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sábado, 22 de junho de 2013

A propósito de transportes públicos, por cá…

A CP perdeu 14.000.000 de passageiros e 2.200.000 de euros de receitas, em 2012, de acordo com o relatório de contas que está para aprovação pela tutela e já foi disponibilizado na intranet da empresa há um mês.
Os resultados operacionais da CP melhoraram em 2012, de 39,4 para 45,6 milhões de euros, porém, a CP ainda apresentou um resultado líquido de -223 milhões de euros, dado que o serviço da dívida da empresa já "come" 93% dos proveitos.
O aumento da despesa em juros e gastos similares ascendeu, em 2012, a 194,9 milhões de euros - mais 3,6% do que em 2011 e mais 17,5% do que em 2010.
Apesar de serem os juros a representar a maior despesa da CP, o vice-presidente, Vicente Pereira, atribui ao "elevado número de greves que ocorreram durante todo o ano" uma fatia de responsabilidade na perda de passageiros.
A CP estima que a greve tenha feito perder 2.800.000 de passageiros e 8.500.000 de euros de receitas. "Mas, este ano, ainda não houve greves e até ao início de junho a CP já perdeu 8.000.000 milhões de euros", contrapõe José Reizinho, coordenador da Comissão de Trabalhadores. A Administração da CP escusou-se a comentar as contas ou a situação atual em termos de passageiros.
Durante o ano passado, a CP despendeu 62,5 milhões de euros com o pessoal, menos do que os 73,7 milhões de euros de 2011 e entre 2010 e 2012, os trabalhadores da CP receberam, em média, menos 22,6% de remuneração.
"Estamos preocupados com o futuro desta empresa", comenta Reizinho e acrescenta: "A má gestão resulta em cada vez menos passageiros e menos receita, porque a aumentarem os preços como aumentaram e diminuírem a oferta não vamos de certeza captar mais passageiros".
Os famosos "swap" contribuíram também para o agravamento da dívida da CP, com perdas potenciais de 135.000.000 de euros. Durante o ano passado, a CP assimilou na dívida outros valores da mesma natureza que, em 2011 perfizeram 13.619.000 milhões de euros.
Por muito menos, o Brasil está em polvorosa…
No caso, nem interessa fazer muitas contas nem muitas análises, porque uma empresa (pública ou privada) em que 93% dos seus proveitos são para pagar os juros da dívida, até nos convence que o melhor é mesmo desfazermo-nos dela (privatizá-la), se houver um comprador (filantropo) disposto a subsidiar o nosso “serviço público”, espécie que já se extinguiu há muito…
Claro que os administradores atribuem os défices às greves e os trabalhadores dizem que se devem à má gestão.
E olhando para os números, fazendo umas simples contas com a regra de 3 simples, o valor dos “prejuízos” das greves não bate certo, o mesmo acontecendo com os prejuízos globais, se os valores estiverem corretos.
Repare-se: num ano, menos 14.000.000 passageiros dão um prejuízo de 2.200.000 de euros e durante as greves, menos 2.800.000 de passageiros dão um prejuízo de 8.500.000 de euros? Feitas as tais contas, ou as greves deram (apenas) um “prejuízo” de 440.000 euros, ou o prejuízo anual foi de 42.500.000! Estes matemáticos!
Mas pelos vistos, do que não há dúvidas é que houve “investimentos” na CP, mas não só, que contribuíram para esta baralhada, que parece ter mais a ver com as Administrações e que se deveria ter que haver dos respetivos administradores…
Já não falo dos aumentos de preços na CP, mas não só, que este ano foi de 3,5% nos passes e de 4,5% no global das tarifas, para não incendiar os ânimos…
O caso dos swaps, o próximo corte no Funcionalismo Público, o fim do crédito à habitação e a proposta de António José Seguro para o desemprego analisados por João Palma-Ferreira.

Ecos da blogosfera – 22 jun.

“Subestimámos a magnitude da contestação…”

Há quase uma semana que as ruas búlgaras estão novamente em ebulição. Foi a controversa nomeação de um deputado para a chefia dos serviços secretos que incendiou a pradaria: depois das manifestações de fevereiro, que levaram a eleições antecipadas, o descontentamento mantém-se. Excertos.
Escrevi há algum tempo um artigo em que dizia como me agrada um homem que lê. Porque cultiva discretamente o gosto pelas coisas que faltam. E um homem com esse gosto não pode ser um canalha.
O homem que protesta também é belo, pelas mesmas razões. Hoje, estão ambos ligados, de forma íntima e forte. Quando o homem que lê sai para a rua para protestar, percebe-se imediatamente. O protesto torna-se mais luminoso, mais cheio de significados. É a isso que assistimos hoje nas ruas de Sófia e noutros lugares. Assim, tanto literal como metaforicamente, estas manifestações são das crianças. Os filhos e netos daqueles que saíram em fevereiro para protestar contra o aumento do preço da eletricidade.
Mas junho não é fevereiro. As crianças são muito mais exigentes. Hoje já não se trata de dinheiro e contas por pagar. Em fevereiro, a elite política reagiu muito depressa (o Governo conservador de Boyko Borissov demitiu-se após 2 semanas de protestos, por vezes marcados pela violência. Quando se trata de dinheiro, as coisas são simples: lançam-se umas promessas para o ar, distribuem-se uns apoios estatais e acusa-se de tudo o grande capital estrangeiro que controla as companhias de eletricidade...
Intrigas da oligarquia na sombra
Hoje, trata-se de algo completamente diferente. E é a confusão total. Os manifestantes dizem que não querem que uma oligarquia continue a liderar o país na sombra. As elites não percebem – porque se alimentam precisamente da mão dessa oligarquia na sombra. Para elas, a política resume-se a isso: aos bastidores. Às intrigas criadas pela oligarquia na sombra.
Além disso, hoje não se ouvem os politólogos de serviço que costumam dar, de modo complacente, os seus esclarecimentos sobre a situação. Aqueles que, em fevereiro, no pequeno ecrã, colocavam palavras na boca dos manifestantes desapareceram. Foi assim que pessoas pobres que não podiam pagar as suas contas, humilhadas e desprezadas, começaram a repetir absurdos como “modelo islandês”, “modelo irlandês”, “nacionalização”, etc.
Aqueles que hoje saem todos os dias para a rua depois das 18h30 têm emprego. E pagam as suas contas de eletricidade e de aquecimento. São muitos – e muito diferentes: pais, professores, jornalistas, escritores, ciclistas, atores, engenheiros, estudantes, leitores... Não são revolucionários de carreira, muito menos vândalos. Para saírem todos para a rua, é preciso sentirem-se profundamente ofendidos.
Nomeação de Peevski foi o rastilho
O mais surpreendente é que a atual elite política ainda não percebeu porque isto está a acontecer. O rastilho foi a nomeação do polémico deputado Delian Peevski para chefe da Agência de Segurança Nacional (serviços de espionagem). [O parlamento acabou por rejeitar a sua nomeação a 19 de junho]. “Subestimámos a imagem que a opinião pública tinha desse senhor”, reconheceu o primeiro-ministro Plamen Orecharchski (candidato “independente” do Partido Socialista; o seu Governo é apoiado por parlamentares do partido dos muçulmanos, o MDL, e pelos ultranacionalistas do Ataka).
“Subestimámos as resistências que a sua nomeação suscitava”, acrescentou o dirigente do PS, Sergei Stanichev. Para ambos, o problema não é o próprio candidato, mas a sua imagem – aparentemente errónea. É esta a linguagem da oligarquia na sombra. “Subestimámos a magnitude da contestação, esperávamos ter uma centena de pessoas a manifestarem-se diante do parlamento e afinal transformou-se noutra coisa.”
Economia deve vir depois da ética
Se os homens da finança lessem livros, as nossas crises não seriam as que estamos a viver. No mínimo, teriam desenvolvido uma certa sensibilidade. Mas os livros, tal como os sentimentos, não são o seu forte. Este Governo, como o que o antecedeu, ainda não percebeu que a crise económica não é senão a parte visível de outra crise, muito mais profunda e muito mais pessoal – a crise de sentido, o défice de futuro.
Os especialistas são necessários, mas a especialização deve vir sempre depois da moral. E a economia depois da ética. Um especialista sem moral é apenas uma ferramenta nas mãos de quem compra os seus serviços, uma ferramenta ao serviço da oligarquia – qualquer que ela seja.
Estes primeiros dias de protesto são os mais belos, os mais inesperados. Devemos estar atentos para que estas manifestações não sejam recuperadas, manipuladas e desviadas por nacionalistas e desordeiros. Espero sinceramente que este protesto arranje força para se manter como é hoje. Com esses pais que trazem os filhos aos ombros, de rostos sorridentes e com uma raiva serena. Com aquele sentimento de pertença, enfim, a uma comunidade de valores. Porque o homem que protesta é realmente belo. E sensato.

Contramaré… 22 jun.

Uma das juízas do coletivo que julga o caso BPN considerou que a Galilei, antiga dona do banco, só mantém a atividade devido ao prejuízo de 1.000 milhões de euros que resultaria para o Estado caso a empresa falisse. “Na minha opinião, a Galilei não passa de uma gordura do Estado para estar a mascarar as dívidas da SLN (Sociedade Lusa de Negócios)”, afirmou a responsável, que integra o coletivo de 3 juízes, durante nova sessão do julgamento.
A juíza acrescentou que “todos os portugueses estão a pagar essa empresa, de uma forma ou de outra”.

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Um rol de razões (baratas) para qualquer levantamento

Tem uma coisa que me está a deixar inquieto nessa, digamos, onda de cidadania que toma conta do país: o motivo de tudo isso.
A ferramenta é relativamente visível: o sistema mediático, ou seja, esse emaranhado de cabos, fios e sinais que ligam sites, blogs, redes sociais, televisões, rádios, jornais etc.; uma estrutura de dimensões planetárias, que invade as nossas casas e que é capaz de ligar todos os pontos do país num átimo de segundo, e permitir, dessa forma, um fluxo contínuo de informações, com tudo o que isso possa significar.
Mas fica faltando o because da coisa.
Ou seja, o motivo por meio do qual as pessoas estão tão indignadas.
Sinceramente, não creio que tenha a ver com passagens, salário baixo, custo de vida, falta de investimentos públicos, conjunção política ou algo dessa natureza, ainda que esse mote apareça aqui e ali com alguma frequência.
Assim como não consigo assimilar a ideia de um pensamento coletivo, uma indignação sufocada, um grito de liberdade trancado na garganta dessa moçada de roupas e gestos bonitos que está aí, protestando, mas também a quebrar as coisas, queimando.
O que me assusta é a falta de um nome próprio para tudo isto; de um porquê; uma manchete a dizer que o protesto foi contra um sacana que se elegeu presidente e meteu a mão no bolso de toda gente sem pedir licença; contra o “mensalão”; pela preservação da floresta; contra a homofobia, enfim...
O facto é que este silêncio ruidoso me incomoda.
Talvez eu esteja em descompasso com esse tempo de mundo em que vivo, que eu tenha perdido alguma coisa, que o autocarro tenha passado pela paragem sem que eu notasse, mas também pode ser - por que não? - que estejamos diante de um algo capaz de mobilizar toda uma gente, que, claro, segue sendo gente, portanto crítica e senhora da sua vontade, mas frágil na mesma proporção frente a um poder que não conhecia até então.
Um algo tão diferente que nem nome tem.
Esta inquietação de Demétrio Soster é a mesma que nós sentimos, mas por razões inversas, no que ao nosso país diz respeito.
Enquanto no Brasil há décadas que existe uma (aparente) paz social (marginais à parte) e nada nem ninguém previa que explodissem protestos, muito menos com a dimensão que se regista, sem se saber o fim nem as consequências, por cá, o sofá é o melhor amigo do português (o cão perdeu a primazia), mesmo sendo diariamente assaltados pelo governo e colonizados por uma troika, com gente com rosto. Ou seja, se motivos havia para um levantamento generalizado, sobretudo dos jovens, seria deste lado do Atlântico, com tanto mar, a nos separar, pá.
Esperemos que este movimento brasileiro seja o primeiro e o exemplo de um “Outono do Sistema”, que usa e abusa em massacrar o cidadão (refém do seu próprio voto) e que estica a corda até esta rebentar. E no caso, talvez seja o começo de se acabar com a marginalidade, se se reduzirem as desigualdades, aumentar a consciência política e a cidadania for discutida e reclamada no quotidiano.
Talvez este movimento seja meteórico, como as Primaveras Árabes (que deram resultado, porque sim…), os Occupy ou os Indignados, que se resignaram… Mas nestas coisas, o social tem razões que a própria razão desconhece, mas que os políticos não estranharão.
E aqui fica um cardápio de 20 razões, baratas (20 centavos), cujo texto se atribui a Jô Soares, mas se não for, pouca diferença faz, porque tem substrato e matéria bastante e suficiente para nos indignarmos (por maiores razões), se quisermos sair do sofá…
O ministro Gilberto Carvalho (atual ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República do Brasil), após reunião do governo, deu uma entrevista a dizer que não entende as razões das manifestações de protesto. O Jô Soares encarregou-se de explicar, centavo por centavo, as razões do surto da Multidão.
Será que agora perceberão!
JÔ Explica...
Pra quem não entendeu ainda: os 20 centavos, 1 por 1:
00,01 - a corrupção;
00,02 - a impunidade;
00,03 - a violência urbana;
00,04 - a ameaça da volta da inflação;
00,05 - a quantidade de impostos que pagamos sem ter nada em troca;
00,06 - o baixo salário dos professores e médicos do estado;
00,07 - o alto salário dos políticos;
00,08 - a falta de uma oposição ao governo;
00,09 - a falta de vergonha na cara dos governantes;
00,10 - as nossas escolas e a falta de educação;
00,11 - os nossos hospitais e a falta de um sistema de saúde digno;
00,12 - as nossas estradas e a ineficiência dos transportes públicos;
00,13 - a prática da troca de votos por cargos públicos nos centros de poder que causa distorções;
00,14 - a troca de votos da população menos esclarecida por pequenas melhorias públicas (pagas com dinheiro público) que coloca sempre os mesmos nomes no poder;
00,15 - políticos condenados pela justiça ainda no ativo;
00,16 - os mensaleiros terem sido julgados, condenados e ainda estarem livres;
00,17 - partidos que parecem quadrilhas;
00,18 - o preço dos estádios para a copa do mundo, o superfaturamento e a má qualidade das obras públicas;
00,19 - os media tendenciosos e vendidos;
00,20 - a perceção de que não somos representados pelos nossos governantes.
Se precisarem tenho outros 20 centavos aqui, é só pedir.

Ecos da blogosfera – 21 jun.

Troika não eleita impõe-se aos parlamentos nacionais

Grandes decisões que afetam o funcionamento dos Estados-membros da União Europeia são tomadas pelos principais ministros e chefes de governo, e impostas pela não eleita “troika” da Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional. Mas os parlamentos nacionais dispõem de uma série de medidas para tornar as poderosas instituições europeias mais responsáveis perante os deputados eleitos.
A União Europeia há muito que sofre de falta de legitimidade, mas a crise do euro agravou o problema. Não há bala de prata que, de repente, consiga tornar a UE respeitada, admirada ou até mesmo popular entre muitos europeus. As suas instituições estão geograficamente distantes, são difíceis de entender e centram-se muitas vezes em aspetos técnicos obscuros.
A menos que os dirigentes da UE consigam tornar-se mais credíveis e legítimos aos olhos dos eleitores, parte da união pode começar a desmoronar. Por exemplo, num dado momento, governos da zona euro podem querer reforçar a moeda, dando passos importantes para um sistema mais integrado de políticas económicas. Mas, nessa altura, um parlamento nacional, uma eleição geral ou um referendo podem bloquear esses passos e ameaçar assim o futuro do euro.
As instituições políticas ganham legitimidade nos campos “externo” e “interno”. O externo tem a ver com os benefícios que se vê as instituições distribuírem. O interno integra basicamente as eleições que sancionam os que exercem o poder. A crise do euro enfraqueceu ambos os tipos de legitimidade.
As vantagens no domínio externo são pouco entusiasmantes. O crescimento económico é negativo em grande parte da Europa, o desemprego na zona euro está acima dos 12% e o desemprego dos jovens em Espanha e na Grécia é superior a 50%. Para muitos cidadãos, não é evidente que tanto a UE como o euro estejam a representar um grande benefício.
Tornar o poder mais responsável
Já a legitimidade no domínio interno é pouco evidente. Dada a complexidade das tomadas de decisão, com o poder partilhado entre muitas instituições, os circuitos de prestação de contas na UE nunca foram muito claros. Mas a constatação da existência de um défice democrático é crescente nos países altamente endividados da zona euro. Uma “troika” não eleita – Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional – forçou os parlamentos nacionais a aceitar cortes orçamentais e reformas estruturais. Grandes decisões sobre programas comunitários de recuperação económica são tomadas por ministros das Finanças e chefes de governo da zona euro.
O que pode, então, ser feito para aumentar a legitimidade da UE? Os dirigentes europeus devem acelerar a criação de uma união bancária, para fortalecer o sistema financeiro; a Alemanha deve estimular a procura, contribuindo assim para o crescimento das economias do Sul da Europa; e as reformas estruturais devem restaurar a competitividade dessas economias. Com isso, o desemprego começaria a descer, os dirigentes europeus pareceriam mais competentes e o apoio aos eurocéticos e populistas diminuiria.
Mas os dirigentes da União Europeia precisam também de tornar o poder mais responsável. Para muitos deputados europeus, a solução é simples: quando as decisões ocorrem ao nível da UE, o Parlamento Europeu deve exercer um controlo democrático. E se há mais decisões para serem tomadas a nível da União, o PE deve ver aumentado o seu poder sobre elas.
Parlamentares nacionais mais envolvidos
No entanto, o Parlamento Europeu – apesar do bom trabalho apresentado em alguns aspetos legislativos – não consegue convencer muita gente de que representa os seus interesses. Muitos deputados europeus têm pouca ligação aos sistemas políticos nacionais. Grande parte do tempo, a prioridade do Parlamento parece ser aumentar os seus próprios poderes. Pede constantemente um orçamento maior e um papel mais importante para a UE; mas não é garantido que muitos eleitores pensem dessa forma. Isso pode explicar por que a participação eleitoral diminuiu sucessivamente (de 63%, em 1979, para 43%, em 2009), apesar de os poderes do Parlamento terem crescido de forma constante desde as primeiras eleições diretas.
Outra razão pela qual o Parlamento Europeu não pode ser o principal garante democrático das tomadas de decisão da zona euro é que a maior parte do dinheiro para o apoio aos países em situações de crise vem de parlamentos nacionais e não do orçamento da União. Na verdade, as decisões sobre os modelos de recuperação económica e as condições que são aplicadas são tomadas a nível da UE, dos chefes de governo ou dos ministros das Finanças. Mas essas decisões têm de ser postas em prática pelos parlamentos nacionais, os quais, portanto, desempenham um papel crucial, tanto nos países credores como nos beneficiários: o Bundestag teve de aprovar a disponibilização de dinheiro para apoio a Chipre, enquanto o parlamento de Chipre teve que votar o encerramento dos bancos da ilha.
São boas razões para aumentar o envolvimento dos parlamentares nacionais na governação da zona euro. Nos últimos anos, várias estruturas “interparlamentares” começaram a reunir membros do Parlamento Europeu e deputados nacionais. E o recente tratado de estabilidade fiscal prevê uma “conferência” desses deputados – europeus e nacionais – para discutirem a política económica. No entanto, esses encontros, embora úteis, são meramente consultivos e não dão aos eleitos nacionais uma participação suficiente na UE.
“Cartão amarelo” e “cartão vermelho”
Os parlamentares nacionais podiam tornar a União Europeia mais responsável de 2 maneiras.
Em primeiro lugar, as relações entre os parlamentos nacionais deviam ser reforçadas. O Tratado de Lisboa criou o procedimento do “cartão amarelo”, em que, se 1/3 ou mais dos parlamentos nacionais considerarem que uma proposta da comissão viola a regra da subsidiariedade – a noção de que as decisões devem ser tomadas no nível mais baixo compatível com a eficiência –, podem exigir a sua retirada. A comissão terá de o fazer ou justificar porque pretende levá-la por diante. Este procedimento, até agora usado apenas uma vez, pode passar a “cartão vermelho”, permitindo que os parlamentos nacionais forcem a Comissão a retirar a proposta. O facto de William Hague, ministro dos Negócios Estrangeiros britânico, ter alvitrado essa ideia – bem como Douglas Alexander, o seu homólogo no Governo sombra dos Trabalhistas –, não deve impedir de ser equacionada. Tal sistema pode permitir aos parlamentos nacionais juntarem-se para proporem a retirada de uma lei exagerada, de iniciativa da Comissão.
Em segundo lugar, deve ser criado um fórum dos parlamentos nacionais em Bruxelas. Não para duplicar o trabalho legislativo do Parlamento Europeu, mas para levantar questões e escrever relatórios sobre aspetos da governação da União Europeia e da zona euro que envolvem decisões por unanimidade. Esse fórum poderia controlar o Conselho Europeu e pôr em causa decisões de política externa e de defesa, de policiamento e de combate ao terrorismo. Em matérias específicas da zona euro, o novo órgão poderia promover encontros em formato reduzido, sem deputados dos países de fora do euro, e votar os pacotes de apoio financeiro aos países endividados. Também poderia interpelar e mesmo nomear o presidente do grupo do euro. A longo prazo, os deputados nacionais vão ter de se envolver mais na UE, para darem às decisões uma legitimidade de que os parlamentares europeus por vezes carecem.

Contramaré… 21 jun.

Ao contrário das pretensões de vários países, Portugal incluído, a penalização dos depositantes dos bancos em dificuldade pode ser antecipada. Pelo menos é isso que o Eurogrupo parece querer. Se os países do Norte levarem a sua avante, a responsabilização começa já em 2015, 3 anos antes do previsto.
O ‘bail-in’ transforma créditos em capital dos bancos em dificuldades, algo que, no limite, pode envolver pessoas com depósitos acima dos 100.000 euros, como aconteceu em Chipre.

quinta-feira, 20 de junho de 2013

Já chega de “papo furado”!

Em respostas às questões dos deputados, Teodora Cardoso, presidente do Conselho de Finanças Públicas (CFP), ouvida na comissão de Orçamento, Finanças e Administração Pública, disse que "não há margem para discutir" se a reforma do Estado é precisa ou não, acrescentando que "há muitas margens para discutir como fazer isso".
"A situação da Segurança Social é muito agravada pela situação conjuntural e deve ser permitido que os estabilizadores automáticos atuem. No caso de uma economia em crise, se até esses forem cortados, as coisas obviamente agravam-se. Mas temos um problema de médio prazo e temos de perceber como é que avançamos aqui", afirmou.
A economista disse que na saúde e na educação "há claramente margem para ganhos de eficácia" e que, no caso das pensões, é preciso uma análise cuidada e mais transparência.
"Se há casos em que a transparência é um problema é esse [o das pensões]. A Segurança Social agora tem um défice e não se pode esquecer que durante muitos anos teve excedentes que foram usados para financiar défices do Estado. Aos contribuintes não foi dito que estavam a pagar um imposto que podia ser usado para qualquer coisa, foi-lhes dito que contribuíam para assegurar a sua pensão, que até era elevada e que não exigia que fizessem poupanças adicionais", recomendou Teodora Cardoso.
Deixemos de lado essa banalidade argumentativa, de que a eficácia é o melhor caminho para a poupança, em vez do aumento de impostos, ressalvando no entanto a confusão que se faz, na prática, entre eficácia e cortes cegos, quer na Saúde, quer na Educação, que redundarão a curto prazo no aumento de doentes e da iliteracia. Opções ideológicas, porque os técnicos conhecem bem os resultados negativos.
Passemos à Segurança Social e ao que Teodora Cardoso confessa, desconstruindo a falácia dos que dizem, perentoriamente, que os trabalhadores no ativo é que pagam aos pensionistas e reformados e aos que argumentam (poucos, por pudor) que as pensões e reformas não são propriedade dos que contribuíram, com descontos do ordenado, para receberem o retorno, 40 anos depois.
A presidente do CFP começa por alertar que a situação da Segurança Social é muito agravada pela situação conjuntural e que no caso de uma economia em crise (a nossa), se houver cortes, as coisas se agravam, obviamente e acrescenta que temos de perceber como é que chegamos a esta situação, que nos é pintada com chantagem e mentiras.
E explica:
Se há casos em que a transparência é um problema é o das pensões.
A Segurança Social tem agora um défice(?), mas não podemos esquecer que durante muitos anos teve excedentes(!). O que aconteceu é que esses excedentes foram usados para financiar défices do Estado, razão exclusiva do esvaziamento do saco da Segurança Social!
Por outro lado, aos contribuintes que descontaram para as pensões e reformas, não lhes foi dito que estavam a pagar um imposto (que não era) e que os governos poderiam usar essas verbas para outros fins (abusiva e erradamente) como fizeram. O que lhes foi dito (e é linear), é que estavam a contribuir para assegurar a sua pensão e reforma (evidentemente), o que lhes permitia que não pensassem e se preocupassem com poupanças adicionais, à cautela.
Agora, esvaziados os cofres por desvio dos montantes da respetiva “rubrica”, introduziram questões de tesouraria para “criarem” um falso paradigma, que só os mais bobos conseguem entender e aceitar (mais facilmente se não os atingirem).
Depois destes esclarecimentos, por quem de direito e que está por dentro dos factos, que não venha mais nenhum político, economista, gestor, opinador ou militante do centro/direita, com essa conversa tola, de dizer que não há dinheiro para as pensões e reformas e que é preciso cortá-las, porque os descontos dos que trabalham não chegam para pagar aos que deixaram de trabalhar, mas deixaram o deles, que foi jogado no casino e a coisa correu mal…
Daqui para a frente, quem vier com essa conversa, terá apenas como resposta: Vá à merda, mais essa “teoria”!
E o mesmo se aplica aos que vomitam o banal “refrão” de que não há(via) dinheiro para salários e pensões sem a “ajuda” da troika, contrariado pelo recente pagamento de 1.000 milhões de euros aos bancos envolvidos nas swaps (dívidas ao capital), enquanto se adia o pagamento dos subsídios de férias (dívida ao trabalhador) e se procura cortar 4.000 milhões de euros (para pagar as asneiras do Gaspar) no Estado (social)… Vão à merda, mais essa “teoria”!
Chega de “papo furado”!
Ora vejam a tramoia em que nos meteram e como os nossos “Filantropos” ganham a vida com a “Solidariedade” que nos dedicam:
Portugal não é a Grécia, a não ser que falemos de poder de compra. Aí sim, somos não só a Grécia mas também a Eslováquia, 3 dos 4 países dos 17 que compõem a zona euro com os habitantes mais pobres (com 75% do poder de compra do europeu médio).
Filipe Paiva Cardoso
O Eurostat revelou os dados sobre o PIB per capita de cada estado europeu em 2012, valores que, cruzados com o cenário em 2009, mostram que os últimos anos serviram para enriquecer os países já antes ricos, empobrecendo os estados-membros que já antes da crise tinham os cidadãos mais pobres.
Assim, e olhando para a evolução dos diferentes poderes de compra dos europeus de 2009 até 2012, os dados mostram que o Norte e o Centro da moeda única enriqueceram nestes anos, ao passo que os menos ricos, sobretudo situados no Sul, ficaram ainda mais longe dos padrões de vida a norte. O resultado choca com os discursos de solidariedade entre estados, mas resulta em parte dessa suposta solidariedade de Bruxelas, Berlim e demais instituições.
Segundo os dados do Eurostat, a zona euro fechou 2012 com um PIB per capita equivalente a 108% da média da UE27. Em 2009, a zona euro apresentava uma média de 109% face à média dos 27. Contudo, olhando em detalhe para cada um dos países da moeda única, notam-se evoluções completamente opostas: os países afogados em austeridade e em juros impostos pelos pacotes de "ajuda" estão em queda livre em termos de PIB per capita, ao passo que os países que "ajudam" estão a enriquecer.
Os portugueses, por exemplo, passaram de um PIB per capita de 80% da média da UE27 em 2009 para 75% em 2012; na Grécia a queda foi ainda mais abrupta, com um recuo de 94% para 75%, estando agora ao nível português. Em Itália e Espanha, sem pacotes de ajuda mas entre os "maus da fita" do Sul, as quedas foram idênticas: de 104% e 103% para 98% e 97%, respectivamente. Já fora do Sul, os alemães reforçaram o poder de compra de 115% da média da UE27 para 121%; os austríacos de 125% para 131%; os holandeses recuaram ligeiramente mas persistem acima dos valores alemães; na Finlândia o PIB per capita cresceu de 114% para 115% e no Luxemburgo o valor subiu para 271%.
Se é certo que opções, erros e más políticas dos governos dos últimos anos de Portugal ou Grécia, por exemplo, são os grandes responsáveis pela queda destes países em recessão, também é cada vez mais evidente que os países ricos da zona euro souberam pôr a desgraça alheia a render em seu proveito: os pacotes de "ajuda" impostos aos países em dificuldades asseguraram uma enorme margem de lucro para estes, através dos juros cobrados aos países "irmãos" do euro, que, não fossem os elevadíssimos custos dos juros suportados pelos empréstimos "solidários", estariam já mais longe do caos: Portugal gasta por ano 4,4% do seu PIB em juros – 7.200 milhões de euros -, valor que sai directamente dos bolsos dos contribuintes e dos trabalhadores portugueses para dezenas de cofres de Estados e bancos europeus.

Ecos da blogosfera – 20 jun.

Mais uma análise sobre o Brasil vinda da Espanha…

Está a gerar perplexidade, dentro e fora do país, a crise criada repentinamente no Brasil por o surgir dos protestos de rua, primeiro nas ricas urbes de São Paulo e Rio, e agora estendendo-se a todo o país e inclusive aos brasileiros no exterior.
De momento são mais as perguntas para entender o que está a acontecer do que as respostas às mesmas. Existe apenas um certo consenso em que o Brasil, invejado até agora internacionalmente, vive uma espécie de esquizofrenia ou paradoxo que ainda tem de ser analisada e explicada.
Por que surge agora um movimento de protesto como os que já estão de volta em outros países do mundo, quando durante 10 anos, o Brasil viveu como anestesiado pelo seu êxito compartilhado e aplaudido mundialmente? O Brasil está pior hoje do que há 10 anos? Não, está melhor. Pelo menos está mais rico, tem menos pobres e crescem os milionários. É mais democrático e menos desigual.
Como se explica, então, que a presidente Dilma Rousseff, com um consenso popular de 75%, um recorde que chegou a superar o do popular Lula da Silva, possa ser vaiada repetidamente na inauguração da Copa das Confederações, em Brasília, por quase 80.000 aficionados da classe média que puderam dar-se ao luxo de pagar até 400 dólares por uma entrada?
Por que saem à rua, para protestar contra o aumento do preço dos transportes públicos, jovens de que normalmente não utilizam esses meios, porque já têm carro, algo impensável há 10 anos?
Por que protestam estudantes de famílias que até recentemente não tinham sonhado ver os seus filhos pisar uma universidade?
Por que aplaude os manifestantes a classe média C, chegada da pobreza e que pela primeira vez na sua vida puderam comprar um frigorífico, uma máquina de lavar roupa, uma televisão e até uma moto ou um carro usado?
Por que o Brasil, sempre orgulhoso do seu futebol, parece estar agora contra a Copa do Mundo chegando a manchar a abertura da Copa das Confederações com uma manifestação que produziu feridos, prisões e medo nos fãs que foram ao estádio?
Por que estes protestos, mesmo violentos, num país invejado até pela Europa e pelos Estados Unidos pelo seu desemprego quase zero?
Por que se protesta nas favelas onde os seus habitantes viram duplicado o seu rendimento e recuperada a paz que lhes tinha roubado o narcotráfico?
Por que, de repente, se levantaram em pé de guerra os índios que possuem já 13% do território nacional e tem o Supremo sempre ao lado das suas reivindicações?
É porque os brasileiros não estão agradecidos a quem os fez melhorar?
As respostas a todas estas perguntas que ocorrem em muitos, começando pelos políticos, uma espécie de perplexidade e espanto, poderiam resumir-se em poucas questões.
Em primeiro lugar, poder-se-ia dizer que, paradoxalmente, a culpa é de quem deu aos pobres um mínimo de dignidade: um rendimento não miserável, a possibilidade de ter uma conta bancária e acesso ao crédito para poder comprar o que sempre foi um sonho para eles (eletrodomésticos, uma moto ou um carro).
Talvez o paradoxo se deva a isto: ao ter colocado os filhos dos pobres na escola, de que não gostaram os seus pais e avós; ao ter permitido aos jovens, a todos, brancos, negros, indígenas, pobres ou não, ir para a universidade; ao ter dado para todos, acesso gratuito à saúde; ao ter livrado aos brasileiros do complexo de culpa, antigo, de "cães vadios"; ao ter conseguido tudo aquilo que transformou o Brasil em apenas 20 anos num país quase do primeiro mundo.
Os pobres chegados à nova classe média tomaram consciência de ter dado um salto qualitativo em matéria de consumo e agora querem mais. Querem, por exemplo, uns serviços públicos do primeiro mundo, que não são; querem uma escola que além de os acolher os ensine com qualidade, que não existe; querem uma universidade não politizada, ideológica ou burocrática. Querem-na moderna, viva, que os prepare para o trabalho futuro.
Querem hospitais com dignidade, sem meses de espera, sem filas desumanas, onde sejam tratados como pessoas. Querem que não morram 25 recém-nascidos em 15 dias num hospital de Belém, no Estado do Pará.
E querem sobretudo o que ainda lhes falta politicamente: uma democracia mais madura, em que a polícia não continue a agir como na ditadura; querem partidos que não sejam, nas palavras de Lula, um "negócio" para ficar rico; querem uma democracia onde exista uma oposição capaz de vigiar o poder.
Querem políticos com menor carga de corrupção; querem menos desperdício em obras que consideram inúteis quando ainda faltam casas para 8.000.000 de famílias; querem uma justiça com menos impunidade; querem uma sociedade menos abismal nas suas diferenças sociais. Querem ver na cadeia os políticos corruptos.
Querem o impossível? Não. Ao contrário dos movimentos de 68, que queriam mudar o mundo, os brasileiros insatisfeitos com o que já alcançaram querem os serviços públicos que sejam como os do primeiro mundo. Querem um Brasil melhor. Nada mais.
Querem em definitivo o que lhes ensinaram a desejar para serem mais felizes ou menos infelizes do que foram no passado.
Ouvi algumas pessoas dizerem: "Mas o que mais quer esta gente?" A pergunta lembra-me a de algumas famílias em que depois de dar tudo aos filhos, segundo eles, estes rebelam-se na mesma.
Às vezes os pais esquecem-se de que a esse tudo faltou algo que para o jovem é essencial: a atenção, a preocupação com o que ele deseja e não o que às vezes se lhe oferece. Precisam não só ser ajudados e protegidos, levados pela mão, querem aprender a serem eles os protagonistas.
E aos jovens brasileiros, que cresceram e tomaram consciência não só do que já têm, mas do que podem ainda alcançar, está-lhes a faltar justamente que os deixem ser mais protagonistas da sua própria história, especialmente quando demonstram ser tremendamente criativos.
Que o façam, isso sim, sem violência acrescida, que violência já sobra a este maravilhoso país, que sempre preferiu a paz à guerra. E não se deixem cooptar por políticos, que tentarão montar no seu cavalo de protesto, para o esvaziar de conteúdo.
Num dos cartazes lia-se ontem: "País mudo é um país que não muda." E noutro, dirigido à polícia: "Não dispareis contra os meus sonhos."
Alguém pode negar a um jovem o direito de sonhar?
Tradução minha

Ira dos que sabem contra os (1%) que tem e podem…

Primavera Árabe, Occupy, Indignados e os manifestantes nas capitais brasileiras: em todo o mundo, os motivos que levam os jovens às ruas são os mais variados. Em comum, a insatisfação e o protesto.
São motivos diversos, mas a estratégia de ação é a mesma em todo o mundo: ativistas, jovens na sua maioria, ocupam espaços públicos para manifestações e para expressar a sua insatisfação.
Em geral, trata-se da ocupação de espaços simbólicos das cidades, como Wall Street, em Nova York; a praça Tahrir, no Cairo; ou a praça Puerta de Sol, em Madrid; o Congresso Nacional ou a Avenida Paulista, no Brasil.
Iguais no ato de protestar, os movimentos distinguem-se nos seus objetivos. No mundo árabe, a insatisfação voltava-se contra governantes autoritários, há décadas instalados no poder.
Em Espanha, o desemprego e os planos de austeridade motivaram os Indignados a sair às ruas.
Em Nova York, o Occupy Wall Street mira a desigualdade económica e social, apresentando-se como os 99% de desfavorecidos na distribuição da riqueza.
No Brasil, as manifestações começaram em protesto contra o aumento das passagens de autocarros em São Paulo, mas logo ganharam uma dimensão maior, e a agenda também se ampliou.
Algo semelhante acontece na Turquia, onde a repressão policial a um movimento pacífico contrário à construção de um centro comercial num parque de Istambul gerou revolta de outros setores da sociedade. Assim como no Brasil, grupos diversos, com reivindicações variadas, juntaram-se ao movimento, engrossando a contestação na praça Taksim e no parque Gezi.
Levantamentos ocasionados por insatisfação política também ocorrem na África subsaariana, mas também em contextos bem únicos. O regime do presidente angolano, José Eduardo dos Santos, enfrenta manifestações de contestação desde o ano passado. São ações lideradas por jovens estudantes e ativistas culturais, severamente reprimidas pelas forças de segurança.
Os brasileiros no contexto mundial
A insatisfação parece ser o único ponto em comum entre os jovens que saem às ruas em todo o mundo. Mesmo no caso de um único país, como o Brasil, é difícil encontrar um tema unindo todos os manifestantes, como argumenta o cientista político Tim Wegenast, da Universidade de Constança. Para ele, existe uma "insatisfação com a política brasileira como um todo". Wegenast também não arrisca comparar a onda de protestos brasileira com as contestações permanentes à política vigente em Angola há mais de 30 anos. "Angola tem problemas sociais muito contundentes", afirma Wegenast.
Já o coordenador da organização Mais Democracia, João Roberto Pinto, consegue encontrar semelhanças entre alguns movimentos globais. Ele aproxima as manifestações brasileiras dos Indignados da Espanha e do Occupy Wall Street.
Segundo o cientista político, estas mobilizações têm o mesmo alvo. "O poder económico vem capturando a representação política. Isto não é novo, mas chegou a um ponto que saturou o povo."
Já o diretor-executivo da Transparência Brasil, Cláudio Abramo, evita comparar as manifestações brasileiras com as de outros países porque seriam "contextos diferentes".
Abramo concorda com Pinto quando se fala em crise na representação política no Brasil. Diz não acreditar que o motivo dos levantamentos generalizados seja só o aumento da passagem de autocarro. "Parece ser uma desilusão generalizada perante a representatividade do sistema político. Os partidos não representam ninguém, a não ser a si próprios", destaca.
Surpresa e contradição
Wegenast diz que não esperava uma mobilização deste porte neste momento no Brasil. "É um pouco contraditório ver um movimento de insatisfação, tendo em vista todo este crescimento económico e estes programas sociais das últimas décadas", afirma.
Abramo discorda que haja uma contradição. "A transferência de recursos para camadas mais pobres, como ocorreu nos programas sociais brasileiros, não causa impacto na classe média urbana, que é a camada da população mais sensível às ações do Estado."
Pinto descarta que os movimentos brasileiros estejam isentos de sofrer influência político-partidária. O coordenador do Mais Democracia celebra o interesse da população de protestar por maior participação nas decisões sobre questões do seu quotidiano. "No Rio, o pessoal quer discutir as concessões para o sistema de transporte. Querem que as empresas abram as suas planilhas de custo para ver a justificação de distribuição das linhas e de correções nas tarifas", argumenta.
Noutros países emergentes
Na Turquia, o primeiro-ministro Erdogan qualificou os protestos de "um ataque à democracia turca", uma reação bem diferente da expressada pelas autoridades brasileiras. Para Wegenast, o cenário político é outro. "A Turquia é uma quase-democracia, com direitos civis limitados, sem transparência e sem medias independentes", salienta. No caso do Brasil não se trata de um governante em perigo, que manda a polícia reprimir violentamente a oposição, como nos países da Primavera Árabe.
Manifestações noutros países BRICS também não encontram semelhanças com a onda de protestos brasileira.
O governo sul-africano não enfrenta levantamentos em série, mas vem sendo criticado há meses pela repressão à manifestação dos mineiros de Marikana, que deixou 34 mortos em agosto passado. Os trabalhadores reivindicaram melhores salários e foram alvejados pela polícia, numa repressão que lembrou os piores anos do Apartheid.
Na Rússia, além de optar pela repressão, o governo enfrenta os protestos mobilizando organizações aliadas para "contramanifestações".
Na China, a repressão do regime evita ações mais audaciosas por parte da população. Os levantamentos brasileiros também não se comparam aos conflitos religiosos na Índia, razão de intervenção enérgica do Estado.
"A repressão na China e na Rússia é para a sobrevivência do regime. Os governos sufocam qualquer movimento para permanecer no poder", salienta Wegenast. "O Brasil ainda é visto como a democracia mais sólida do BRICS."

Contramaré… 20 jun.

A maioria parlamentar PSD/CDS-PP aprovou hoje na especialidade o corte de 5% sobre os subsídios de doença e 6% sobre os subsídios de desemprego, com uma salvaguarda de rendimentos inferiores para contornar o chumbo do Tribunal Constitucional.
A norma havia sido incluída no Orçamento do Estado para 2013 mas foi declarada inconstitucional juntamente com a suspensão dos subsídios de férias e de natal pelo Tribunal Constitucional.

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Mas o que eu quero é dizer-lhe que a coisa aí tá preta…

Cerca de 250.000 pessoas protestaram em várias cidades brasileiras contra o aumento do preço dos transportes a violência e os gastos públicos com o Mundial de Futebol, exigindo um melhor serviço público.
Só no Rio de Janeiro, mais de 100.000 pessoas saíram à rua na última noite, num protesto que começou por ser pacífico, mas terminou com confrontos entre os manifestantes e as autoridades.
De acordo com a Secretaria de Segurança, 20 polícias foram feridos por pedras ou estilhaços de vidros e 8 manifestantes também ficaram feridos, 2 deles com ferimentos de bala.
Protestos generalizados
A onda de manifestações espalhou-se, pelo menos, por 11 Estados brasileiros. Na cidade de São Paulo, manifestaram-se mais de 65.000 pessoas, gritando palavras de ordem como "Oh! O povo acordou!", num protesto que também terminou com confrontos entre a polícia e um grupo que tentou invadir o Palácio do Governo.
Em Brasília, o Congresso Nacional chegou mesmo a ser invadido, com as autoridades a serem incapazes de evitar que os manifestantes ocupassem a parte do edifício onde ficam as cúpulas da Câmara e do Senado.
Os protestos em Belo Horizonte juntaram mais 20.000 pessoas, enquanto as ruas das cidades de Belém e Curitiba se encheram com mais de 10.000 manifestantes cada.



Sem entrar em considerações de ordem política, destaco, mais uma vez, esta “coisa” das manifestações, que dá sempre origem a uma “guerrinha” de números de participantes e à associação de (poucos) atos de violência, tudo para descentrar a discussão das verdadeiras razões, que estão na sua origem.
Por exemplo, e para quem como eu participou, em Lisboa, numa manifestação com 120.000 professores, ao olhar para a enchente de pessoas que a imagem regista (muitas das fotos estão cortadas), só pode fazer contas de cabeça e multiplicar por 5 ou mais, o mesmo se passa noutras cidades, em que os números estão muito mirrados…
Quanto à violência anunciada (até se aleijam mais polícias do que civis), como em todas as “manifs” nos países do mundo ocidental e democrático (muitas vezes ou quase sempre iniciada por profissionais da polícia), é sempre transformada na “genuína notícia” e condenada veementemente (convém contestar pacificamente!), enquanto nas “Primaveras Árabes” e nas “guerras civis” nos países islâmicos, a mesma (híper) violência é aplaudida, apoiada e tema de discussão dos grandes fóruns dos grandes dirigentes…
Na génese destas manifestações, em qualquer país, está a crescente desigualdade económica e social, com o beneplácito dos respetivos governos, quando não incentivada, que leva o povo ao pico da indignação. No caso do Brasil, em que se ouve há décadas que “agora é que isto vai”, os cidadãos, ao verem e lerem que o país é hoje considerado um dos ricos e emergentes BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), sem verem essa riqueza refletida nas pessoas, leva-as a pensar que estão a cair no mesmo engodo com que todos os cidadãos, mundialmente, foram manipulados, e daí a reação, em tempo útil, impulsionada por uma consciencialização política, que as redes sociais facilitaram e aceleraram. Coisas do sistema…

Se tivermos informação bastante para elencar os direitos sociais que os brasileiros não tem e a baixíssima qualidade oferecida nas obrigações base de um Estado, que gasta muitíssimo com os seus agentes, é fácil entender este “Outono Quente”, que até vem tarde, dados os altos níveis de corrupção, que é endémica e tem sido tolerada pela população…
E para tanto, bastaram uns cêntimos de aumento nos transportes, ao mesmo tempo que se gastam bilhões em obras “inúteis”, em prejuízo dos direitos básicos. E tudo fica sintetizado num cartaz que dizia: “Se o seu filho adoecer, leve-o ao estádio”…
Pois! Porque devia ser: Se o seu filho adoecer, leve-o ao hospital do Estado…
Até lá, a coisa vai ficar ainda mais preta…
O recurso à violência e a luta pelo real significado da palavra “democracia” parecem despontar como algumas das questões que envolvem os protestos pelo país.
Fábio Salem Daie
No sentido de uma crise generalizada do contexto socioeconómico nacional e mundial, podemos afirmar que as manifestações iniciadas contra o aumento das passagens de autocarros, em diversas cidades do Brasil, são “políticas”. No entanto, parece não ser este o sentido que lhe é outorgado, pelo menos pelos gestores estaduais. Alarmados com a força demonstrada pela articulação popular (iniciada pelo Movimento Passe Livre), os governadores de São Paulo e do Rio de Janeiro, Geraldo Alckmin (PSDB) e Sérgio Cabral (PMDB), apressaram-se em tachar os protestos, na última quinta-feira, de “políticos”: querendo significar, entretanto, que se tratam na verdade de estratégias partidárias e não de “mobilizações espontâneas”.
Tal ótica não só se mostra falsa sob o aspeto organizativo do movimento (grandemente impulsionado pelas redes sociais e composto por uma gama ampla de componentes ideológicos) como também impede que uma mobilização há muito não vista possa ser, de facto, compreendida. Algo novo surge, ainda que não se possa prever o seu desdobramento. E isso é inegável.
Na seguimento de movimentos populares que tomaram praças e ruas à volta do mundo nos últimos anos, também este se apresenta como uma surpresa desagradável aos gestores da res publica, tornada, a partir da década de 1990, cada vez mais assunto dos negócios privados (bem como o transporte coletivo em São Paulo e noutras regiões).  Mesmo na televisão, jornalistas comentavam, à luz dos confrontos nas ruas, que nunca tinham realizado antes a cobertura de protestos “deste tipo”.
Neste momento, no entanto, boa parte dessa mesma imprensa está a fazer os trabalhos de casa: mostra imagens de policias feridos; conta histórias de “gente de bem” cercada pelo cenário de guerra civil; relata atos de “vandalismo” contra o património público e privado. A “violência”, na boca das autoridades municipais, estaduais e federais, é “inaceitável”.
Na ‘vanguarda’ da violência
A repressão policial, ainda mais brutal durante os protestos da quinta-feira (13/06), chegou a ferir não só manifestantes, mas também repórteres e fotógrafos, chamando a atenção de setores laborais e de organizações como a Amnistia Internacional. Essa resposta das forças de contenção já era esperada e, no entanto, tem sido colocada, par a par, com os ditos atos de “vandalismo” e “depredação” protagonizados por uma parcela ínfima dos participantes do movimento. Reside aí a noção, ainda que difusa, de que se trata de “excessos”, de ambos os lados, que ferem, de igual modo, o chamado Estado democrático de direito. Justamente aí, acreditamos, reside também o verdadeiro eixo do debate.
Em literatura (e contra o senso comum generalizado), grandes escritores como Alejo Carpentier sustentam que as manifestações latino-americanas, longe de seguirem as vanguardas europeias, na verdade precederam-nas. Pois bem, no que concerne à estruturação e ao treino de um aparato repressivo “de massa”, tal pensamento parece ser igualmente válido. No processo de desmontagem do governo civil-militar, aquando da redemocratização do Brasil na década de 1980, intelectuais como Florestan Fernandes já chamavam a atenção para o facto de que não bastava livrar o Estado das mãos autoritárias dos seus militares. Era preciso também destruir os aparatos repressivos construídos sob esse regime. Entre eles, a própria polícia, com o seu caráter militar: excrescência desse período, constituída na transição da década de 1960 a 1970.
A manutenção desta instituição, sob os augúrios da democracia liberal que chegava à cena já sob o signo da crise mundial do capitalismo (explodida nos anos 70), era uma aposta inteligente da elite nacional sobre o que o destino (economicamente turbulento) poderia reservar à Ordem e ao Progresso.