, se cada um é a medida de si mesmo, se cada um pode reivindicar sempre e só os direitos próprios, sem se importar ao mesmo tempo do bem dos outros, do bem de todos, a começar da natureza comum a todos os seres humanos nesta terra.
Um dos títulos do Bispo de Roma é Pontífice, isto é, aquele que constrói pontes, com Deus e entre os homens. Desejo precisamente que o diálogo entre nós ajude a construir pontes entre todos os homens, de tal modo que cada um possa encontrar no outro, não um inimigo nem um concorrente, mas um irmão que se deve acolher e abraçar. Além disso, as minhas próprias origens impelem-me a trabalhar por construir pontes. Na verdade, como sabeis, a minha família é de origem italiana; e assim está sempre vivo em mim este diálogo entre lugares e culturas distantes, entre um extremo do mundo e o outro, actualmente cada vez mais próximos, interdependentes e necessitados de se encontrarem e criarem espaços efectivos de autêntica fraternidade.
Neste trabalho, é fundamental também o papel da religião. Com efeito, não se podem construir pontes entre os homens, esquecendo Deus; e vice-versa: não se podem viver verdadeiras ligações com Deus, ignorando os outros. Por isso, é importante intensificar o diálogo entre as diversas religiões; penso, antes de tudo, ao diálogo com o Islão. Muito apreciei a presença, durante a Missa de início do meu ministério, de tantas autoridades civis e religiosas do mundo islâmico. E é também importante intensificar o diálogo com os não crentes, para que jamais prevaleçam as diferenças que separam e ferem, mas, embora na diversidade, triunfe o desejo de construir verdadeiros laços de amizade entre todos os povos.
Lutar contra a pobreza, tanto material como espiritual, edificar a paz e construir pontes: são como que os pontos de referimento para um caminho que devemos percorrer, desejando convidar cada um dos países que representais a tomar parte nele. Um caminho que será difícil, se não aprendermos a amar cada vez mais esta nossa terra. Também neste caso me serve de inspiração o nome de Francisco: ele ensina-nos um respeito profundo por toda a criação, ensina-nos a guardar este nosso meio ambiente, que muitas vezes não usamos para o bem, mas desfrutamos com avidez e prejudicando um ao outro.
Queridos Embaixadores, Senhoras e Senhores,
Novamente obrigado por todo o trabalho que realizais, juntamente com a Secretaria de Estado, para edificar a paz e construir pontes de amizade e fraternidade. Por vosso intermédio, desejo renovar aos vossos Governos o meu agradecimento pela sua participação nas celebrações por ocasião da minha eleição, com votos de um frutuoso trabalho comum. O Senhor Todo-Poderoso cumule com os seus dons a cada um de vós, às vossas famílias e aos povos que representais.

Contramaré… 23 mar.

Magistrados e elementos da divisão de crimes financeiros da polícia francesa realizaram buscas na casa de Paris da diretora geral do FMI, Christine Lagarde. A antiga ministra francesa das Finanças é suspeita de ter lesado o Estado em 2007 (400 milhões de euros), ao enviar para arbitragem privada o caso judicial que opunha o antigo banco estatal Crédit Lyonnais ao empresário Bernard Tapie, o qual se arrastava nos tribunais desde 1993.
Lagarde recusou recorrer da decisão, o que só veio confirmar as suspeitas dos seus detratores.

sexta-feira, 22 de março de 2013

Já cheira mal? Mas o cheirete não é dos portugueses…

É um cheiro que está no ar. Este regime, que se enreda em jogos e salamaleques homeostáticos (em jogos do mais do mesmo) pelos salões desta falida democracia, despertou em mim memórias “olfactivas” que me recordam o outro, o que eu vi cair era ainda adolescente. Na altura, se o meu nariz não me engana, cheirava mal: cheirava a mofo. E o regime de então morreu.
Pedro Bidarra
Agora também me cheira a mofo. É o cheiro do fim.
Há uns meses assisti ao concerto de comemoração dos 40 anos do Expresso, que nasceu quando o anterior regime estava a morrer e fez 40, quando este tem os mesmíssimos sintomas do outro: incapacidade de os seus actores mudarem os papéis que desempenharam até hoje e nos trouxeram até aqui. No concerto ouviram-se as canções que marcaram estes anos. Começou nas do PREC, passou pelas do optimismo dos anos 80, depois pelas dos anos 90, já em tom de ressaca, e acabou com o Boss AC a cantar o “É sexta-feira”.
No auditório estavam representantes do regime: políticos, banqueiros, CEO famosos, jornalistas, empresários. O Boss AC cantou coisas como “Os cotas já me querem ver pelas costas” ou “Os bancos só emprestam a quem não precisa” ou “Eles enterram o país”; e “eles” bateram palmas e pediram um encore.
O “É sexta-feira” lembrou-me então a “Tourada” que o Tordo cantou no fim do outro regime. E veio-me à memória o cheiro a mofo.
Neste regime democrático vimos o país sair da miséria, vimo-lo desenvolver-se e vimos gerações, pelo menos duas, crescer em democracia; como se falar livremente, estudar quase de borla, ir ao hospital e ser atendido por bons médicos, trabalhar e ganhar dinheiro, e fazer parte do mundo (pela viagem e pelo poliglotismo de que somos capazes) fossem coisas normais. Como se viver em paz, na Europa, fosse uma coisa normal. Não é. Diz a História a quem se dá ao trabalho de a ler.
O cheiro a fim, sinto-o hoje quando oiço a bafienta “Grândola” que me soa ao “Ó tempo volta pra trás”. Ou quando oiço falar nos partidos do “arco-da-governação” e me lembro da União Nacional e da corja clientelar que por lá parasitava: “arco-da-governação” o tanas, é o “arco-da-velha”. Ou quando oiço o agitprop da esquerda a mentir ao povo que há dinheiro de borla.
Durante a minha adolescência ouvi muitas vezes a referência aos 48 anos de obscurantismo. Não era o obscurantismo que me fazia confusão – sendo eu adolescente, o obscurantismo era um lugar romântico, um sítio onde se lutava pela luz. O que me fazia confusão eram os 48 anos. Parecia-me uma eternidade. Afinal, não tarda serão 40 deste regime. De acordo com o que é normal na vida dos regimes em Portugal, está pronto a acabar. Pelo menos os sinais estão por aqui todos. Cá e lá fora, na Europa, que também cheira, insuportavelmente, a fim de regime. No caso, ao fim da paz.

Ecos da blogosfera – 22 mar.

Os líderes europeus também não tem crédito (político)!

A crise em curso em Chipre ameaça desencadear uma corrida aos bancos a nível internacional e, em simultâneo, revela uma quebra de confiança entre Estados-membros da UE e a irritação do Norte da Europa perante aquele que considera um vizinho do Sul irresponsável, escreve um colunista britânico.
Os dirigentes europeus sabem sem dúvida que estão a correr um grande risco com o caso de Chipre. O perigo é óbvio. Depois de [toda a gente que tem dinheiro em bancos cipriotas ser forçada a suportar um golpe], os apreensivos detentores de depósitos de outras partes da Europa irão aperceber-se de que foi criado um precedente perigoso. [Na altura em que este artigo foi escrito, o Governo de Chipre propusera-se tributar todos os detentores de poupanças.] Em vez de correrem o risco, por menor que seja, de "cortes de cabelo" financeiros indesejados no futuro, os clientes dos bancos gregos, espanhóis, portugueses ou italianos poderão optar por levantar o dinheiro. Se isso começar a acontecer, a crise do euro estará de volta – com um caráter ainda mais grave.
Os responsáveis pelo plano para o Chipre esperam que os riscos de contágio sejam reduzidos. Consideram que os bancos espanhóis estão a recuperar e que a Grécia também foi afastada da beira do abismo. Não há motivos para os titulares de depósitos tirarem ilações do estranho caso de Chipre, cujos bancos estão cheios de dinheiro russo.
Talvez seja assim. No entanto, já não seria a primeira vez que os dirigentes da UE se enganavam neste tipo de cálculos. Na cimeira de Deauville, em setembro de 2010, anunciaram que os detentores de obrigações soberanas de países alvo de resgate iriam perder parte do seu dinheiro. O resultado foi um forte agravamento da crise do euro, quando os investidores começaram a exigir taxas muito mais altas para os empréstimos a países de risco aparente, como a Itália e Espanha.
Então, por que motivo – depois de todos os meticulosos esforços no sentido de limar os problemas do euro – terão os dirigentes europeus feito uma aposta destas em Chipre? A resposta é que também eles não têm crédito – crédito político.
Paraíso para o dinheiro russo
Este défice de crédito assume formas diferentes na Europa do Norte e do Sul. No caso dos dirigentes de países como a Alemanha, a Holanda e a Finlândia, havia a noção de que os eleitores e os respetivos parlamentos não iriam aprovar outro resgate – a menos que estes previssem pesadas sanções.
Chipre é um país pequeno e, por isso, os montantes necessários para o ajudar são relativamente pequenos – "só" €17 mil milhões. O problema é que o Chipre é também um exemplo especialmente evidente do défice elementar de confiança entre europeus do Norte e do Sul. Desde o início da crise que as histórias sobre corrupção no Sul enchem as páginas dos órgãos de informação alemães. Os eleitores alemães foram incentivados a acreditar que o seu dinheiro duramente ganho vai ser gasto para ajudar países corruptos.
O Chipre constitui um problema especialmente grave porque os seus bancos têm a merecida fama de serem um paraíso para o dinheiro sujo da Rússia. Na realidade, os montantes que têm "viagem de ida e volta" através do Chipre – entram na Rússia e voltam a sair – indicam que a máquina de lavar da banca cipriota tem estado a girar de forma descontrolada. Colocar na mira os titulares de depósitos superiores a €100 mil parece ser uma maneira eficaz de atingir o dinheiro ilícito russo. A decisão incompreensível e perigosa de cobrar imposto aos detentores de pequenos depósitos mostra até que ponto a compaixão se esgotou – mesmo face aos "pequenos" da Europa do Sul.
Em teoria, a chanceler alemã, Angela Merkel, e outros dirigentes europeus poderiam ter dito aos seus eleitores que tinham de engolir o sapo – e resgatar o Chipre, sem exigências –, porque a alternativa era o risco de uma corrida aos bancos europeus, que poderia levar à falência de bancos a nível interno. Mas a reação mais provável teria sido de mais cólera e incompreensão por parte do eleitorado.
Chipre com pouco crédito político
Os governantes de Chipre também contam com muito pouco crédito político no resto da Europa. Muitos dirigentes da UE mostraram-se profundamente relutantes em aceitar a adesão do Chipre à União, em 2004, sem que a ilha tivesse sido reunificada através de um acordo de paz. Mas a Grécia ameaçou vetar todo o alargamento da UE – bloqueando a entrada da Polónia, da República Checa e dos restantes países – se o Chipre não fosse admitido. Contudo, a história deixou um gosto amargo, em especial depois de os eleitores cipriotas gregos terem rejeitado o plano de paz de Annan. Por conseguinte, quando o Chipre se viu em sarilhos, o nível da água no poço da simpatia estava bastante baixo.
O principal problema continua, porém, a ser a disparidade de confiança e de culturas políticas entre a Europa do Norte e do Sul. Antes da crise, quando as coisas corriam bem, era considerado politicamente incorreto, ou mesmo xenofóbico, insinuar que os padrões de probidade na vida pública variam largamente em toda a Europa e que esse facto constitui um problema para uma organização empenhada numa "união cada vez mais estreita".
Contudo, neste momento, torna-se evidente que esta falta de convergência em matéria de confiança e de culturas políticas é pelo menos tão importante como a falta de convergência económica. Também é verdade que os alemães, os holandeses e os escandinavos têm os seus próprios problemas de corrupção na vida pública e que a caricatura que retrata toda a Europa do Sul como corrupta e preguiçosa é terrivelmente injusta.
Diferenças culturais
Apesar disso, é um facto que a evasão fiscal é comum em países como a Grécia e a Itália. O que sempre tornou difícil convencer os eleitores do Norte a resgatar o Sul.
Até uma observação informal confirma que as atitudes relativas aos dinheiros públicos variam enormemente. Há 2 anos, fui convidado para uma reunião de todos os embaixadores holandeses em todo o mundo. O almoço constava de uma série, não muito apetecível, de sandes e batatas fritas, para comer de pé. Aposto que, apesar de as finanças públicas da Itália ou da Grécia se encontrarem em pior estado, os embaixadores destes países comeriam melhor.
É uma história banal. Mas é este tipo de diferenças culturais que explica o motivo por que os europeus do Norte disseram "basta", quando se falou dos bancos cipriotas.
Se a Europa não conseguir criar uma convergência real dos padrões de vida pública, as disparidades em termos de confiança, resultantes das diferenças, poderão acabar por desagregar primeiro o euro e depois a própria UE.

Contramaré… 22 mar.

Cavaco Silva não quer presidir a uma república em que o foco da economia esteja nos baixos salários. “Esta é uma ideia a que os nossos empresários deveriam dar uma atenção especial”, afirmou, sem referir o nome do 3.º homem mais rico de Portugal: “a precariedade e, por esta via, a manutenção de salários baixos não é a solução para os problemas da economia portuguesa, sobretudo quando serve para colmatar insuficiências de liderança, lacunas organizativas ou falta de inovação”.
As declarações do Presidente da República são também uma ‘alfinetada’ para o Governo, o único ator da concertação social que recusa aumentar o Salário Mínimo Nacional.

quinta-feira, 21 de março de 2013

Por que há sempre alemães nas pocilgas dos PIIGS?

O ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schauble, lamentou o voto do Parlamento cipriota contra o plano de resgate que tinha sido proposto durante o fim de semana para evitar a falência de Chipre e disse que o modelo de negócio do pequeno país não funciona.
Entretanto, o líder do partido UK Independent Party, Nigel Farage, afirmou que a rejeição desta proposta coloca sérios problemas a toda a zona Euro. "Agora sei que Chipre é pequeno e tem apenas 800.000 habitantes, mas o Parlamento cipriota disse de facto 'vamos sair do Euro'. Existe um risco real que isto aconteça e traga consigo um choque, não apenas no euro mas em vários bancos na União Europeia. Portanto estamos num ponto muito crítico."
O opositor social-democrata de Angela Merkel nas legislativas do outono, Peer Steinbrück, responsabilizou a chanceler alemã pela rejeição do plano de resgate europeu para Chipre e considerou ter existido um "erro político flagrante". "A rejeição do plano de resgate europeu pelo parlamento cipriota mostra que este projeto negociado com a contribuição notável do ministro das Finanças, Wolfgang Schäuble, e com o aval da chanceler, falhou", afirmou Peer Steinbrück.
Em Chipre o ambiente está caótico, mas em Bruxelas não está melhor. O presidente do Parlamento Europeu criticou severamente os líderes da zona euro, a quem acusou de falta de transparência na decisão sobre a taxa de depósitos a aplicar em Chipre. 
"Lamentamos a falta de transparência e de responsabilidade democrática na solução original proposta pela Comissão Europeia, FMI e BCE para Chipre", afirmou Martin Schulz no Parlamento Europeu. "Os ministros das Finanças do euro devem assumir responsabilidades pela proposta inicial para o setor bancário de Chipre. A solução foi tomada a portas fechadas nas primeiras horas da madrugada sem uma reflexão correcta sobre as consequências para os cidadãos. Até agora o jogo de culpas só serviu para prejudicar a imagem do euro"
Diz Schulz que "tem de ser encontrada uma solução mais justa e sustentável". "Nós precisamos de uma solução europeia para os problemas de Chipre, não uma solução externa. As poupanças dos cidadãos não podem ser usadas como resgate para o setor bancário". 
"O sistema bancário da zona euro está perante uma mudança radical com o estabelecimento de uma unidade bancária e um único mecanismo de supervisão. A situação em Chipre realça a necessidade de esta ser aplicada o mais rapidamente possível. Uma supervisão direta da UE é a chave para garantir que crises idênticas podem ser evitadas"
Já ninguém deve ter dúvidas de que o ministro das Finanças alemão está para Merkel e as suas políticas, como Vítor Gaspar está para Passos Coelho, só que Gaspar é subordinado de Schauble, como Passos Coelho é de Merkel… Talvez pelo mesmo motivo, o de não perceberem nada de finanças e os ministros das Finanças não saberem o que é a Política…
E enquanto os alemães, figuras centrais nos confiscos aos depósitos gregos, sabem que só teriam a ganhar com mais esta estratégia, que vai para além da austeridade e nem classificação tem, o “inglesinho” descobriu (ainda não sabia) que o efeito dominó é mais perigoso para a sobrevivência da Eurozona e para o Euro do que para os cipriotas e para o Chipre.
Entretanto, os deputados cipriotas sabiam e sabem das consequências (também) para todos os outros, se os expulsarem do Euro. Daí a “coragem” que transparece no voto contra (que contam com o apoio russo), atitude que convém destacar, até porque tal não aconteceu na Grécia.
E continuam a andar à solta uns arautos da desgraça (saída do euro), atirando para o ar percentagens de perdas e dilúvios, sem qualquer “estudo” que o prove, antes pelo contrário, porque desde que a Alemanha o fez, arrepiou caminho em relação à Grécia… Era bom que os técnicos argumentassem com números, mas verdadeiros…
E depois vem outro alemão, social-democrata (enquanto está na oposição) atirar as culpas à Merkel e ao Schauble, mas este como os conhece, até porque já foi ministro das Finanças d’ELA, é capaz de ser credível…
E mais um alemão, também social-democrata e presidente do Parlamento Europeu, Martin Schulz, vem denunciar o desenho mal feito pelos líderes europeus para a “salvação” do Chipre (ninguém na UE tem jeito para o desenho), acusando os a(u)tores, a estratégia e a tática, mais a sacanagem que incorporou em todos os estrategas, pela calada da noite, fruto da psicologia de grupo… E se já são imorais as “reestruturações”, com cessação de direitos, abaixamento de salários, confiscos, destruição do tecido empresarial e o desemprego pecaminoso, imagine-se, gente de bem, líderes de um continente, a roubarem (diretamente) o dinheiro depositado por inocentes cidadãos, sócios da mesma União(?)…
E levando mais longe a sua indignação e verticalidade política, Schulz exige que os ministros das Finanças do euro assumam responsabilidades pela proposta inicial que fizeram para o setor bancário de Chipre. Responsabilidade que devia ser jurídica, mas…
E a mesma responsabilidade jurídica deveria ser estendida aos administradores dos BPNs cipriotas, o que resultaria mais do que a “supervisão” bancária pelo BCE, onde o “nosso” Gaspar deve arranjar um lugarzito numa troika qualquer…
Perante tudo isto, que subestima o surrealismo, como podemos ter esperança de chegar ao sucesso, com gente de tão baixa estatura moral e política?
Mudemos de assunto… e de acentos!

Ecos da blogosfera – 21 mar.

SONETO PRESENTE - Ary dos Santos

Não me digam mais nada senão morro
aqui neste lugar dentro de mim
a terra de onde venho é onde moro
o país de que sou é estar aqui.

Não me digam mais nada senão falo
e eu não posso falar eu estou de pé.
De pé como um poeta ou um cavalo
de pé como quem deve estar quem é.

Aqui ninguém me diz quando me vendo
a não ser os que eu amo os que eu entendo
os que podem ser tanto como eu.

Aqui ninguém me põe a pata em cima
porque é de baixo que me vem acima
a força do lugar que for o meu.



Eurogrupo: Quando há ocasiões revelam-se ladrões…

Segundo a imprensa europeia, ao lançarem um imposto sobre os depósitos bancários, em troca de um plano de ajuda de €10 mil milhões, os dirigentes da zona euro abriram, na melhor das hipóteses, "um precedente perigoso" ou, na pior das hipóteses, fizeram "chantagem".
O acordo concluído, em 16 de março, entre Chipre, o Eurogrupo e o FMI prevê um imposto de 6,6% sobre os depósitos inferiores a €100 mil, e de 9,9% para os de montantes superiores. Qualificada como "arbitrária", "de expropriação" ou "arriscada", a medida ameaça a solidariedade entre os países da zona euro e até a livre circulação de capitais no seio da União, sublinham os comentadores.
Sob o título de primeira página "Europa atamanca mais um resgate", o Financial Times critica o inesperado imposto sobre depósitos bancários e acrescenta que "a zona euro voltou a cair nos velhos vícios, quando ainda mal começara a definir o rumo correto para a luta contra uma crise da dívida em mutação contínua":
Ainda que possa ser legal, esta violação grosseira do espírito da segurança dos depósitos – na UE, os detentores de pequenas poupanças têm a garantia de que os depósitos até €100 mil estão a salvo, por mais moribundo que o seu banco esteja – trai de forma imperdoável aqueles que têm mais a perder e menos por que responder. […] Perante um Estado-membro prestes a afundar-se, em vez de lançarem uma boia de salvação a Chipre, os dirigentes põem-lhe uma pedra ao pescoço. […] A estrutura dos balanços dos bancos cipriotas significava que alguns depósitos teriam de ser atingidos. Mas a afirmação do Presidente Nicos Anastasiades de que não há alternativa ao plano atual é um insulto aos pequenos detentores de poupanças e pequenos empresários cipriotas. […] Para a Europa, os riscos são significativos. […] O maior risco é de ordem política. A receita universal de austeridade, combinada com o tratamento com luvas de pelica dispensado aos grandes investidores nos bancos, é cada vez mais nociva para os eleitores europeus. Os dirigentes limitaram-se a atirar achas para a fogueira.
Para o jornal Público, de Lisboa, o plano de resgate é pura e simplesmente um desfalque do Eurogrupo, que é acusado de introduzir o confisco e a arbitrariedade nas práticas políticas da União Europeia:
As palavras já são conhecidas. Uma vez mais, não havia alternativa. De entre todas, esta solução era a menos ‘dolorosa’. Mas o inqualificável resgate a Chipre aprovado pelos ministros do Eurogrupo na madrugada de sábado mostra que o valor das palavras na União Europeia está a sofrer uma forte desvalorização. Onde existiam cidadãos europeus com direitos, existem hoje cidadãos cujos depósitos bancários podem ser taxados sem aviso prévio, como aconteceu em Chipre. […] A arbitrariedade e o desprezo absoluto pelas regras estabelecidas e pelos valores da União tornaram-se comuns. Por tudo isto, o que se passou este fim de semana é uma página negra na História da Europa. [...] A democracia tornou-se relativa. E a chantagem substituiu a solidariedade. As palavras mudaram. É essa a verdadeira crise da Europa.
"Um imposto sobre as poupanças é bom, mas tirar dinheiro aos cipriotas poderá revelar-se destrutivo", escreve o Trouw. Embora compreendendo a indignação, este diário de Amesterdão considera que as autoridades fiscais locais fizeram de Chipre um porto seguro para as poupanças e que a ilha parece ser um "destino popular para o dinheiro sujo". A ideia de atenuar os problemas financeiros da ilha
tem aspetos que a tornam recomendável. […] Mas o acordo concluído neste fim de semana, em Bruxelas, equivale a expropriação. Os detentores de poupanças perderam simplesmente parte do seu dinheiro. Este aplica-se não só aos russos ricos, mas também aos cipriotas detentores de pequenas poupanças.
O diário de Milão Il Sole 24 Ore acredita que aceder às contas de Chipre para conceder um resgate constitui "um precedente perigoso que afeta a confiança". "O que irá acontecer agora à liberdade de circulação de capitais na UE?", pergunta o jornal, que acrescenta:
É certo que os principais contribuintes para o imposto serão capitais russos, que foram atraídos por uma legislação fiscal generosa […] e por uma lei contra o branqueamento de dinheiro muito vaga. Mas isso não basta para dissipar as dúvidas sobre uma medida arriscada e que poderá deixar uma marca indelével entre os detentores de poupanças, que têm coração de coelho, pernas de lebre e memória de elefante.
"Tributar para salvar", resume o Kommersant, em Moscovo. Ao tributar os depósitos bancários, a "UE decidiu salvar o sistema bancário cipriota por meio da economia russa, sem consultar a Rússia", salienta este diário, que avalia em 20 mil milhões de dólares [€15,43 mil milhões] o montante dos bens russos em bancos cipriotas, num total de 90 mil milhões de dólares [€69,46 mil milhões]. Mas, enquanto o Presidente Vladimir Putin qualifica o plano de ajuda de "injusto, não profissional e perigoso", o Kommersant considera que:
Desde 2011, que o Governo russo tem falado tanto de ‘des-deslocalização’ da economia cipriota [isto é, que Moscovo queria repatriar para a Rússia os capitais colocados em países como Chipre], que não tem o direito moral de condenar o apoio mais eficaz para o Governo de Chipre. […] O sentido oculto desse ‘imposto’ é a manutenção da situação atual, porque o Ministério das Finanças russo pusera como condição para a renovação do seu crédito a Chipre a divulgação de informações sobre os beneficiários russos da economia cipriota.
"Ninguém pode medir as consequências desta decisão", considera Le Monde, e em especial "o possível efeito de contágio do plano cipriota":
Os europeus e o FMI correram o risco de relançar a desconfiança relativamente à moeda única. Na segunda-feira, as Bolsas e o euro estavam em baixa. Convém garantir que os detentores de poupanças espanhóis, portugueses, irlandeses e italianos não vão, por seu turno, levantar as suas economias, claramente bem pouco em segurança nos bancos.
Na Alemanha, o Süddeutsche Zeitung considera que este "ataque contra a poupança" é "o último tabu quebrado" na crise do euro:
É verdade que a situação era complicada. As negociações sobre um pacote de resgate para o Chipre arrastavam-se há 9 meses e ninguém queria ceder. […] A Alemanha é a maior economia da zona euro, o que implica que tem uma maior responsabilidade financeira e, na dúvida, terá de pagar mais. Em contrapartida, isso não quer dizer que a Alemanha tenha mais peso nas decisões relativas ao euro. A Alemanha é apenas um dos 17 países da zona euro. As somas que a França, a Itália ou a Espanha têm de pagar são apenas um pouco inferiores àquela que os alemães pagam. Mas nenhum destes países reivindicou que se utilizasse o pequeno Chipre para testar o que acontece, quando se quebra mais um tabu e se pede aos detentores de poupanças que levantem o dinheiro.
Apesar de a situação ter sofrido mutações, que desiludiram os “juízes” do Eurogrupo e do FMI, serviu para escancarar a falta de Valores, de Moral e de Ética, mostrando-os como verdadeiros ladrões e carrascos, de espólios e de inocentes…
Para memória futura!

Contramaré… 21 mar.

“Todos os bens da Igreja estão à disposição do país, para evitar o colapso da economia e para que possamos levantar-nos sozinhos, sem a ajuda de estrangeiros”, afirmou o líder da Igreja Ortodoxa do Chipre, arcebispo Chrysostomos II, depois de um encontro com o Presidente Nicos Anastasiades, onde manifestou disponibilidade para hipotecar o património em favor da economia nacional.
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quarta-feira, 20 de março de 2013

Com “evidências científicas” nos querem enganar…

Na Administração Pública as funções de menor exigência e responsabilidade são mais bem pagas do que no sector privado, enquanto as funções de maior complexidade e exigência são menos valorizadas em termos salariais do que no privado. A conclusão é divulgada pelo Ministério das Finanças, de acordo com um estudo encomendado pelo Governo à consultora Mercer.
Nas funções de topo, as remunerações pagas pelo sector privado podem exceder, em média, 30% as praticadas no sector público. Nos cargos de direcção intermédia o sector privado “tende a ser mais competitivo”, mas esse diferencial tende a esbater-se quando se desce na hierarquia.
Na análise feita às profissões menos qualificadas, a Mercer conclui que há duas realidades. No caso dos assistentes técnicos e pessoal administrativo, os salários são superiores na administração pública. Já quando se passa para as profissões com conteúdos funcionais mais baixos (assistente operacional, operário e auxiliar) o privado paga melhor.
Para a realização do estudo não foram tidas em conta as componentes de remuneração variável, nem foram considerados os efeitos das medidas salariais temporárias decorrentes das leis dos Orçamentos do Estado de 2011, 2012 e 2013.
O estudo teve como base uma amostra de 554.362 trabalhadores do sector público e 38.325 trabalhadores de 289 empresas do sector privado. Não incidiu sobre os órgãos de soberania, não incluindo por isso deputados, juízes, membros do Governo e funcionários da Presidência da República.
O estudo, frisou fonte do Ministério das Finanças, “visa perceber o posicionamento relativo do sector público face ao privado”.
Antes da encomenda deste estudo, muita gente dizia à boca cheia, governantes inclusive (Paulo Portas foi o paladino), que os Funcionários Públicos ganhavam mais do que os do Setor Privado (para justificar os cortes salariais e confiscos), mesmo quando “avisados” de que tal conclusão empírica não era comparável, pelo enorme número de FP com habilitações superiores às dos privados, até surgir este documento, encomendado e com conclusões “credíveis”, que ao contrário do que se diz, contraria o “achismo” reinante e manipulatório…
Não li na íntegra o trabalho divulgado, mas com a leitura enviesada detetei de imediato, como o artigo regista, que havia alguns pormenores, que inviabilizam uma leitura objetiva, dando origem a várias interpretações, à vontade do freguês, que dão origem a contradições.
Em primeiro lugar, os dados referem-se a salários de 2011, sem terem em conta os cortes entretanto efetuados, o que quer dizer que nada tem a ver com a realidade no dia de hoje e por isso nada valem…
Em segundo lugar, o universo de ambos os setores trabalhados é imensamente diferente, maior no público, em que as tabelas salariais são rígidas e uniformes por categoria e menor no privado, em que há muitas exceções às tabelas salariais. Acresce que no setor privado existem bónus e regalias, que alteram (e de que forma) o salário nominal, que não devem constar dos números “oficiais” do estudo.
Em terceiro lugar, se entrarmos com a média dos salários de todas as funções, para podermos comparar duas empresas iguais, uma pública e outra privada, chegamos à conclusão de que, no que respeita às remunerações, no setor público é de 2.290 euros e no privado é de 2.200 euros, inferior ao público.
Mas se procurarmos a mesma média no que aos ganhos diz respeito, já encontramos 2.275 euros para o público e 2.994 euros para o privado, superior ao público. Penso que podemos concluir que os ganhos no privado, em média são bem mais altos do que no público, embora a remuneração seja ligeiramente superior no público (não nos esqueçamos dos bónus e regalias do privado).
Pelos títulos dos vários jornais, verificamos que há diferentes leituras e diferentes conclusões, com algumas contradições, que contrariam a decisão do governo de negociar rescisões indemnizadas com assistentes operacionais, operários e auxiliares, em que o privado paga melhor… Quererá dizer que vão recorrer a serviços privados para superar as falhas e pagarem mais, em benefício dos lucros dos privados?
Mas vem agora “a pergunta do macaco”: Serão os Funcionários Públicos que estão a “ganhar mais” ou os do setor privado que estão a “ganhar menos”? Se se quer igualar ambos os setores, por que igualar por baixo? Afinal, se a justificação para os salários exagerados dos nossos gestores é o da concorrência com os estrangeiros (mais baixos) por que não usar o mesmo critério para as restantes funções?
Curiosamente, constata-se que nem no público, nem no privado, aparece qualquer referência ao Salário Mínimo Nacional… Estanho!
Com a verdade (dos estudos “científicos”) nos querem enganar…

Ecos da blogosfera – 20 mar.

Haverá misericórdia para os responsáveis desta crise?

Da gestão de uma moeda única, à união política e fiscal de uma comunidade multilingue e multiétnica e até mesmo a salvação do povo perante uma recessão incapacitante, os líderes bizantinos estiveram à altura de imensos desafios. Os líderes da UE podem aprender muito com o canto mais oriental do Império Romano, defende um historiador britânico.
histamenon nomisma na sua forma escifulada, 1078-1081
Por vezes é fácil esquecermos por que razão estudamos história. É evidente, usamos o passado para compreender o presente; mas, idealmente, também aprendemos com isso. Assim sendo, é uma pena que não haja espaço no novo currículo nacional para a história de Bizâncio. A metade oriental do Império Romano que floresceu muito para além de, na Antiguidade, a própria Roma ter entrado numa espiral de declínio.
Infelizmente, como várias gerações nunca estudaram o poderoso oriente mediterrânico que em tempos governou um território que ia de Veneza à Palestina, do Norte de África ao Cáucaso, a lição que o mundo moderno daí poderia tirar perdeu-se nas brumas do tempo – uma lição de que a Europa precisa hoje mais do que nunca.
Tal como a UE, o Império Bizantino era uma comunidade multilingue e multiétnica que se estendia por diferentes climas e economias locais variadas, que incluíam cidades movimentadas e entrepostos comerciais, portos prósperos e pequenos assentamentos rurais. E não apenas isso. Tinha, também, uma moeda única – uma moeda cujo valor, durante séculos, não flutuou.
Contrariamente à opinião popular diariamente expressa na Câmara dos Comuns, onde os deputados fazem fila para descreverem como “bizantina” uma legislação excessivamente regulamentada e complexa, o Império Bizantino era, de facto, um modelo de sofisticação – especialmente em áreas em que a UE deixa muito a desejar. Ao contrário da UE, Bizâncio não estava pejado de ineficácia e disparidade no que dizia respeito a impostos: os lucros não ficavam parados numa região mais atraente, comprometendo, assim, a estrutura do império. O governo de Bizâncio era pequeno, simples e eficiente.
Liberdade de impostos
Não se punha sequer a questão que partes diferentes do Império pudessem ter normas diferentes ou políticas de impostos diversas: para o Estado funcionar com uma moeda única, tinha de haver união fiscal, económica e política; os impostos tinham de ser pagos da periferia para o centro; e era ponto assente que a riqueza tinha de ser desviada das regiões mais ricas para as menos abençoadas – mesmo que nem toda a gente se sentisse feliz com isso. Liberdade, resmungava um autor do século XI, significava liberdade de impostos.
Se os eurocratas conhecessem a estrutura do Império, também poderiam beneficiar da lição sobre o modo como Bizâncio lidou com uma recessão crónica, provocada pela mesma combinação mortal que paralisa atualmente as economias ocidentais. Nos anos de 1070, as receitas do governo colapsaram, enquanto as despesas com serviços essenciais (como os exércitos, por exemplo) continuaram a aumentar; uma crise de liquidez crónica agravou ainda mais o estado de coisas. A situação ficou tão má que as portas do tesouro passaram a estar abertas para trás: não havia razão para as trancar, escreveu alguém desse tempo, porque não havia nada lá dentro para roubar.
Não houve misericórdia para com os responsáveis da crise. O Herman Van Rompuy daquele tempo, um eunuco chamado Nikephoritzes, foi destituído por uma multidão furiosa com a subida dos preços e a queda do seu nível de vida, e acabou mesmo por ser torturado até à morte. O descontentamento generalizado levou a que, sem cerimónias, muito outros se vissem destituídos dos seus cargos, quase sempre obrigados depois a tornarem-se monges, presumivelmente para que pudessem rezar pelo perdão dos seus próprios pecados.
A crise deu então origem ao aparecimento da figura de Nigel Farage, cujos argumentos sobre o porquê das coisas terem corrido mal eram “tão persuasivos”, segundo um dos seus contemporâneos, que as pessoas “se uniram para lhe dar precedência” e o recebiam com aplausos onde quer que ele aparecesse. Farage era uma lufada de ar fresco numa altura em que a velha guarda estava paralisada pela inação e pela falta de boas ideias. A sua mensagem, de que a atual geração de líderes era inútil, era difícil de contradizer.
Uma paragem cardíaca económica
As tímidas políticas que estavam a ser tentadas foram um desastre, não tendo tido qualquer efeito na resolução dos problemas. Incluíram a desvalorização da moeda, pondo em circulação mais quantidade de dinheiro enquanto a percentagem de metal precioso que cada moeda continha diminuía cada vez mais; por outras palavras, um recurso quantitativo. Foi como pôr um penso rápido num ferimento de bala.
Como a situação piorou, estava na altura de fazer uma limpeza nos líderes antigos. Era preciso sangue novo e com ele apareceram novas ideias radicais. Uma das sugestões foi um resgate alemão, mas não chegou a realizar-se, embora, durante algum tempo, tenha parecido promissor. Mas, à medida que a comida foi escasseando e as conversas se voltavam para o apocalipse, não houve outra alternativa senão passar à ação.
A solução teve 3 vertentes. Primeira, a moeda foi retirada de circulação e substituída por outra, com outro nome, cujo valor facial refletia o valor real; segunda, o sistema tributário foi reformulado, com um levantamento de quem possuía o quê em todo o Império servindo de base para aumentar os impostos no futuro; finalmente, as barreiras comerciais diminuíram para encorajar o capital externo a investir mais barato e mais facilmente do que no passado – não na aquisição de ativos, mas especialmente em comércio. O Império estava em tal apuro que essas barreiras desceram ao ponto de os investidores estrangeiros acabarem por enfraquecer os nacionais, pelo menos a curto prazo, para estimular a economia. O estratagema funcionou: não foi tão doloroso como se temia e ressuscitou um doente que tinha sofrido de uma paragem cardíaca económica.
A propósito, o Nigel Farage do século XI não teve sucesso, mas aplanou o caminho para que um candidato verdadeiramente bom chegasse ao poder. Alexios Komnenos, assim se chamava o homem que reconstruiu Bizâncio, teve, apesar de tudo, de pagar o preço das suas reformas: desprezado em vida por ter tido de tomar decisões difíceis, depois disso, e durante séculos, foi ignorado pela História. Talvez hoje devêssemos procurar alguém que, como ele, também tenha os ombros suficientemente largos.

Contramaré… 20 mar.

“Nesta fase não estamos a acrescentar comentários políticos” à decisão apoiada “por unanimidade” pelos ministros das finanças, no Eurogrupo, “incluindo o do Chipre”, declarou o porta-voz da CE, que deixou igualmente todas as questões dos jornalistas por responder. Wolfgang Schaeuble assegurou que “a taxa para os depósitos inferiores a 100.000 euros não foi uma invenção de Berlim”, deixando entender que a proposta poderia ter partido do BCE.