(per)Seguidores

sábado, 22 de fevereiro de 2014

Os países mais pobres da UE nunca pagarão a dívida…

O intelectual norte-americano Noam Chomsky considerou que as medidas de austeridade na Europa estão a "funcionar muito bem para os bancos", mas estão a "esmagar" as populações dos países mais fracos.
"É difícil pensar numa razão para isto, para além de uma guerra de classes. O efeito das políticas é enfraquecer medidas de previdência social e reduzir o poder dos trabalhadores. Isso é a guerra de classes. Funciona muito bem para os bancos, para as instituições financeiras mas, para a população, é terrível", disse Noam Chomsky.
Em "Mudar o Mundo - Noam Chomsky e David Barsamian analisam as grandes questões do século XXI", editado em Portugal pela Bertrand, o linguista, filósofo e pensador norte-americano afirmou que é "bastante difícil" explicar o que o Banco Central Europeu está a fazer, sublinhando que a austeridade é a "pior política possível" durante uma recessão.
"O efeito é que, sob estas políticas, os países mais fracos da União Europeia nunca conseguirão saldar a dívida. Na verdade, os níveis de dívida estão a piorar. À medida que se reduz o crescimento, reduzem-se as possibilidades de pagamento da dívida. Assim, essas nações afundam-se cada vez mais na miséria", criticou Noam Chomsky, referindo-se aos países do sul da Europa.
O poder dos grupos financeiros e do pensamento liberal são outros tópicos que preocupam o académico norte-americano que, referindo-se ao exemplo dos Estados Unidos, avisou que o problema do ensino privado está a agravar-se devido ao valor excessivo das propinas.
De acordo com Chomsky, não há qualquer base económica que sustente o aumento das propinas, que está a fazer com que a "dívida estudantil" seja equiparada ao nível da dívida dos cartões de crédito e sobre a qual não parece haver solução. "Assim, fica-se preso para o resto da vida. É uma técnica impressionante de dominação e controlo", alertou Chomsky, que aplica a mesma linha de pensamento em relação ao ataque contra o Estado Social.
"A minha impressão é que a Segurança Social está a ser atacada pelos mesmos motivos. Não há qualquer justificação económica. Está em muito boa forma. Com alguns ajustes, poderia prolongar-se indefinidamente", disse.
Para Chomsky - que constatou que a democracia é odiada por alguns setores da sociedade norte-americana - é preciso fazer algo a respeito da Segurança Social porque se trata de um sistema, afirmou, baseado na noção de que é preciso as pessoas importarem-se umas com as outras.
"Não se podem ouvir coisas deste género: se uma viúva não tem comida, problema dela. Casou-se com o marido errado ou não fez os investimentos certos. Numa sociedade em que cada um sabe de si, não se presta atenção a mais ninguém", acusou o professor do MIT, manifestando-se preocupado com a "doutrina" liberal que, nos Estados Unidos, "não está muito longe do totalitarismo".
Por outro lado, Chomsky considerou as "táticas" do movimento Occupy, que tem vindo a denunciar as desigualdades através de manifestações, colóquios e ocupações, como "extremamente bem-sucedidas" porque, apesar de serem fenómenos inorgânicos, são capazes de criar comunidades e redes de contacto numa sociedade de pessoas solitárias.
Chomsky reafirmou a importância do associativismo e, sobretudo, do sindicalismo em sociedades dominadas pela propaganda e "geridas" por empresas que controlam as populações através de bens de consumo e que "prendem" os consumidores "através de técnicas antigas" como as dívidas e os pagamentos a crédito.
"Os sistemas de propaganda mais relevantes que enfrentamos hoje em dia, na maioria provenientes da indústria gigantesca de relações públicas, foram desenvolvidos, de forma bastante propositada, há cerca de um século, nos países mais livres do mundo, devido a um reconhecimento muito claro e articulado de que as pessoas haviam ganhado tantos direitos que seria difícil suprimi-los pela força", explicou Noam Chomsky.
Alguns pontos sublinhados da “Agenda” dos grupos financeiros e do pensamento neoliberal:
- Reduzir o crescimento dos países mais fracos para reduzir as possibilidades de pagamento da dívida, para assim, esses países se afundarem cada vez mais na miséria para atacar o Estado “Social”;
- Enfraquecer e reduzir os direitos sociais: no Ensino Público, na Saúde e na Segurança Social;
- Controlar as populações com bens de consumo, amarrando os consumidores com dívidas e pagamentos a crédito;
- Reduzir o poder dos trabalhadores com despedimentos e baixando salários, isolando-os e individualizando-os.
Contra esta estratégia, só uma contra estratégia assente no associativismo e nos movimentos inorgânicos, mas sobretudo, reforçando o sindicalismo, para que os sistemas de propaganda provenientes de uma indústria gigantesca de relações públicas, não dominem sociedades, que “ganharam” tantos direitos que seria difícil suprimi-los pela força física…
E por tudo Isto, podemos considerar que estamos numa guerra de classes, que funciona muito bem para os bancos e para as instituições financeiras, mas que para a população, é terrível.
Pois é! E nós que o digamos…

15.ª Correntes d’Escritas – 2.ª mesa

A 2.ª mesa do Correntes d’Escritas reuniu Afonso Cruz, Helder Macedo, Ivo Machado, Miguel Real, Patrícia Portela e Valério Romão, 6 escritores, dos quais metade usa caneta e papel e outra metade usa tablet para fazer a sua intervenção, como referiu João Gobern, moderador.
Perante o tema proposto, Helder Macedo disse: “vou tentar ser um literalista da imaginação”. Começou por abordar Correntes d’Escritas, sendo que “é através de palavras que estas Correntes estão a celebrar o seu aniversário com uma ideia de renovação. Correntes que renovam, vale a pena”.
O escritor decidiu fazer um elogio rápido das palavras comuns, habituais. “E numa fase da nossa literatura, em que há uma tentativa cada vez mais insistente, de as pessoas escreverem como antigamente punham roupa de domingo para ir à missa, acho que o elogio das palavras correntes, das palavras simples é aquele que deve ser feito, sobretudo”. Para Helder Macedo, “o grande desafio é descomplexizar o complexo: os escritores têm obrigação, primeiro, de não serem chatos, e outra, pegarem nas coisas que são complexas e dizê-las de maneira tão simples quanto possível sem extrair”.
Outra possibilidade são “águas correntes, aquelas que movem moinhos e vão também para o tal x, a incógnita. Mais uma vez acho que nós, escritores temos a obrigação de falar daquilo que não sabemos porque falar daquilo que a gente sabe, não vale a pena”.
Outro sentido de corrente, e “talvez o mais sério daquilo que estou a tentar não dizer, é remar contra a corrente. E essa é que me parece ser a nossa obrigação, nomeadamente no sentido político, pelo momento que estamos a viver em Portugal. E nem sequer falo de injustiças sociais, do facto de termos um Governo que é simultaneamente incompetente e benevolente porque está a usar ideologias antiquadas”.
Helder Macedo disse que “pela primeira vez em Portugal, temos uma mediania intelectual muito alta. Isso é uma coisa que só se consegue conquistar em democracia. O nível cultural de um povo é medido pela sua mediocridade, ou seja, quanto mais alta for a mediocridade, mais cultos somos todos nós”. E confessou que “remar contra a corrente remete-me ao período da minha juventude e adolescência, em que era bem mais complicado fazê-lo”. Atualmente “estamos a ser diariamente ofendidos, neste país, e estamos a ser bem comportados demais. Temos obrigação de ser malcriados. Vamos celebrar o grande e universal manguito”, sugeriu.
“Das somas”, assim se intitulava o texto lido por Ivo Machado para abordar o tema sugerido. “Em primeiro lugar, temos de saber o que significa somar 2 coisas. Isto é importante, pois apesar de estarmos permanentemente a somar coisas, raramente pensamos o que significa somar coisas. A primeira resposta a que chego é que nem sempre as somas resultam de um aumento de quantidade”.
E para corroborar esta ideia, recorreu a um poema de Almada Negreiros “Amor”, no qual 1+1=1. Deu ainda outro exemplo, de pegarmos num conta-gotas e deixarmos cair uma gota sobre outra gota, o resultado é “uma gota maior, mais gorda. Este é o tipo de soma em que o resultado tem uma expressão quantitativa, em que somar significa aumentar o volume mantendo a qualidade”. Outro tipo de soma é somar uma maçã a uma banana, da qual resultam 2 peças de fruta. Neste caso, “só se altera o volume pela transformação da identidade. Não importa o conteúdo mas o respeito escrupuloso pela forma. O importante é o conjunto que se obtém, não as partes individuais do conjunto obtido”.
Dados estes exemplos, Ivo Machado transmitiu que “este não é o significado de soma que procuro no âmbito desta mesa porque já aqui demonstrei que é possível somar de outra maneira, é possível que o resultado de uma soma seja ao mesmo tempo alteração de qualidade e preservação da quantidade. Mais ainda, que é possível formar um conjunto preservando as quantidades individuais, mas aperfeiçoando a identidade, tornando-a mais rica. Em resumo, o primeiro exemplo levou-me ao sinónimo de soma como alteração de qualidade, o segundo com sinónimo de alteração de quantidade e o terceiro como transformação da identidade em quantidade”.
Posto isto, o escritor natural dos Açores concluiu que “em nenhuma das situações se deu a evidência: 1+1=2, à exceção da fruta. E disto se retire uma lição: se quisermos pensar acertadamente, às vezes, temos de ignorar as regras. Poderão compreender agora por que razão, a propósito do tema desta mesa, ocorreu falar-vos de como 2 somas obtidas na minha vida foram somas do tipo 1, de qualidade. Afinal, um pretexto para partilhar convosco 2 somas extraordinárias, a primeira das quais, com Sophia de Mello Breyner (1976) e outra com Emanuel Félix”.
Ivo Machado concluiu dizendo: “hoje falei de somas, de 2 somas em particular. Foi isso que deu a minha interpretação deste desafio e ainda bem porque assim pude falar do encontro com 2 poetas e publicamente confessar como isso mudou a minha qualidade enquanto homem e, necessariamente, como poeta. No fundo, cada um deles, uma gota somada a outra gota. Acredito que sou o resultado de todas as somas da minha vida. Foi isso que deu ter passado a vida toda a fazer contas de somar, mas não da maneira como nos ensina a matemática”.
Miguel Real centrou a sua intervenção numa análise crítica à evolução da literatura: “Portugal mudou, a literatura mudou. O escritor mudou porque o leitor mudou e vice-versa. Há centenas de palavras novas que surgiram a partir da década de 90. Há novos tipos de tratamento entre as pessoas e também a literatura tem novos tipos de tratamento”.
O escritor chamou a atenção para a “pulsão ficcional fortíssima da nova geração de escritores portugueses”.
Porque todos os usos da palavra devem ser dados a todos, Patrícia Portela abordou a equação palavras + correntes = x em diferentes perspetivas e apontou diversos caminhos.
Valério Romão leu um texto que, segundo o próprio, tinha um caráter moralista. Na sua opinião, palavras + correntes = x é “uma equação cujo resultado depende da qualificação e não da quantificação dos termos equacionados”. Para ele, “o subjetivo da questão é narrativo. Estamos formatados para exportar o bem. Fazer os outros felizes, faz-nos felizes. Sabemos como vivemos mas não vivemos como sabemos. Estamos excessivamente dependentes de teorias” e terminou citando um dinamarquês: “o filósofo sistemático constrói castelos mas vive na casota do cão”.
Além de uma abordagem sobre o campo e a cidade, Afonso Cruz confessou que acredita imenso nas palavras, que elas têm um enorme poder, realçando que o importante é que estas continuem a chegar mesmo onde as correntes são mais apertadas.

Ecos da blogosfera - 22 fev.

15.ª Correntes d’Escritas – 1.ª mesa

“Pensamentos não são correntes de ninguém” era o tema proposto para a Mesa 1 do Correntes d’Escritas, moderada por José Carlos de Vasconcelos.
Antonio Gamoneda, Eduardo Lourenço, João de Melo, Lídia Jorge e Ungulani Ba Ka Khosa fizeram intervenções diversificadas, não se deixando acorrentar ao tema sugerido.
João de Melo dedicou a sua intervenção, intitulada “Viagem pela ideia da crise”, a Eduardo Lourenço. “Uma crise sem paredes que circula entre todos os espaços em branco, essa espécie invasora que já não se detém no limiar de nenhuma fronteira”, transmitiu, acrescentando que “para mim, à única e verdadeira crise dá-se o nome de hiperidentidade” e continuou, dizendo que “nenhuma ideia de felicidade nos pertence” e “em Portugal já não acontece nada”.
Para o escritor natural dos Açores, “voga por aí uma presença estranha, o rosto invisível e absoluto de um qualquer outro ocupante estrangeiro” e, “agora, impõe-nos uma ordem social e espiritual que nunca foi nossa”. “Não posso nem devo queixar-me de um país que já não existe”, reivindicou João de Melo, lamentando tudo o que o cerca.
Ungalani Ba Ka Khosa, estreante no Correntes d’Escritas, expôs parte dos “salutares equívocos” da sua juventude, à medida que se foi deparando com os mais diversos autores de literatura portuguesa. Para o escritor moçambicano, a narrativa portuguesa era sagrada e proporcionou-lhe satisfação e frescura em diferentes etapas do seu percurso literário.
Segundo Ungalani Ba Ka Khosa, “as letras e artes renovam-se, progridem. No entanto, cada texto nosso tem a marca de um texto anterior. Em literatura, o passado, as obras que antecedem a nossa não morrem nunca”.
Lídia Jorge optou por contar algo íntimo, “o que mais me toca”, falando sobre o universo semelhante do escritor e do leitor, descrevendo o dia em que lutou com o cérebro louco e com o cérebro lúcido, triunfando o louco.
“Escrevemos com raivas e alegrias que a vida nos vai dando”, revelou, contando que “tenho admiração pelos Românticos porque acreditam profundamente que o espírito louco tinha uma mensagem”. Para a autora, “escritores e leitores são tão semelhantes uns aos outros”.
Eduardo Lourenço começou por dizer que se tratava de um momento singular: “primeiro, por não estar em Lisboa e aqui estar Portugal todo que não está em Lisboa; segundo, por aqui se concentrar, durante 3 dias, o essencial do que desejaríamos que fosse a lusofonia”, definindo o Correntes d’Escritas como “uma espécie de milagre que se renova todos os anos e ao qual podemos assistir em direto, sem televisão”.
Sobre a temática da crise abordada por João de Melo, referiu que “felizmente, a crise que estamos a atravessar não é de ordem literária, nem tem repercussões na literatura. Estamos a atravessar uma época que deixará as suas marcas”.
Segundo Eduardo Lourenço, “estamos cercados e imersos num tipo de cultura, a cultura ocidental, que atravessa a maior crise dos tempos que conhecemos até hoje. Não propriamente uma crise europeia, é uma crise que vem do centro de um sistema que não tem centro. É uma espécie de crise sem sujeito. Estamos vivendo como uma civilização planetária, num momento de mudança de paradigma. E a cada 10 anos é como se mudássemos de cultura, de planeta. Ainda não temos resposta porque essa resposta só pode vir do futuro, da resposta que dermos à crise”.
Para o Professor, “a literatura serve fundamentalmente para remediar, na medida do possível, as feridas da vida real”.
Antonio Gamoneda debruçou-se sobre o valor da linguagem e a sua origem, bem como sobre o significado atual do pensamento poético. Na sua opinião, a palavra foi a origem do pensamento, exemplificando que só quando o homem foi capaz de nomear o fruto, passou a entender a presença intelectual do mesmo. Esta progressão constituía o pensamento, elemento configurador da vida humana.
O escritor já vencedor do Prémio Cervantes e do Prémio Reina Sofía de Poesía Iberoamericana referiu-se a outra circunstância importante no que concerne à natureza da poesia. Remeteu-nos para o homem primitivo com impulsos naturais para a canção e dança, tal como os bebés que pouco depois de nascerem são também sensíveis às canções e embalos das mães. Trata-se de uma naturalidade inata que proporciona prazer, constatou, contando o episódio de uma criança de 4 anos ter dito, acidentalmente, poesia: “a lua sangra no rio”. Uma casualidade, mas parece que estamos perante um pensamento poético impensado.
Perante esta analogia, Antonio Gamoneda sugeriu que o homem primitivo, criador de palavras, as dizia por impulso. Nomear pela primeira vez uma coisa é criar a realidade intelectual dessa coisa. Revelação e criação são elementos importantes da experiência poética.
Para o escritor castelhano, a palavra poética é prioritariamente sensível à inteligente. A poesia é realista porque ela própria é uma realidade em si mesma.

Contramaré… 22 fev.

Os salários nominais dos trabalhadores portugueses têm de cair ainda mais para o país reduzir o seu défice externo nos próximos 10 anos ou, em alternativa, para que o desemprego baixe dos atuais 15,3%. Para tirar 5% ao desemprego e colocar a taxa em 10% da população ativa, os ordenados devem reduzir-se em 12% (em termos reais, isto é, descontando já a inflação) ou cerca de 17% (em termos nominais).

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Para 46,4% a culpa é do governo, para 37,7% de PPC

A grande maioria dos portugueses, 61,7%, pensa que “a austeridade está a afundar o país, económica e socialmente”, mas que “vai continuar por uns anos”, 63,6%. Aqueles que acreditam que a estratégia do governo vai “equilibrar as contas” ficam-se pelos 28,4%. Para muitos, “nem sequer existem propostas políticas credíveis”. As conclusões pertencem a um estudo realizado pela Eurosondagem para a Faculdade de Direito de Lisboa, que foi apresentado no lançamento do livro ‘A austeridade cura? A austeridade mata?’, de Paz Ferreira.
Que a culpa é do governo e que apenas está nas mãos de quem manda resolver a situação, é a opinião de 46,4% dos inquiridos. Por outro lado, 43,2% pensa que a situação será resolvida com as ações da Alemanha, da troika e do “exterior”. No que toca à atribuição de culpas, 37,7% dos portugueses refere o nome de Pedro Passos Coelho, enquanto 42,5% se refugiam na “situação exterior ao país” e à “dívida acumulada”.
Para quase metade da população, 49,3%, o caminho escolhido não poderia ter sido diferente e apenas 39,3% dos portugueses acredita em “propostas políticas credíveis que ponham fim à austeridade”.
Li e reli os resultados (percentagens) de mais este estudo e não consegui retirar as mesmas conclusões divulgadas, e não é por burrice ou faciosismo.
Se 61,7% dos portugueses inquiridos pensa que a austeridade está a afundar o país, económica e socialmente, quer dizer que a maioria absolutíssima tem consciência de que “isto” mata e que ninguém gosta de ser condenado à morte, quando é inocente.
Se 63,6% dos portugueses inquiridos pensa que “isto” vai continuar por uns anos, quer dizer que a maioria absolutíssima tem consciência de que a prepotência governativa tem uma estratégia, um “exército” e “armas”, desproporcionais às condições de autodefesa de que dispõe.
Se 28,4% dos portugueses inquiridos acredita que a estratégia do governo e as medidas da troika vai equilibrar as contas, quer dizer que apenas uma minoria relativa tem fé nos seus gurus partidários, mas que 21,95% deles já os renega (PSD e CDS somaram 53,35% nas eleições de 2011).
Se 46,4% dos portugueses inquiridos atribui a culpa ao governo, 37,7% a Pedro Passos Coelho e 42,5% à situação exterior ao país e à dívida acumulada (126,6%?), quer dizer que todos eles se excluem de qualquer responsabilidade e que a imputam aos políticos e aos especuladores.
Se 43,2% dos portugueses inquiridos pensa que a situação só será resolvida pela Alemanha, pela troika e por agentes exteriores, quer dizer que estes não apostam neste governo e que os outros 56,8% (ou 126,6%?) também não.
Se 49,3% dos portugueses inquiridos (quase metade da população) pensa que o caminho escolhido não poderia ter sido diferente, quer dizer que a teoria da inevitabilidade foi interiorizada e se 39,3% (quase metade da população) dos portugueses acredita em propostas políticas credíveis que ponham fim à austeridade, quer dizer que não interiorizaram a teoria da inevitabilidade.
Resumindo: “A austeridade mata?” Sim e o povo sabe muito bem quem são os “carrascos”!
Nota Faz impressão, que nos tempos de hoje, ainda se façam inquéritos por telefone, quando a maioria da população tem telemóvel e muita gente nem telefone tem, o que reduz o universo dos inquiridos a uma população mais envelhecida, deixando a opinião dos jovens de fora, o que falseia os resultados.

“O poder da palavra pode vencer a palavra do poder” - Adriano Moreira

Falamos de encontro entre escritores e leitores e esquecemo-nos, muitas vezes, de que os papeis não estão tão definidos assim. O escritor é leitor. Não é raro ver autores pedirem a outros autores para assinar livros. Percebe-se a ansiedade dos leitores em mostrar que são escritores quando falam com os já aceites pelo mercado e pelos seus pares. O escritor é um leitor. O leitor pode não ser um escritor. Ambos são recriadores.
Mário Rufino
No acto de leitura, o leitor aproxima-se do escritor através do livro. Na Póvoa, uma vez por ano, o livro não é a única forma de aproximação, mas continua a ser a mais radical. O livro é um meio de transporte para a alma de um homem e para a essência de uma época.
Estou a ser cobarde. Estou a fugir do que me preocupa.
Ontem, vi Eduardo Lourenço fragilizado. Almeida Faria passou por mim, mesmo agora. Não vejo Rentes de Carvalho. Normalmente, eu e Rentes de Carvalho chegamos quase ao mesmo tempo à sala para tomar o pequeno-almoço. Somos os primeiros. Não o vejo. Terá ido embora, certamente. 
Por mais vezes que repita a verdade última custa-me aceitá-la. O abismo de Eduardo Lourenço é o abismo de todos nós, mas individual por impossibilidade de partilha.
Quando estou nas Correntes, sou guiado pelos horários das mesas e das entrevistas. Esqueço-me dos dias da semana. Apesar de continuar amarrado às horas, suspendo a decadência do tempo. Os livros, elementos divinatórios e potencialmente eternos, enganam-me. Eles continuarão cá, numa ironia sempiterna perante a caducidade do corpo. Nós não.
O leitor terá noção da máquina do tempo que tem nas mãos? 
No interior da maior revolução tecnológica da História da Humanidade, a palavra escrita - forma imperfeita parida pela materna sonoridade - continua a ser a mais radical, poderosa e temível criação humana.
Repito mil vezes a verdade de todos nós, desejando a morte dessa verdade, a vida de uma mentira, a aniquilação da efemeridade do corpo.
É dia de festa, mas acordei cobarde, medroso, revoltado e ansioso. Gostava que o tempo fosse suspenso para algumas pessoas. Precisamos de Bergoglio, Steiner, Lourenço nas nossas vidas.
Teremos, enquanto quisermos, esse mecanismo complexo que nos permite desrespeitar o tempo: O livro.
No Correntes d'Escritas, na Póvoa de Varzim, sob o título "Pensamentos não são correntes de ninguém", Eduardo Lourenço disse: "Dá a impressão de que, de repente, fomos invadidos, não por uns castelhanos arcaicos nossos vizinhos e que são nossos irmãos e primos, mas por uma espécie de vampiros como aqueles que o cinema de Hollywood ilustra. Não é por acaso que o tema dos vampiros se tornou um tema da moda, os vampiros são emissários da morte, é como se estivéssemos a viver uma espécie de apocalipse indireto". Disse não acreditar que o tempo desta "espécie de submissão mansa" vá perdurar, ressalvou não querer contribuir para algo como uma "depressão de segundo grau, por conta dos outros".
"Não sei se é um comportamento muito português dormir em cima daquilo que nos ameaça profundamente e nos põe problemas que não podemos resolver esperando que, com o tempo, com um pouco de sorte, acabemos por sair desta espécie de atoleiro em que estamos mergulhados", acrescentou.
"Os vampiros não são tão vampiros como isso, são pessoas reais. São as pessoas que controlam o sistema que a modernidade foi inventando pouco a pouco, com os seus novos meios de produção, que aumentaram efetivamente de maneira fantástica a possibilidade que os homens têm de aceder a um certo número de coisas que são importantes", disse Eduardo Lourenço, já em resposta a questões do público.
O autor declarou que a televisão é hoje "o objeto mais importante", tendo o "espaço público desaparecido", o que deu origem a um momento em que "tudo se passa na televisão, as intervenções dos comentadores na televisão são mais importantes do que a realidade".
Eduardo Lourenço lamentou que a política já não seja uma "política real". "Passámos [...] para um tempo em que aparentemente as guerras já não têm lugar ou são guerras de uma outra espécie, são quase guerras virtuais como se fossem cinema puro, embora os mortos não sejam cinema nenhum. Passámos para um tempo em que estamos - não parece à primeira vista - num mundo em estado de guerra permanente no interior do sistema, não há nenhuma grande produção que não esteja em guerra com uma outra ao lado", afirmou o vencedor do prémio Camões de 1996.
Eduardo Lourenço disse ainda não pensar nada sobre o futuro, uma vez que "se pensasse no futuro era o dono do futuro".
Assim, o ensaísta, que constatou saber o que é estar "à beira do abismo" por estar próximo do seu próprio, apelou a que se tenha paciência, antes de entrar "enfim na terra da promissão".
Imagem 1 e 2

Ecos da blogosfera - 21 fev.

Já lá vão 15 Conferências de Abertura (de)Correntes…

“A língua e o saber” serviu de mote para uma reflexão do Professor Adriano Moreira na Conferência de Abertura do 15.º Correntes d’Escritas.
Os 600 lugares sentados do Centro de Congressos esgotaram para ouvir o Presidente do Instituto de Altos Estudos da Academia das Ciências de Lisboa e Professor Emérito da Universidade Técnica de Lisboa, cuja apresentação esteve a cargo de José Carlos Vasconcelos.
Adriano Moreira começou por afirmar que “a discussão sobre a oportunidade e validade do Acordo Ortográfico tem posto em evidência que nenhuma soberania é dona da língua, pelo que não haverá nenhum acordo que impeça evoluções desencontradas”. É que, afinal, “a língua não é apenas nossa, também é nossa”.
Para Adriano Moreira, “o interesse comum é muito mais dinamizador de iniciativas e práticas do que a obrigatoriedade assumida por tratados cuja debilidade diretiva é logo evidenciada pelo método de entrada em vigor. Talvez a maleabilidade das Declarações, que estão a ganhar relevo crescente nas relações internacionais, fosse mais indicada para servir de apoio diretivo a uma política persistente de identificação e defesa do interesse comum, do que a natureza imperativa dos tratados”. O orador dá como exemplo o facto de “o ensino e a investigação, no espaço europeu em definição política acelerada, estão apoiados em Declarações que presidem ao desenvolvimento de redes cada vez mais sólidas, e não em Tratados”. Assim, prosseguiu Adriano Moreira, “não faltam advertências no sentido de que não é sempre um Tratado o melhor dos instrumentos para a internacionalização da língua e referência de que a utilidade da língua para os povos e comunidades é, ao lado daquela intervenção, um apoio mais forte e determinante, sendo necessários meios para sustentar o interesse”.
O Professor destaca ainda “a valorização da língua como instrumento do desenvolvimento da qualidade, como portadora de valores” e que não pode ser descurada a necessidade de recursos financeiros e humanos (e respetiva planificação) para assumir as obrigações do Tratado. Deixa ficar o alerta: “trata-se de meditar sobre o facto de que as medidas que o Tratado exige, e desde que identificadas, exigem viabilização de recursos humanos e financeiros, e que sem um plano de ajuda, elaborado de acordo com as necessidades variáveis de cada Estado membro e das comunidades, o prazo de execução adotado não garante que a realidade acompanhe o Tratado”.
Por tudo isto, Adriano Moreira sustenta que “o método da Declaração seria mais maleável; o método do Tratado é pouco condescendente com as debilidades; o método das Declarações apoia os pequenos passos e valoriza o esforço. Escolhido o Tratado, é inadiável tratar de evitar o triunfo das debilidades”.
Por fim, o Professor apela a um movimento de consolidação do espaço da língua portuguesa (CPLP) – “A comunidade portuguesa da informação, do saber e da sabedoria, só não está ao alcance da inércia”. E finaliza voltando às palavras iniciais: “O facto de a língua não ser nossa, ser também nossa, e transportar valores, faz com que, espalhada por todas as latitudes, tenha recolhido um pluralismo que a enriquece, como que a torna transversal em relação a culturas diferenciadas, inscrevendo-se no património Imaterial da Humanidade, com forte contribuição para viabilizar o diálogo entre as diferenças, e colocar o respeito e a cooperação no lugar da simples tolerância ou da indiferença. Fortalecendo a maneira portuguesa de estar no mundo, mesmo na atribulada época que atravessamos”.

Contramaré… 21 fev.

O Governo deverá lançar um novo programa de rescisões amigáveis na função pública. A intenção é descrita no relatório do FMI sobre a 10.ª avaliação da troika.
Até agora, o executivo lançou 3 programas de rescisões: um para os técnicos operacionais (cerca de 3.000 adesões), um para os professores, que termina a 28 de Fevereiro, e outro para os técnicos superiores e qualificados, a decorrer até 30 de Abril.

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Os “ateus” tinham razão, graças a Deus… Milagres?

Espera lá! Mas não estava tudo a correr bem? Que raio de história é esta de o FMI pôr em causa o sucesso do ajustamento português? Nos últimos dias, colocámos dívida, soubemos que o PIB cresceu acima do esperado, as exportações atingiram recordes, o desemprego caiu, o "Financial Times" glorificou-nos, a "Economist" visitou-nos - e vem o próprio FMI enfiar-nos numa banheira de gelo? Pois, é o que se faz a quem alucina de febre.
Pedro Santos Guerreiro
O Governo anda a alucinar. A descompressão é compreensível, depois de tantos anos de recessão económica e de repressão social. E a ânsia de boas notícias é tão grande, mas tão grande, que as análises críticas passam por ousadia destruidora. Perguntar sempre ofendeu muita gente. Sobretudo os que não gostam de responder. Mas os bons indicadores de hoje não garantem boas indicações para amanhã. O fim da recessão não é o fim da crise. Estar melhor não é estar bem. Ouvi o FMI.
Sim, o FMI. É uma ironia divertida ouvir o PS a agarra-se ao FMI como elemento credibilizador, ver Paulo Portas amuar com o Fundo, pressentir a mesma turba que arrasou o Fundo tolerá-lo agora. Não foi há muitos meses que Ferreira Fernandes chamou os técnicos do FMI "uns pedaços de merda". Em título. Não é gente amada.
Ao contrário do que se diz, poucas instituições conhecem a macroeconomia portuguesa tão bem como o FMI. Eles não nos visitaram 3 vezes - estão cá desde a primeira. Nunca saíram de Portugal, há mais de 30 anos que têm delegação fixa e tê-la-ão pelo menos mais 20, para cuidar dos seus empréstimos. Não são senhores de preto que aterram e descolam. Eles estão.
É o FMI, não o Bloco de Esquerda, que escreve: "O ajustamento externo tem sido conseguido, em larga parte, devido à compressão das importações de bens que não sejam combustíveis e, ultimamente, ao crescimento das exportações de combustíveis". É o FMI, não o PS, que prossegue: "Esta dependência (...) arrisca enfraquecer os ganhos conseguidos até à data, assim que as importações recuperarem de níveis anormalmente baixos e as unidades de refinação eventualmente esgotem a sua capacidade 'extra', ao mesmo tempo que a melhoria na exportação de serviços é vulnerável a choques à procura de turismo."
Esta é a declaração mais impressionante da 10.ª avaliação do FMI ao programa de ajustamento, hoje publicado. Além dela, o Fundo diz que a competitividade das empresas não foi tão beneficiada pela descida dos salários como se supõe (os custos unitários do trabalho baixaram pouco) e permanece prejudicada por custos de contexto, logísticos (nos Portos) e de energia; o desemprego está alto e a rigidez salarial continua "extremamente elevada"; os bancos ainda têm prejuízos por assumir com créditos e imobiliário - e foram complacentes com as empresas falidas, cujas dívidas não foram reestruturadas.
É um anticlímax. Oportuno. O Governo vai surfar nos próximos meses os bons indicadores, chegará às eleições europeias com crescimento de PIB possivelmente acima dos 2% e pode dispor de uma triunfal "saída limpa". O facto de o FMI cortar rente os delírios políticos recoloca os problemas, que para quem lê jornais são pouco surpreendentes:
- O aumento das exportações é uma excelente notícia. Mas tem 3 vulnerabilidades: a dependência de produtos petrolíferos de um projeto específico da Galp; o facto de as receitas de turismo provenientes do exterior (que são contabilizadas como exportações de serviços) estarem a aumentar em quantidade, o que é fantástico, mas não em preço - André Jordan falava disso no sábado ao Expresso; e, sobretudo, o serem exportações sem investimento, pelo que resultam sobretudo de deslocação da capacidade instalada para os mercados externos, não de projetos novos ou inovadores. É por isso que não pode falar-se de um choque exportador. Sem investimento não há crescimento económico nem criação de emprego sustentável.
- A redução das importações não é perene. Quando houver investimento empresarial, haverá importação de maquinaria. Com o aumento do consumo, as importações aumentam, porque não somos competitivos na produção de muitos dos produtos que consumimos. Nem é preciso ir a um stand de automóveis. Basta ir a um supermercado e olhar para a nacionalidade do que está nas prateleiras. Made in fora daqui.
- A poupança está a ser estoirada em consumo. A taxa de poupança das famílias portuguesas aumentou muito nos últimos 3 anos. É uma atitude extraordinária, e explicável em grande parte com a redução dos créditos (o que também conta como poupança) e com a insegurança ante o futuro. Mesmo com o enorme benefício da redução abrupta das taxas Euribor (que evitou a falência de muitas mais famílias com crédito à habitação), houve uma perda de rendimentos muito grande nestes anos. Mesmo assim, os portugueses pouparam.  E mais: depositaram nos bancos portugueses, evitando uma fuga de capitais, caso único em países intervencionados. A partir de meados do ano passado, o consumo privado voltou a subir, sustentando grande parte da retoma económica. Ou seja, os portugueses estoiraram parte do que haviam poupado. Isto significa que a poupança não serviu essencialmente para financiar investimentos (através de crédito bancário a empresas), mas para consumo. Olhando para os hotéis, para as vendas de "tablets" no Natal e de automóveis em Janeiro, percebe-se em quê.
- Há uma boa parte da nossa retoma que é cíclica. Isso não tem mal nenhum, mas ajuda a relativizar o "milagre". O próprio Vítor Gaspar sempre previu essa retoma cíclica, apenas se atrasou em um ano. Para isso, ajudou muito o quadro europeu e as melhorias na economia dos nossos parceiros comerciais. Merecemos toda essa sorte (e não merecíamos o azar de, nos primeiros anos da intervenção externa, termos tido a economia externa "contra" nós). Mesmo assim, não deixa de ser, em parte, sorte. Que não nos falte.
- Muitas reformas estruturais não foram feitas, começando pela anedota (já lá vamos) da reforma do Estado, que anda há mais de um ano de gaveta vazia em gaveta vazia. Perdeu-se oportunidade para reestruturar grande parte da nossa economia e a dívida pública está a um nível assustador.
No final do ano passado, o Banco de Portugal surpreendeu com um relatório crédulo e otimista: a economia portuguesa, escreveu o Banco, tinha mudado para sempre. As famílias portuguesas tinham-se tornado poupadas, as empresas tinham-se tornado exportadoras, éramos um País novo. Soou mais a vontade do que a diagnóstico. Ainda desejo que o Banco de Portugal esteja certo. Mas para isso o FMI tem de estar errado. Redondamente errado. Porque o relatório que publicou hoje é paralelepipedicamente o contrário dessa crença. E logo agora que isto estava tudo a correr tão bem.
PS - Finalmente, a anedota: o Governo português garantiu à troika que o guião da reforma do Estado de Paulo Portas vai transformar-se em propostas concretas em Março.

Ecos da blogosfera - 20 fev.

Com uma mala às costas e uma guitarra na mão…

O escritor João Tordo publicou no seu blogue uma carta ao pai, o músico Fernando Tordo, que, aos 65 anos, emigrou para o Brasil. É um testemunho comovente que aqui reproduzimos na íntegra.
João Tordo 
Ontem, o meu pai foi-se embora. Não vem e já volta; emigrou para o Recife e deixou este país, onde nasceu e onde viveu durante 65 anos.
A sua reforma seria, por cá, de 200 e poucos euros, mais uma pequena reforma da Sociedade Portuguesa de Autores que tem servido, durante os últimos anos, para pagar o carro onde se deslocava por Lisboa e para os concertos que foi dando pelo país. Nesses concertos teve salas cheias, meio cheias e, por vezes, quase vazias; fê-lo sempre (era o seu trabalho) com um sorriso nos lábios e boa disposição, ganhando à bilheteira.
Ontem, quando me deitei, senti-me triste. E, ao mesmo tempo, senti-me feliz. Triste, porque o mais normal é que os filhos emigrem e não os pais (mas talvez Portugal tenha sido capaz, nos últimos anos, de conseguir baralhar essa tendência). Feliz, porque admiro-lhe a coragem de começar outra vez num país que quase desconhece (e onde quase o desconhecem), partindo animado pelas coisas novas que irá encontrar.
Tudo isto são coisas pessoais que não interessam a ninguém, excepto à família do senhor Tordo. Acontece que o meu pai, quer se goste ou não da música que fez, foi uma figura conhecida desde muito novo e, portanto, a sua partida, que ele se limitou a anunciar no Facebook, onde mantinha contacto regular com os amigos e admiradores, acabou por se tornar mediática. E é essa a razão pela qual escrevo: porque, quase sem o querer, li alguns dos comentários à sua partida.
Muita gente se despediu com palavras de encorajamento. Outros, contudo, mandaram-no para Cuba. Ou para a Coreia do Norte. Ou disseram que já devia ter emigrado há muito. Que só faz falta quem cá está. Chamam-lhe palavrões dos duros. Associam-no à política, de que se dissociou activamente há décadas (enquanto lá esteve contribuiu, à sua modesta maneira, com outros músicos, escritores, cineastas e artistas, para a libertação de um povo). E perguntaram o que iria fazer: limpar WC e cozinhas? Usufruir da reforma dourada? Agarrar um "tacho" proporcionado pelos "amiguinhos"? Houve até um que, com ironia insuspeita, lhe pediu que "deixasse cá a reforma". Os 200 e tal euros.
Eu entendo o desamor. Sempre o entendi; é natural, ainda mais natural quando vivemos como vivemos e onde vivemos e com as dificuldades por que passamos. O que eu não entendo é o ódio. O meu pai, que é uma pessoa cheia de defeitos como todos nós – e como todos os autores destes singelos insultos –, fez aquilo que lhe restava fazer.
Quer se queira, quer não, ele faz parte da história da música em Portugal. Sozinho, ou com Ary dos Santos, ou para algumas das vozes mais apreciadas do público de hoje – Carminho, Carlos do Carmo, Mariza, são incontáveis –, fez alguns dos temas que irão perdurar enquanto nos for permitido ouvir música.
Pouco importa quem é o homem; isso fica reservado para a intimidade de quem o conhece. Eu conheço-o: é um tipo simpático e cheio de humor, que está bem com a vida e que, ontem, partiu com uma mala às costas e uma guitarra na mão, aos 65 anos, cansado deste país onde, mais cedo do que tarde, aqueles que o mandam para Cuba, a Coreia do Norte ou limpar WC e cozinhas encontrarão, finalmente, a terra prometida: um lugar onde nada restará senão os reality shows da televisão, as telenovelas e a vergonha.
Os nossos governantes têm-se preparado para anunciar, contentíssimos, que a crise acabou, esquecendo-se de dizer tudo o que acabou com ela. A primeira coisa foi a cultura, que é o património de um país. A segunda foi a felicidade, que está ausente dos rostos de quem anda na rua todos os dias. A terceira foi a esperança. E a quarta foi o meu pai, e outros como ele, que se recusam a ser governados por gente que fez tudo para dar cabo deste país – do país que ele, e milhões de pessoas como ele, cheias de defeitos, quiseram construir: um país melhor para os filhos e para os netos. Fracassaram nesse propósito; enganaram-se ao pensarem que podíamos mudar.
Não queremos mudar. Queremos esta miséria, admitimo-la, deixamos passar. E alguns de nós até aí estão para insultar, do conforto dos seus sofás, quem, por não ter trabalho aqui – e precisar de trabalhar para, aos 65 anos, não se transformar num fantasma ou num pedinte –, pegou nas malas e numa guitarra e se foi embora.
Ontem, ao deitar-me, imaginei-o dentro do avião, sozinho, a sonhar com o futuro; bem-disposto, com um sorriso nos lábios. Eu vou ter muitas saudades dele, mas sou suspeito. Dói-me saber que, ontem, o meu pai se foi embora.

Contramaré… 20 fev.

O FMI refere no seu relatório sobre a 10.ª avaliação ao programa de assistência financeira português, que o ajustamento externo em Portugal está a ser feito à custa de 2 fatores que são “potencialmente insustentáveis”: “O ajustamento externo tem sido conseguido, em larga parte, devido à compressão das importações de bens que não sejam combustíveis e, ultimamente, ao crescimento das exportações de combustíveis”, refere o relatório da instituição.

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Os bancos que “nacionalizamos” dar-nos-ão um CEO?

Jornais destacam os maus resultados da banca em 2013, os piores desde que a crise começou. 2.140 milhões de euros em prejuízos, menos 1.240 trabalhadores e menos 230 agências.
Ano negro. CGD, BCPBESBPI, Totta e Banif registaram um resultado negativo conjunto de 2.140 milhões de euros em 2013, mais 1/3 no vermelho do que em 2012. No ano passado, apenas BPI e Totta conseguiram ficar em terreno positivo, mas piores que em 2012. BCP e Banif foram os únicos a melhorar o seu desempenho, mas ainda assim somaram perdas de quase 500 mil euros cada um.
“Os 5 maiores bancos nacionais encerraram 2013 com um prejuízo global de 1.660 milhões de euros, igualando o pior ano da história registado em 2011. Juntando o Banif então é mesmo, indiscutivelmente, o pior resultado de sempre do sector, em Portugal”, escreve o Diário Económico.
Os maus resultados espelham em grande medida o limpar da casa no final de 2013 a tempo dos exames que o BCE fará este ano ao balanço dos bancos europeus. Auditorias solicitadas pelo Banco de Portugal a grandes clientes e os planos de reestruturação impostos pela troika em troca de dinheiro para recapitalização, também ajudaram a pintar um quadro particularmente negro.
O Negócios avança que as auditorias do Banco de Portugal a grandes clientes impuseram prejuízos de BES e CGD em 110 milhões de euros, e explica que, entre os 5 grandes, “o agravamento dos resultados do sector (apenas o BCP reduziu prejuízos) deveu-se sobretudo à queda de proveitos, que se acentuou, sobretudo na margem financeira”, isto é, à diferença entre rendimentos (juros) pagos e recebidos.
O Jornal de Notícias destaca que “só os 5 maiores bancos portugueses [BCP, BES, BPI, CGD e Banif] fecharam 235 agências e reduziram 1.243 trabalhadores” em 2013, com a principal fatia na redução de pessoal a chegar da CGD, “que Portugal reduziu o quadro de pessoal em 500 pessoas”.
O BCP liderou no fecho de balcões, com uma redução de 839 para 774 balcões, mantendo-se ainda assim à frente da CGD (766 balcões em 2013, menos 60 que em 2012) como o banco com maior representação no país. Nas contas do JN os 5 maiores bancos nacionais fecharam o ano passado com 34.344 trabalhadores e 3.155 agências.
Lucros em 2014? Prognósticos só no fim do jogo
Apesar do ano negro e da limpeza dos balanços, e mesmo com a melhoria das perspectivas económicas para 2014 é ainda cedo para confiar no regresso aos lucros do sistema financeiro este ano, escreve o Económico.
Enquanto não se registar um regresso do investimento empresarial não serão possíveis melhorias significativas. E neste momento ninguém arrisca. “Tanto é, que CGD e BES não se comprometem ainda com regresso a resultados líquidos positivos em 2014, estando o BCP mais optimista, antecipando voltar aos lucros na segunda metade do ano”, escreve o jornal.
Do lado da banca a maior parte do ajustamento em termos de alavancagem do sector parece estar feito. O Negócios escreve que “quase todos os 5 grandes já cumprem a meta de desalavancagem recomendada pela troika, uma vez que o rácio de transformação de depósitos em créditos já está na fasquia dos 120% que era a meta para final deste ano. Apenas o Santander está um pouco acima deste limiar nos 126%”.
A parte do empréstimo externo dedicada aos bancos vai continuar guardada até praticamente o fim do ano. Restam cerca de 6.000 milhões de euros.
O que ainda resta do apoio financeiro da troika para a banca vai manter-se sem ser utilizado, pelo menos até que esteja concluída a "avaliação abrangente" do BCE à banca europeia.
Os 4 maiores bancos portugueses, BES, BCP e Santander e CGD, conseguiram “escoar” em 2013 mais de 10.000 imóveis que detinham em carteira, fazendo com que 1 em cada 10 casas vendidas em Portugal tenham tido como proveniência a banca.
Os números agora revelados equivalem a 29 imóveis vendidos por dia, pelos bancos. Sinónimo também de um aumento de 50% face a 2012, motivado pela recuperação que é possível sentir no mercado da habitação.
Claro que não vou meter-me no meio de uma floresta por onde anda o “lobo mau”, para não correr o risco de escancarar a iliteracia sobre estas “coisas” da banca, porque só sei que rugem muito, mas pelos vistos é só para impor respeito…
Ninguém tem dúvidas de que os media estão atolados de “comentadores” e “especialistas”, que não passam de propagandistas de todas (sem exceção) as medidas do governo contra os mais fracos, para pagar a esta banca, que além da responsabilidade das bolhas que nos rebentaram nos bolsos, ainda acrescentam prejuízos, que nos estão e continuarão a obrigar a pagar a fatura.
Não esquecer que dos 78.000 milhões de euros do empréstimo da troika, 12.000 milhões foram destinados aos bancos, que “só” usaram 6.000 milhões, restando outro tanto para os apertos e somos todos nós que além de termos que pagar essa grossa fatia, ainda estamos a pagar os juros do utilizado e do que está parado…
E além de tudo isto, ainda somos obrigados a ouvir, quando estão aflitos e para disfarçar, os respetivos administradores-mor a darem-nos conselhos sobre economia, finanças, sociologia e até sobre política, como se soubessem como se sai da ratoeira que eles próprios armaram… Ainda há dias, o mais mediático deles e caricato bombista social arrotava ideias bacocas, enquanto o seu “negócio” vai por água abaixo… Haja paciência que verborreia até sobra!
Deve ser tudo por causa do stress, com a perda de 2.140 milhões de euros que os 5 maiores bancos somaram em prejuízos, o que os levou, a despedir 1.240 trabalhadores e a fecharem 230 agências, “soluções” idênticas às que o governo toma, o que demonstra por que batem palmas ao executivo. “Deus os fez, eles se juntam”!
Acrescente-se que, como o governo, também vão fazendo umas “privatizações” de património e em saldo, para ajudar as estatísticas das vendas de imóveis, martelando as estatísticas da construção civil, que fazem “ressuscitar” o setor, de tempos em tempos…
E perante estas práticas, como podem dar a cara nas TVs, rádios e jornais, tentando passar-se por sumidades na matéria, para falar de um país, quando não dão conta do estaminé que dirigem? E mais, quando as suas políticas de contenção de crédito são responsáveis pela destruição do tecido empresarial, com projeção nas taxas de desemprego?
Mais grave ainda, como podem as TVs, rádios e jornais convidarem estes fanfarrões para iludirem os espectadores, ouvintes e leitores que a/os sustentam?
Ou estarão os media comprometidos e enterrados no mesmo lamaçal em que nós estamos, presos a créditos e dívidas?
Destas “coisas” da banca pouco sei, mas sei que de sociologia e de política também eles pouco sabem e começo a ter dúvidas de que percebam de finanças…
Também não consta que tenham bibliotecas…