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sábado, 24 de agosto de 2013

Uma Europa dos POVOS, não a Europa dos governos!

O projeto europeu não consegue diminuir o fosso que ainda existe entre os países da Europa Ocidental e os da Europa Central e Oriental. Por isso, é preciso que a União e os 28 façam um enorme esforço de comunicação sobre o que os une, defende um escritor romeno.
O recente relatório do eurodeputado Rui Tavares sobre a situação dos Direitos do Homem na Hungria, bem como a maneira como o documento foi recebido pelo governo húngaro, levanta novamente a questão da viabilidade do projeto europeu depois do desaparecimento da cortina de ferro. A Hungria, e as suas evoluções recentes, já não correspondem às expectativas de Bruxelas.
Pode dizer-se o mesmo da Roménia ou da Bulgária; da Eslováquia quanto ao tratamento que dá aos ciganos; da França no que concerne à mesma questão ou do Reino Unido pela maneira como aborda o direito ao trabalho de romenos e búlgaros… E poderíamos continuar.
Não se trata de recensear aqui as irregularidades e as imperfeições. Mas sim observar que aquilo que parecia ser a encarnação do sonho de um grande número de líderes europeus se transforma, periodicamente, em nevroses governamentais no seio dos países-membros. Tal como em Bruxelas.
Os textos dos tratados fundadores [da UE] são cada vez mais confrontados com realidades incompatíveis com a filosofia de uma Europa unida. Porque o processo de elaboração das leis à escala comunitária é demasiado lento ou demasiado generalista, contrariamente à realidade que engendra rapidamente novos contextos de (sobre)vivência. Garantir o respeito por esses vastos pacotes legislativos comunitários é stressante e revela-se dessincronizado do jogo político interno dos Estados-membros.
Esta inadequação sublinha igualmente a incapacidade de Bruxelas em transmitir os valores do grande projeto europeu: as frequentes sondagens realizadas nos diferentes países-membros revelam uma (demasiadamente) fraca perceção dos valores defendidos pela UE. As estratégias de comunicação do Parlamento e do Conselho Europeu também não são assim tão eficazes como seria de pensar. Os Estados que entraram para a UE entre 2004 e 2007 falam uma linguagem diferente da empregue pelos outros quando mencionam a democracia, o mercado, os Direitos do Homem ou a transparência; enquanto noções ainda marcadas pela imagem das “barricadas” atrás das quais o que resta de efetivos da barbárie comunista se defende dos ataques de um mundo ocidental imperfeito.
Alfabeto estrangeiro
O que parece ser, e que foi, para muitos a perfeição compacta das sociedades fechadas do Leste, é de repente substituído por um novo mundo inexplicável, um alfabeto estrangeiro que devia, e ainda deve, ser aprendido com o coração. O esforço era enorme, comparável ao que foi necessário, após a queda do Muro, para levar a RDA [Alemanha de Leste] para o “nível” da RFA [Alemanha Ocidental]. Após uma década e despesas colossais, os resultados não são nada encorajadores. Atualmente, sente-se por vezes a mesma coisa perante as “novas democracias” da Europa de Leste.
Mais ainda, Bruxelas parece não compreender que a razão de Estado funciona de maneira diferente nessas democracias; hoje, exige-se delas não apenas que ponham de pé e que tornem funcional um Estado que possa refletir-se no espelho de Bruxelas, mas também que se reconheçam nesse reflexo. O modelo da razão de Estado estudado por Michel Foucault para os séculos XVII e XVIII, era baseado na limitação dos “excessos do governo”, de que o instrumento operacional será, até ao fim do século XVIII, a economia política. Uma economia política que recentraria as filosofias dos Estados em torno da ideia de prosperidade, de Estado-providência: um termo desconhecido na Europa de Leste após 1945.
Essa grande lacuna, posta em prática com um controlo diabólico, resultou sob o socialismo-comunismo num tipo de governação que atrofiou consideravelmente os instintos dos membros dessas sociedades em matéria de afirmação individual, espírito de competição e responsabilidade dos seus próprios atos.
Diferenças entre antigos e novos membros
As políticas comunitárias têm, assim, de fazer face não apenas às célebres diferenças entre antigos e novos Estados-membros, mas também às consequências da procura exclusiva do lucro a curto prazo. Que são, atualmente, esmagadoras: o valor do trabalho, o investimento em formação, a regulamentação do mercado de trabalho em função das novas tendências económicas que aparecem no mundo, exigem maior rapidez de reação.
E quando a reação se produz, por fim, como por exemplo no caso da agricultura, das pescas ou das indústrias criativas, os esforços que visam traduzi-la em pacote legislativo comunitário engendram diferenças e reações sociais por toda a Europa.
A Europa continua a ser demasiadamente uma Europa dos governos, e não suficientemente uma Europa dos povos. Os valores europeus merecem ser redescobertos. A comunicação desses valores deveria ser o maior objetivo da UE. Deixada na mão dos governos e de instituições especializadas, a comunicação sofrerá sempre de falta de criatividade e a Europa só se afastará cada vez mais de nós.
Só uma visão criativa dos governos poderá recolocar nos eixos o processo de uma Europa unida sob o signo do desenvolvimento pessoal de cada cidadão dos países-membros. Conseguir coisas simples (um emprego, uma casa, um nível de vida aceitável) é o único caminho para as coisas mais complexas.
Quando o governo de um Estado tiver conseguido convencer tudo e todos de que não há lugar no mundo melhor do que este, só então, o objetivo terá sido corretamente cumprido para toda a gente.

Ecos da blogosfera – 24 ago.

É Nuclear não esquecer, muito menos calar…

A Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA, um órgão da ONU) disse ver "com seriedade" a situação em Fukushima, e mostrou-se disposta a ajudar se for chamada.
A China disse-se em "choque" por saber que a água radiativa continua a vazar da central e pediu ao Japão que forneça informações "de maneira expedita, minuciosa e acurada". "Esperamos que o lado japonês possa dar seriamente passos efetivos para colocar um fim ao impacto negativo dos efeitos posteriores ao acidente nuclear de Fukushima", disse a chancelaria chinesa em Pequim.
A Autoridade de Regulação Nuclear afirmou temer que o desastre - o pior acidente nuclear desde a explosão de Chernobyl, na Ucrânia, em 1986 - esteja "sob alguns aspetos" além da capacidade de reação da Tepco, empresa operadora da usina.
As autoridades do Japão classificaram o vazamento de 300 litros de água radioativa de um dos tanques da central de Fukushima como um “incidente grave”, correspondente ao nível 3 na escala internacional de eventos nucleares, que vai do 0 a 7. A classificação de nível 3 corresponde ao "vazamento de grande volume de material radioativo no interior da instalação". O acidente de Fukushima, em 11 de março de 2011, atingiu o nível 7.
Entenda o caso
• Em 11 de março, um tsunami, que se seguiu a um terremoto de 9 graus de magnitude, devastou o nordeste do Japão, resultando na morte de 15.000 pessoas.
• O desastre natural atingiu a central nuclear de Fukushima e deu origem à mais grave crise atómica desde Chernobyl, em 1986.
• A partir de então, o mundo todo passou a discutir a real necessidade da energia nuclear, com o temor de que uma nova catástrofe possa colocar o mundo em risco.
A operadora Tepco, responsável pela central de Fukushima, encontrou nesta quinta-feira (22/08) novos focos de radiação perto dos tanques de armazenamento de água contaminada. A descoberta elevou os temores de novas fugas, já elevadas desde a véspera, quando foi anunciado que 300 toneladas de água radioativa tinham vazado nos últimos dias.
Esther Felden
Para Heinz Smital, físico nuclear e especialista do Greenpeace da Alemanha, há uma falha sistemática de vigilância na central. Em entrevista, diz que a queda no nível de água radioativa nos tanques deveria ter sido detetada bem mais cedo. "É necessário um maior monitoramento dessas centenas de tanques, cada um com 1.000 toneladas de líquido altamente radioativo. O controlo ainda é insuficiente", afirma.
DW: O vazamento radioativo das últimas semanas foi considerado o maior desde a catástrofe com os reatores de Fukushima, em março de 2011. Qual é a real seriedade do incidente?
Heinz Smital: É um incidente grave e que poderia ter sido evitado. Em princípio, o importante era manter a água em tanques de aço. O vazamento só foi descoberto depois que o nível da água diminuiu em metros dentro do tanque. Isso mostra que o monitoramento foi totalmente inadequado.
O que deveria ser feito?
Seria preciso aumentar a vigilância. O líquido é altamente radioativo, e uma queda no nível de água deveria ter sido detetada bem mais cedo, e não depois de uma grande quantidade ter desaparecido. Pelas contas, foram cerca de 300 toneladas, e a radiação é de 80 milhões de becquerel por litro – um nível muito elevado.
O que significa esse valor para uma pessoa?
Essa é uma dose direta que foi medida em 100 millisieverts por hora perto da água vazada. Uma pessoa aguentaria, por pouco tempo, essas condições. O limite normal para a população é de 1 milisievert por ano – no caso de trabalhadores de centrais, 20 millisieverts. Isto significa que uma pessoa receberia uma dose muito elevada numa hora, mas que só suportaria cerca de 5 minutos no local. Segundo a autoridade reguladora nuclear japonesa, os níveis de radiação fora da central em Fukushima estão inalterados.
Qual a credibilidade desta declaração?
A água provavelmente infiltrou-se no solo, mas provavelmente há também fluxos de águas subterrâneas. Isso significa que a radiação fora da central aumentará cada vez mais com o tempo. O que não se pode esquecer é que, mesmo que tenha vazado muita radiação, a maior parte ainda continua nos reatores. Apenas uma pequena percentagem foi libertada. E caso aumente a quantidade de água subterrânea, pode ser que estas fontes alcancem distâncias mais longas.
Qual a probabilidade de a água contaminada chegar ao Pacífico?
Sempre houve sinais de que radioatividade é descarregada no mar. A Tepco ainda tentou negar o facto, embora existam evidências. Há algumas semanas, a Tepco acabou por admitir que, há 2 anos, cerca de 300 toneladas de líquido altamente radioativo são descarregadas no mar todos os dias. A partir do momento em que a substância foi depositada no mar, ela espalhou-se. No entanto, o efeito de distribuição não foi tão grande como esperado. Nos anos 50 e 70 havia a esperança de que os resíduos nucleares se diluiriam de tal maneira, que não haveria mais perigo de contaminação. Mas isso não é verdade. Por meio de correntes oceânicas e pela absorção feita por plantas e pelo plâncton, a radioatividade pode aumentar.
Ainda de acordo com a Tepco, o conteúdo do tanque danificado será bombeado para tanques intactos. Além disso, o solo radioativo e água vazada devem ser removidos. Isso é o suficiente?
Esta é a medida a ser tomada, se não se sabe a origem do vazamento. Mas, no geral, é necessário um maior monitoramento dessas centenas de tanques, cada um com 1.000 toneladas de líquido altamente radioativo. O controlo ainda é insuficiente. Desde o início, a gestão da crise financeira e a política de informação da Tepco e do governo japonês receberam críticas pesadas.
O acidente pode servir como lição para o Japão?
Enquanto o foco for ativar novos reatores, a experiência nuclear, que está em atividade no momento no Japão, continuará a ser utilizada incorretamente. O governo vai continuar tentado minimizar a gravidade da situação em Fukushima, mas os factos vão voltar a aparecer. É uma situação muito difícil, que deve ser encarada de outra forma.

Contramaré… 24 ago.

A dívida pública atingiu os 131,4% do PIB no final do 1.º semestre deste ano, segundo o Banco de Portugal. Este valor compara com a estimativa de 122,9% incluída na última avaliação da troika às contas nacionais para o final deste ano. 
Em termos nominais, a dívida nacional atingiu os 214.570 milhões de euros, o que corresponde a um aumento de 1,43% face ao 1.º trimestre do ano, em que a dívida cresceu para os 211.500 milhões de euros. Comparando com os números que constam na 7.ª avaliação, este número supera as estimativas para o acumulado do ano, cuja previsão é de 202.100 milhões de euros para este ano.

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Um facto(?), as narrativas e a visão séria sobre a Síria...

Vários especialistas consultados mostraram-se prudentes. Paula Vanninen, diretora da Verifin, um instituto finlandês para a verificação da convenção de armas químicas, declarou que "não está totalmente convencida" de que se trata de um ataque com gases nervosos. "As pessoas que ajudam as vítimas não usam roupas de proteção nem máscaras e, se fosse o caso, teriam sido contaminadas e teriam os mesmos sintomas", disse, a respeito do vídeo.
Para Gwyn Winfield, diretor da revista CBRN e Wold, especializada em armas químicas, "não existe informação alguma indicando que médicos ou enfermeiros morreram, o que leva a crer que não é o que se considera como gás sarin militar, mas pode ser um gás sarin diluído."
Segundo a diplomacia russa, a posição conjunta foi tomada durante uma conversa telefónica entre Serguei Lavrov, ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, e o seu homólogo norte-americano, John Kerry. "Foi manifestado o interesse comum na realização, pela missão de peritos da ONU que se encontra atualmente no país, de uma investigação objetiva das informações sobre o alegado emprego de armas químicas nos arredores de Damasco", lê-se num comunicado publicado pela diplomacia russa.
Moscovo apela à oposição síria que permita a realização dessa investigação.
Ninguém pode ficar indiferente a qualquer guerra, sobretudo quando os “danos colaterais” recaem sobre civis indefesos e inocentes…
Também ninguém pode ser levado pelas novas armas da informação, que tentam manipular a opinião pública, até pelos antecedentes e recentes de que fomos alvo…
É um facto, que há vídeos que registam as consequências de uma ação de guerra.
Parece que não é linear nem credível que se possa concluir pelo uso de armas químicas.
Há dúvidas e lógicas, que não permitem concluir pelos autores do massacre.
É lógico que haja uma investigação séria e desengajada para se tirar conclusões sobre a arma usada e quem a usou.
Não tem lógica que o Secretário-geral da ONU refira já, antes das conclusões do inquérito, que a intervenção internacional será uma questão de tempo.
No meio de tantos interesses e interessados, é salutar conhecer a letra e a filosofia do Vaticano, que desde a intervenção no Iraque, insiste na mesma exigência de se conhecer (toda) a verdade, travar as reações (“emotivas”) belicistas e evitar (sempre) a guerra.
Se outra razão não assistisse à Santa Sé, pelo menos não tem interesses (materiais) a defender…
"Não se pode fazer um julgamento antes que haja provas suficientes", considerou o bispo Silvano Tomasi, observador permanente da Santa Sé nas Nações Unidas em Genebra, reagindo às acusações feitas contra o regime sírio de que suas forças haviam utilizado armas químicas no massacre de quarta-feira.
O uso de armas químicas é considerado pelas potências ocidentais uma "linha vermelha", que nenhum dos 2 lados no conflito sírio, nem governo nem rebeldes, pode cruzar.
"Devemos esclarecer os factos", recomendou o bispo Tomasi, antes de se perguntar: "Que interesse imediato teria o governo de Damasco em provocar uma tragédia como esta, sabendo que seria considerado diretamente culpado de qualquer forma?". Segundo ele, é conveniente perguntar-se "a quem beneficia realmente este crime desumano".
Tomasi reafirmou a firme oposição do Vaticano a qualquer intervenção internacional armada, pedindo uma solução negociada, "sem precondição" de exclusão deste ou daquele grupo, a fim de obter a criação de um "governo de transição". "A experiência mostrou-nos no Iraque, no Afeganistão, que essas intervenções armadas não geram resultados construtivos", disse, repetindo a posição inalterável da Santa Sé.
"É preciso também parar de enviar armas, tanto à oposição como ao governo", acrescentou.
O diplomata criticou "qualquer análise incompleta da realidade síria e do Oriente Médio em geral". "Tenho a impressão de que a imprensa e os grandes meios não levam em conta todos os elementos na base desta situação de violência e de conflito incessante", lamentou. "Vimos no Egito como o apoio incondicional à Irmandade Muçulmana causou mais violência", disse, referindo-se aos ocidentais.
"Alguns interesses são evidentes: há aqueles que querem um governo sunita na Síria, e aqueles que querem manter uma participação de todas as minorias", observou. A Santa Sé prefere mais a segunda solução, e os cristãos no local optaram por apoiar Bashar al-Assad como garantidor de um Estado mosaico.
A maior preocupação do Vaticano na região é o fortalecimento de um islamismo radical que obrigue os cristãos a buscar o exílio, e prejudique a convivência entre muçulmanos e cristãos, do Egito à Síria.

Ecos da blogosfera – 23 ago.

Porque nos fizeram toxico(s)dependentes do crédito…

Não é esta a promiscuidade a que estamos habituados. Falamos de conúbios financeiros há anos, de políticos na banca e de banqueiros na política, nos créditos de uns para as obras de outros, nos financiamentos opacos, leis de favor, benefícios fiscais, dinheiro dos contribuintes, somos catedráticos nessa inconsequente disciplina. Mas isto dos "swaps" tóxicos é outra selva. Não é negociata de paróquia, é prática implacável dos maiores bancos de investimento do mundo. É ao lado negro de um planeta fascinante e sinistro de delícias e sevícias onde se compra e vende tudo, e onde os parvos são palha para estofar sofás.
Pedro Santos Guerreiro
O relato é feito amiúde por "arrependidos" que largam o vício do dinheiro. Sim, do dinheiro: a banca de investimento paga os salários mais altos do mundo empresarial. Os salários não, os prémios. Prémios que dependem de desempenho. Desempenho que depende de angariar lucro. Lucro que depende muitas vezes de transaccionar risco para os clientes. O português João Ermida deixou de ganhar milhões por ano no Santader porque já não suportava olhar-se ao espelho e publicou um livro expiando os seus pecados. O americano Greg Smith escreveu uma carta memorável, "Porque estou a sair da Goldman Sachs", retrato cru de uma organização disposta a sacrificar os interesses de clientes no vórtice da obcecação pelo seu próprio lucro.
Um pequeno relato pessoal: em 2009 infiltrei-me alguns dias em vários bancos de investimento na City, disfarçado de financeiro de empresa cotada em reuniões com investidores, naturalmente vedadas a jornalistas. Foi como acompanhar um "road show", nunca pude escrever sobre essas reuniões nem o farei agora. Mas posso, porque já passou suficiente, relatar o paradoxo a que assisti dentro e fora desses bancos. Tinha passado um ano desde a falência do Lehman Brothers e de terem sido juradas guerras infernais às actividades não reguladas da banca, a pressão política sobre quem havia intoxicado o mundo de prejuízos do mercado imobiliário americano (o "subprime") era intensa, as opiniões públicas queriam condenados, os reguladores prometiam guerra, as manchetes dos jornais ingleses desses dias eram invariavelmente com escândalos de bónus de banqueiros. Pois bem, nesses bancos eu entrei numa espécie de Atlântida encapsulada do ambiente depressivo (e repressivo) das ruas. Lá dentro só se falava de bónus. O ano aproximava-se do fim e as bocas desenhavam risos em todas as caras, que se viravam das janelas desprezando as manifestações lá fora. Semanas depois soube-se: depois da hecatombe de 2008, a banca de investimento teve o melhor ano de sempre em 2009. Em grande parte porque os Governos, desesperados com os riscos de depressão económica causada pelo sistema financeiro no "subprime", carregaram no investimento público, aumentando as suas dívidas públicas, com financiamento e assessoria... dos bancos de investimento.
Nesses dias, em Londres, perdi as ilusões sobre a possibilidade de moralização ou captura regulatória da actividade financeira. Não estamos a falar de toda a banca, nem sequer de toda a banca de investimento, mas de departamentos que nela se mantêm ante a impotência da supervisão. Estamos a falar de produtos estruturados, de "swaps", ABS, CDS, ETF, MBS, "black pools", "proprietary trading", transacções de alta frequência, derivados sobre acções, taxas de juro, moedas, commodities, produtos negociados "ao balcão", sem passarem por plataformas reguladas.
Comprar um "swap" é uma decisão normal para proteger uma empresa do risco de taxa de juro. Mas há "swaps" normais e exóticos - e as empresas públicas (e muitas PME) compraram risco insuportável a troco de ganhos imediatos. Sabendo ou não o que faziam (o que não é indiferente), foram triturados nos passadouros dos bancos de investimento.
A indústria financeira é alquímica, produz ricos sem produzir riqueza. Não fabrica pregos e não constrói pontes, financia e cria complexidades. O célebre livro "O Capitalismo é Amoral" foi escrito por eles. A banca de investimento fornece as soluções à medida, as boas e as diabólicas. Na indústria da aviação, por exemplo, a compra de "swaps" sobre o petróleo tornou-se às tantas mais importante para o negócio que a venda de bilhetes.
A pressão para os resultados é brutal e o prémio pode ser gigante. A ética não é uma variável. Come-se o que se mata. Mata-se colegas, concorrentes, clientes, empresas, Estados. O serviço destes bancos na Grécia, e que foi proposto a Portugal, não foram produtos financeiros, foram produtos sobre como mentir. Mentir nas contas públicas, mascarar dívidas, esconder riscos, enganar os povos. E, no entanto, mesmo depois da vergonha desmascarada, os mesmos bancos são contratados pelos mesmos Estados (incluindo Portugal), que continuam sujeitos às mesmas agências de "rating". Eles são os mercados. E nós precisamos dos mercados porque somos dependentes da droga que eles vendem: crédito.
Os Pais Jorges são peões minúsculos no tropel deste processo. A sua entrada no Governo até podia ser boa pela razão que leva empresas de "software" a contratar "piratas": pelo que sabem. O senhor estatelou-se em mentiras e foi cuspido, num processo político e mediático que dispersa a nódoa, destruindo peões e a imagem dos partidos, mas desinteressado do essencial: a preservação das acções políticas de devedores compulsivos e financeira de credores ardilosos que gerou este escândalo e gerará o próximo. O regime transformou-se num esquema.

Contramaré… 23 ago.

A Inspecção-Geral de Finanças destruiu documentação que produziu em 2008 relativa aos contratos swap e que seria essencial para avaliar o controlo feito à subscrição destes produtos pelas empresas públicas. Na auditoria que a ministra das Finanças solicitou, revela-se que, dos 8 dossiers necessários para analisar a actuação do organismo em relação à celebração destes derivados, apenas 2 não foram eliminados: o da CP e o da Carris, havendo ainda documentação sobre o relatório final produzido sobre esta matéria.
"Swaps" ou o lado negro da força – Pedro Santos Guerreiro

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Contra os “terroristas”, “terrorismo de Estado”…

O escândalo da espionagem norte-americana deu uma reviravolta inesperada depois de o companheiro do jornalista que revelou o programa de vigilância nacional ao jornal The Guardian ter sido detido, no domingo, no aeroporto londrino de Heathrow durante 9 horas, num ato justificado pela legislação britânica antiterrorista.
A notícia de primeira página apela a que o Governo britânico se explique sobre a detenção de David Miranda, o companheiro de Glenn Greenwald e cita fontes que indicam que a sua apreensão não foi solicitada pelos Estados Unidos.
Um editorial com o título Uma quebra de confiança e de princípios, contestou a lei antiterrorista utilizada para a detenção, acrescentando que
a detenção de Miranda foi em parte uma investigação sem fundamento do serviço de segurança, uma perseguição policial e um aviso governamental para os jornalistas e os delatores. Foi uma tentativa de intimidar o jornalismo num dos poucos espaços onde a jurisdição não se aplica e não há repercussões legais.
Entretanto, o editor do Guardian, Alan Rusbridger, afirmou que quando o jornal publicou as suas revelações sobre a espionagem norte-americana – cujas informações foram fornecidas pelo antigo funcionário da NSA Edward Snowden – um alto funcionário do Governo entrou em contacto com ele, pedindo-lhe para destruir ou devolver os ficheiros. Caso não obedecessem, o Governo iria tentar impedir a publicação do caso pelo Guardian através de “meios legais”. Rusbridger acrescentou:
Foi então que ocorreu um dos momentos mais bizarros na história do Guardian – com 2 especialistas em segurança do GCHQ a supervisionar a destruição de discos rígidos na cave do jornal, apenas para terem a certeza de que não havia nada nos destroços que pudesse ser do interesse dos agentes chineses.
“CNIL europeias consultam Comissão Europeia”, anuncia Le Monde depois de, a 19 de agosto, o G29, órgão consultivo europeu independente em matéria de Proteção de Dados e Privacidade, ter enviado uma carta a Viviane Reding, comissária europeia para a Justiça, Direitos Fundamentais e Cidadania.
O G29 “decidiu consultar a vice-presidente para avaliar o impacto do Programa de Vigilância americano PRISM em matéria de proteção dos dados dos cidadãos europeus.
O diário explica que o G29 manifesta-se “no exato momento em que foi criado um grupo de trabalho EUA-UE para analisar o acesso aos dados dos cidadãos europeus pelos serviços secretos norte-americanos”. Os organismos europeus de proteção da vida privada querem assegurar que este grupo de trabalho avalie “de maneira independente” eventuais violações da legislação europeia.
Le Monde explica que “o G29 quer igualmente catalogar e analisar sistemas europeus de vigilância comparáveis ao PRISM”.
Faz-me uma certa impressão e estranheza, que sobre este pecado pouco original, mas um “pecado mortal”, a maioria das pessoas não se tenham sentido incomodadas, nem os nossos media tenham dado a publicidade que lá fora deram e continuam a dar os meios de comunicação social melhor posicionados no ranking… Provavelmente por causa da nossa baixa-estima, que nos leva a considerar insignificantes os nossos atos e a nossa vida própria.
E por pensar da mesma maneira, até acho estúpido que a “Inteligência” americana e europeia acredite que os portugueses são “terroristas” a ponto de perderem tempo e dinheiro a vigiarem as nossas conversas (de café), os nossos SMS (com anedotas alentejanas), a nossa participação nas redes sociais (com pensamentos de autoajuda e mensagens em defesa dos animais) e o historial da nossa navegação na internet…
O que não podemos esquecer e deixar correr, é o direito de cada um à sua vida privada, que não pode ser pública, mesmo que vasculhada por privados…
E a coisa é tão grave (mesmo para os “inteligentes” infratores), que depois de infrutíferas tentativas de alianças (contra natura) para apanhar (pela 2.ª vez) os “denunciadores”, desta vez, até fez vir ao de cima o “terrorismo de Estado” contra cidadãos, com ameaças, ações intimidatórias e o que se seguirá…
Mas como o pecado não mora apenas nos EUA, mas também aqui ao lado, e como há muito fariseu pela Europa (o Reino-Unido já se declarou), há que arranjar uma comissão independente, para se “descobrir” outros países europeus, que fazem a mesma coisa, ou troquem informação, como se ninguém soubesse, a priori, quem são os voyeures
O pior é que com tanta espionagem quase nunca acertam nos atos, verdadeiramente, terroristas e quando a coisa fica complicada (como com esta “brincadeira” da NSA) inventam e publicitam tragédias iminentes, que nunca acontecem, mas aterrorizam…
Tudo em defesa do direito à nossa privacidade…
Thak you! Merci! Danke! Cпасибо!

Ecos da blogosfera – 22 ago.

Os Balcãs, antecâmara da Europa

A adesão da Croácia à União Europeia, em julho, reativou a rota da imigração clandestina que atravessa os Balcãs a partir da Grécia em direção ao resto da UE. O número de migrantes ilegais aumenta nos países envolvidos, onde as estruturas de acolhimento são praticamente inexistentes.
“Porta da Europa”, em Lampedusa, de Mimmo Paladino
Quando a noite cai, entram para automóveis particulares ou carrinhas que alugam a habitantes locais. Isso custa 600, 1.000 euros ou mesmo mais. É uma viagem tipo cara ou coroa, mas, nos dias que correm, a cara ganha várias vezes: muitos conseguem chegar à Eslovénia e, daí, seguem para Itália e para o resto da Europa. Sentado num café das proximidades da Praça Ban Jelacic, em Zagrebe, P.W.S., um nigeriano radicado na capital croata, bebe um trago de café e tira do bolso um velho telemóvel. "Está a ver? Tenho aqui os SMS… dizem que se vive melhor no Norte."
A coincidir com a entrada da Croácia na União Europeia (UE), os últimos dados da Comissão Europeia são claros. As rotas de imigração ilegal dos Balcãs foram reativadas. No total, entre 2011 e 2012, o número dos "sem papéis" identificados na região aumentou de 26.223 para 34.825 (33%). As fronteiras mais procuradas foram a da Croácia com a Eslovénia (95%) e a da Sérvia com a Croácia (118%). Uma conjuntura que tem também reflexos sobre o número de estrangeiros em situação irregular detetados na Croácia, que, entre 2011 e 2012, passaram de 3.461 para 6.541 (um aumento de 89%).
Croácia ultrapassa a Grécia
"Durante o 4.º trimestre de 2012, o número de detenções por entrada ilegal na Croácia e na Sérvia foi mais elevado do que em qualquer Estado-Membro [da UE], incluindo a Grécia, ou do que em qualquer um dos países associados do espaço Schengen", indica o relatório Western Balkans Risk Analysis 2013, da Frontex, a agência que controla as fronteiras externas do território comunitário.
De referir, neste ponto, o caso curioso de Blaz Topalovic, o chefe da polícia de Vukovar – perto da fronteira com a Sérvia – detido em 2 de agosto por tráfico de imigrantes. O problema é que, independentemente de um ou outro progresso legislativo realizado, nestes países, as práticas relativas à integração dos imigrantes não brilham pela eficácia. Na Croácia, por exemplo, não existem centros para menores em situação irregular e só há um para adultos, que está prestar a atingir a sua capacidade máxima.
A situação é idêntica no outro centro, localizado em Kutina e destinado aos requerentes de asilo político e proteção humanitária, estatuto que a Croácia praticamente não concede. Segundo dados do ACNUR [Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados], dos 3.228 pedidos apresentados naquele país entre 2004 e 2012, só foram aprovados 50 para refugiados e 80 para ajuda humanitária.
“Um país de passagem”
O nigeriano P.W.S. esboça um sorriso: foi um dos poucos a ver o seu pedido aprovado. Chegou clandestinamente ao país há ano e meio e, há alguns meses, conseguiu o asilo político e um passaporte croata. "Eu vou ficar, mas faço parte de uma minoria", sublinha este imigrante, recrutado como intérprete por uma ONG. "Para os imigrantes, a Croácia é considerada como um país de passagem", concorda a jornalista especialista em minorias Barbara Matejic.
Seja como for, o fenómeno torna-se ainda mais complicado, se se tiver em conta que estas rotas são muitas vezes coincidentes com as de tráficos ilegais, que passam pela região, e que a UE receia agora venham a aumentar. "Poderá vir a verificar-se um aumento do fluxo de armas dos Balcãs para a Europa, depois da adesão da Croácia, e da transposição ilegal das fronteiras da UE na zona montanhosa que separa a Croácia da Bósnia-Herzegovina", diz a agência de controlo fronteiriço Frontex.
Grécia - A “porta da Europa” sob pressão
Ponto de acesso por via terrestre dos imigrantes que passam pela “estrada dos Balcãs” para entrar na Europa ocidental, Atenas é muitas vezes criticada pelas condições de acolhimento e de detenção dos candidatos a asilo. Os centros de detenção são muitas vezes alvos de revoltas, a mais recente ocorreu a 11 de agosto. No centro de Amygdaleza, perto de Atenas, um motim rebentou depois de os imigrantes terem tomado conhecimento do prolongamento do prazo da sua detenção de 12 para 18 meses, adianta o diário To Vima. Atacaram guardas e incendiaram colchões. A polícia de choque interveio e 14 requerentes de asilo foram detidos.
“As condições de detenção no campo são horríveis, estávamos à espera de uma revolta por parte dos imigrantes”, admitiu ao jornal o presidente da câmara de Acharnes, a região onde se encontra o centro de detenção. 1.650 pessoas estão alojadas em habitações prefabricadas onde as temperaturas podem atingir os 50ºC no verão, adianta o To Vima. Essas tensões ocorrem duas semanas depois da morte de um detido afegão por insuficiência respiratória.

Contramaré… 22 ago.

As novas contribuições para produtos financeiros geridos pelas seguradoras cresceram 60,7% no 1.º semestre do ano, face a igual período de 2012, para um total de 3.500 milhões de euros. Só os fundos de poupança reforma, os PPR, cresceram 70% face ao ano anterior, correspondente a um investimento de 665,6 milhões de euros.
Os dados são de Associação Portuguesa de Seguradores (APS), que considera que "as poupanças acumuladas em produtos de seguros estão, agora, novamente em fase de crescimento, ascendendo a quase 40.000 milhões".
Cortes nas pensões dos reformados da função pública avançam em janeiro

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Estados-membros da UE brincam à “batalha-naval”…

Os dias do império britânico acabaram e manter territórios outrora estratégicos, como Gibraltar, é uma relíquia do passado. O florescente sucesso de Gibraltar enquanto paraíso fiscal tem frustrado o seu vizinho empobrecido e a lutar contra a crise, mas o seu futuro parece seguro.
Não há nada que supere uma canhoneira. O HMS Illustrious zarpou de Portsmouth, em 12 de agosto, e passou pelo HMS Victory e por uma animada multidão de patriotas. Uma semana depois, estava ao largo de Gibraltar, à distância de um tiro de canhão disparado de Cabo Trafalgar. O peito da nação arfa, as lágrimas ardem nos olhos. O espírito dos deuses está em marcha, pronto a dar problemas ao Rei de Espanha.
Há muito a dizer sobre o Império Britânico, mas este chegou ao fim – está morto, foi irradiado, já não existe. A ideia de um navio de guerra britânico supostamente a ameaçar a Espanha é absurda. Pretenderá bombardear Cádis? Irão as suas armas pôr termo a um engarrafamento da hora de ponta, numa colónia que boa parte dos britânicos considera estar cheia de infratores fiscais, traficantes de droga e elementos de direita que protestam por tudo e por nada? Os gibraltinos têm direitos, mas o porquê de os contribuintes britânicos deverem enviar navios de guerra para fazer respeitar esses direitos, mesmo que apenas “num exercício”, é um mistério.
Qualquer estudo das atualmente controversas colónias do Reino Unido, Gibraltar e as Malvinas, só pode chegar a duas conclusões. Uma é que o poder sobre elas, reivindicado pelo Reino Unido, é totalmente razoável, em termos de direito internacional; a outra é que, presentemente, tal reivindicação é uma completa idiotice.
Os Estados-nação do século XXI não irão continuar a tolerar nem mesmo a leve humilhação de abrigarem os resquícios de impérios dos séculos XVIII e XIX. A maioria dos impérios europeus nasceu da realpolitik do poder, sobretudo dos Tratados de Utrecht (1713) e de Paris (1763). Agora, a mesma realpolitik determina o seu desmantelamento. Um dos objetivos iniciais das Nações Unidas era atingir essa meta.
Resíduos do Império Britânico
Evidentemente que aqueles que vivem nessas colónias têm direito a ser tidos em conta, mas esse direito nunca prevaleceu sobre a realidade política. Nem o Reino Unido exigiu que assim fosse, pelo menos quando as circunstâncias o impunham. Os residentes de Hong-Kong e Diego Garcia não foram consultados, e muito menos lhes foi concedida “autodeterminação”, quando o Reino Unido quis atirá-los para o caixote do lixo da História. Hong-Kong foi entregue à China em 1997, quando terminou o “arrendamento” dos Novos Territórios. Diego Garcia foi reclamada pelo Pentágono e foi-lhe entregue em 1973. Os britânicos de Hong-Kong não tiveram direito a passaportes e os habitantes de Diego Garcia foram sumariamente expulsos e mandados para a Maurícia e para as Seychelles.
A segurança do Reino Unido não precisa desses locais. Não depende de portos de abastecimento de carvão no Atlântico. A França sobrevive depois de ter deixado de ser dona do Senegal e de Pondicherry, e Portugal sobrevive sem São Tomé e Goa. Quando os indianos invadiram Goa, em 1961, o mundo não levantou objeções. De facto, o plano argentino de invasão das Malvinas, em 1982, chamava-se Operação Goa, porque a Argentina partiu do princípio de que a ação seria igualmente encarada como uma solução pós-imperial.
Atualmente, os resíduos do Império Britânico sobrevivem, de um modo geral, nos interstícios da economia global. São os principais ganhadores da sangria fiscal resultante da globalização financeira. Muitos tornaram-se sinónimos de desonestidade. As autoridades tributárias norte-americanas falam irritadamente da Bermuda. George Osborne [o ministro das Finanças britânico] quer expulsar os infratores fiscais das ilhas Caimão e das Ilhas Virgens Britânicas.
Há muito que a Espanha se queixa do papel que Gibraltar desempenha no contrabando, na lavagem de dinheiro e no jogo offshore, que ficam fora do alcance do seu quadro regulamentar. Essas queixas culminaram num relatório do FMI de 2007 sobre as deficiências da regulação financeira da colónia. O estatuto de paraíso fiscal de Gibraltar valeu-lhe um aumento de riqueza, que alimentou a cólera de Espanha por ver tanto dinheiro circular por aquilo que considera ser seu território, sem ser tributado.
Colónias não pagam impostos
Estas colónias afirmam ser “mais britânicas do que os britânicos”, mas não pagam nenhum imposto ao Reino Unido e funcionam como paraísos fiscais para capitais do país. Gibraltar especializou-se em jogo na Internet. As colónias afirmam ser fiéis à coroa, mas não ao seu erário público nem à sua polícia financeira. São parques de atrações Churchillianos, com casinhas de colunas vermelhas, fish and chips e cerveja morna. Mas querem ter o que é bom, sem aceitar o que é mau. Quando os vizinhos se zangam, exigem que aqueles cujos impostos os protegem mandem em seu socorro soldados, diplomatas e advogados.
A argumentação jurídica trocada entre o Reino Unido e a Espanha é favorável ao primeiro. Apesar de o Reino Unido não pertencer ao espaço Schengen de livre circulação, em teoria, todos os Estados da UE facilitam a circulação dos seus cidadãos. A proposta espanhola de 43 libras [50 euros] de taxa de entrada é excessiva. Seria irónico ver os ministros conservadores defender a sua causa junto dos odiados tribunais europeus – mas é a instância adequada a que recorrer. O rigor da lei é melhor do que uma encenação da severidade da guerra.
Dito isto, não cabe na cabeça de ninguém que um intermediário honesto não consiga resolver esta disputa com séculos de existência. O Reino Unido procurou, por várias vezes, um acordo de compromisso sobre a soberania de Gibraltar. Margaret Thatcher iniciou negociações em 1984, depois de ter resolvido com sucesso as situações da Rodésia e de Hong-Kong. Os espanhóis propuseram para Gibraltar um estatuto totalmente descentralizado, semelhante ao dos bascos e dos catalães, com respeito pela língua e pela cultura e um certo grau de autonomia fiscal. Como provou o caso de Hong-Kong, a transferência de soberania não significa absorção política.
O problema foi a inépcia dos espanhóis ter alimentado a intransigência dos gibraltinos. Os “assaltos” na fronteira são contraproducentes quando se quer conquistar as simpatias das pessoas, tal como os desembarques argentinos nas Malvinas foram um erro. A Espanha exigiu a soberania imediata – apesar de ela própria ter colónias no Norte de África. O facto encostou à parede os governos britânicos e tornou-os vulneráveis aos grupos de pressão coloniais, que brandiam a exigência de autodeterminação. Um referendo realizado em Gibraltar em 2002 mostrou que 98% apoiavam a manutenção do estatuto colonial. E uma votação nas Malvinas deu um resultado semelhante. O que estava longe de corresponder à disposição de Thatcher de entregar Hong-Kong e aceitar a “soberania e relocação” de Madrid e Buenos Aires.
Tribo de “britânicos” dourados
A verdade é que as colónias britânicas que são paraísos fiscais se sentem mais seguras do que nunca, abençoadas pela História com a proteção britânica e livres para passarem por alto sobre o lado negro da economia global, escapando aos impostos. Esta situação criou uma tribo de “britânicos” dourados, que vivem num perene mundo irreal. Quando perguntei a um gibraltino que afirmava ser “150% britânico” por que motivo não pagava pelo menos 100% dos impostos britânicos, este respondeu: “Porque haveria eu de pagar para pessoas que estão a milhares de milhas de distância?”
Enquanto negarem a lógica da História e da geografia, nem Gibraltar nem as Malvinas estarão realmente “a salvo”. Um dia, estes resquícios acabarão por se fundir com as respetivas regiões interiores e deixar de ser uma pedra no sapato das relações internacionais. Esse dia chegará mais cedo, se os governos mundiais agirem no sentido de acabar com os paraísos fiscais.
Entretanto, os habitantes de Gibraltar podem continuar a votar a favor de “continuarem a ser britânicos”, durante o tempo que quiserem. Mas, se não aceitarem os impostos e a disciplina que a maior parte dos europeus aceitam, ao mesmo tempo que sugam negócios aos centros financeiros da Europa, não podem realmente esperar que um Estado da UE os proteja de outro. Uma fila com 6 horas de espera em La Línea, uma vez por outra, é um pequeno preço a pagar pela recusa de se juntarem ao mundo real.
Opinião - “Uma disputa absurda”
De forma a encerrar o contencioso sobre Gibraltar, os primeiros-ministros espanhol, Mariano Rajoy, e britânico, David Cameron, decidiram pedir à Comissão Europeia para desempenhar a função de mediadora. Bruxelas deverá portanto pôr termo a dias de escaladas verbais que “exemplificam na perfeição tudo o que a diplomacia não deve fazer”, estima o ex-deputado britânico do partido trabalhista, Denis Macshane, em El País. Para o ex-político, que renunciou ao cargo depois de terem sido descobertas irregularidades nas suas despesas parlamentares, as tensões em torno do “rochedo” derivam essencialmente de fatores internos que envolvem os dois homens políticos:
David Cameron e Mariano Rajoy são mais parecidos do que querem admitir. São dois dirigentes nacionais fracos, que não têm nenhum verdadeiro controlo sobre a evolução da política. Ambos estão fartos da UE. Ambos têm um terrível problema de desemprego juvenil. Ambos devem fazer frente a regiões-nações – a Escócia e a Catalunha – que não querem integrar-se completamente nas entidades que constituem o Reino Unido e a Espanha. Ambos tiveram grandes impérios, sonhos que não querem desaparecer e que persistem com os símbolos da monarquia. Ambos têm grandes problemas relacionados com o financiamento do seu partido. Ambos possuem zonas coloniais especiais, Ceuta e Melilha (e Olivença) no caso de Espanha e as ilhas Malvinas e Gibraltar no caso do Reino Unido. […] Então, qual é o motivo por trás desta disputa absurda entre dois carecas que lutam por um pente, como dizia Borges acerca da guerra das Malvinas? […] O que vemos tanto no Reino Unido como em Espanha é a vontade de manipular os meios de comunicação e de aparecer em manchetes, em Londres, com o envio de navios de guerra na região, e em Espanha, com a proposta de formar um eixo comum com a Argentina para travar o Reino Unido na ONU. Boa sorte!

Ecos da blogosfera – 21 ago.