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sábado, 21 de setembro de 2013

Um "'megapartido' único" levará eleitores à abstenção?

Nas eleições legislativas alemãs, pode vir a assistir-se a um novo recorde de abstenção. Aos tradicionais refratários, acresce um novo tipo de objetores, mais elitista, que inscreve a abstenção nos costumes, lamenta o “Spiegel”. Excertos.
A sede do movimento, em Colónia, na Mittelstrasse, é uma sala branca e despojada, 20 m2 onde não há nada a não ser um punhado de folhetos. No entanto, o cartaz pendurado por cima da porta da entrada revela grande profundidade de pensamento e prevê nada menos que o advento de uma nova era: “O gigante adormecido desperta”. O gigante adormecido é a abstenção e o homem que pretende despertá-lo chama-se Werner Peters, presidente do “Partido dos Abstencionistas”.
Werner Peters é um intelectual. Escreveu livros e promove regularmente tertúlias filosóficas. Fundou o seu partido há já 15 anos, e procura apontar as falhas da democracia multipartidária. Durante todo esse tempo, foi praticamente ignorado, para não dizer ridicularizado. Mas, aos 72 anos, sente que os ventos estão a mudar no país. “Constato que as minhas ideias estão a penetrar”, regozija-se. “É chegada a hora.” Neste tom um pouco de seita ou de testemunha de Jeová, o movimento pode, contudo, manifestar o seu gigantismo no próximo domingo.
Taxas de participação baixaram
Como já aconteceu em 2009, o número de abstencionistas pode exceder o número de eleitores do partido vencedor. O diretor do instituto de sondagens Forsa, Manfred Güllner, aponta o risco de haver uma taxa de abstenção recorde. “É de temer que só menos de 70% dos eleitores vão às urnas. Poderíamos considerar que serão eles os verdadeiros vencedores do escrutínio, se não fosse ao mesmo tempo um revés para a democracia”.
[Em tempos], votar era uma questão de honra. Após o colapso político e moral da era nazi, os alemães queriam aparecer como democratas “modelares” – aos olhos dos estrangeiros, mas também aos seus próprios. Estavam decididos a não perder a sua 2.ª oportunidade, depois de terem estragado a primeira, na República de Weimar, com as trágicas consequências que se conhecem.
No entanto, o abstencionismo não é um fenómeno novo na Alemanha. Após as primeiras décadas de assiduidade cidadã, as taxas de participação começaram a baixar de forma insidiosa – até chegarem aos 70,8%, nas legislativas de 2009. Entre os abstencionistas, contavam-se sobretudo pessoas pobres e com fraca instrução, que há muito se distanciaram do discurso político, acusando os “lá de cima” de serem responsáveis da sua desdita. Mas também participam antigos eleitores fiéis, amargamente dececionados com o seu partido preferido, mas sem coragem para experimentarem outro. É o caso de muitos ex-eleitores do SPD que se mantiveram afastados das urnas após as reformas iniciadas no âmbito da Agenda 2010.
Novo tipo de abstencionista
Entretanto, assiste-se ao surgimento de um terceiro grupo, que dá uma nova dimensão, essencialmente qualitativa, à abstenção. Nasceu um novo tipo de abstencionista. Tem instrução, frequentemente sem dificuldades económicas, saído das camadas superiores da sociedade. Este novo objetor não tem vergonha e estampa a abstenção no peito. Apenas 7% dos abstencionistas, sondados pelo Instituto Insa para o Bild, enfrentaram críticas de amigos e familiares. Assim, a desconfiança em relação à classe política e aos partidos está hoje instalada nas camadas superiores da sociedade alemã.
O presidente do Bundestag, Norbert Lammert, fala de um novo tipo de “snobeira da abstenção”. Os “snobs” em questão não vivem dos apoios Hartz IV [subsídios de apoio social alemães], não acusam a classe política e a sociedade de lhes entravar o caminho. Comparecem às iniciativas do filósofo, passam a maior parte do tempo em estúdios de televisão e usando camisas muito desabotoadas.
O filósofo Peter Sloterdijk declarou, recentemente, com a maior seriedade, que não sabia a data das eleições. “Até agora, ser politicamente responsáveis significava votar no mal menor. Mas como agir quando já não sabemos onde está o mal menor?”, pergunta ele, para justificar o seu abstencionismo. Entretanto, o colega, Richard David Precht, explicava que esta eleição “é seguramente a mais insignificante da história da República Federal”. Aquilo que finge ser um grande questionamento intelectual não significa senão: “São todos uns imbecis. Menos eu”.
Ausência de polarização
O abstencionista “snob” acha-se melhor democrata; pelo menos, melhor do que os partidos e seus representantes, de uma inquebrantável mediocridade. E levantam as sobrancelhas, horrorizados com os temas de campanha. Querem discutir grandes questões e denunciar a falta de visão. Richard David Precht fala de “campanha de pacotilha”; lamenta a “ausência de filosofia na política” e a “perda geral de capacidade de se projetar na Utopia”. Também lastima o nivelamento dos partidos e a existência presente de um único “megapartido”, empenhado na “defesa do meio ambiente e da Europa, na educação, família, filhos e saúde”.
É verdade que o tempo presente se distancia das grandes batalhas ideológicas do passado, como se vê pelos programas dos partidos. Seria também desejável que a oposição avançasse contrapropostas fortes sobre questões fundamentais, como o futuro da Europa ou a transição energética. E, evidentemente, seria bom que a chanceler não estivesse tão determinada em esquivar-se aos debates internos. A democracia vive do confronto de ideias, tão mais fecundo quanto mais diferentes forem as ideias e penetrantes os seus representantes.
Mas a ausência atual de polarização justifica uma tendência crescente para os eleitores se tornarem meros consumidores desejosos que a política “lhes proponha” alguma coisa, em vez de se informarem da oferta política existente? Podemos admitir que Angela Merkel tente adormecer os cidadãos. Mas isso não é razão para nos deixarmos embalar no sono.

Ecos da blogosfera - 21 set.

Eleições alemãs: Nem milagres muito menos presentes

As eleições na Alemanha estão a suscitar um interesse profundo e expectativas sem precedentes no estrangeiro. Para os partidos e para os eleitores alemães, o papel e a influência que o seu país tem na Europa e sobre a Europa é tão evidente que essa questão não é um dos temas fortes da campanha eleitoral.
Em Londres, circula uma piada. A Europa tem 2 capitais. A primeira: Berlim. A outra – após uma pausa para criar suspense: Frankfurt. Na Grécia, corre o boato de que, depois das eleições, o Governo alemão poderá colocar a redução da dívida na ordem do dia.
E, em Espanha, conjetura-se que a questão da liquidação dos bancos ficará decidida em 23 de setembro. Depois das eleições na Alemanha, os principais problemas de ativos tóxicos na Península Ibérica serão resolvidos em conjunto: não há motivo para preocupações.
Não, na Alemanha, ninguém está preocupado. Nesta campanha eleitoral, ninguém fala sequer da Europa. Ninguém pergunta se há novas ideias para fazer face à crise. Esta crise, da qual toda a gente está farta de ouvir falar, talvez tenha atingido o zénite, mas está longe de ter terminado. Ninguém pergunta se haverá risco de liquidação de bancos. Ninguém fala da arquitetura de uma nova Europa, que possa impedir a repetição da crise.
Fascínio das eleições para o Bundestag
Mas será mesmo impensável um referendo sobre uma nova Constituição vir a ser o acontecimento político mais importante da nova legislatura? Uma votação sobre uma nova Constituição, na qual os alemães transferem para Bruxelas alguns elementos importantes da sua soberania?
Muita coisa é possível e as especulações em Paris, Londres e Bruxelas abundam. Talvez nunca, na história do pós-guerra, as eleições para o Bundestag exerceram tamanho fascínio sobre os vizinhos da Alemanha, e isso não se deve apenas ao facto de Angela Merkel se ter tornado a mulher mais poderosa do continente, ou talvez mesmo do mundo. É fácil a política tornar-se compreensível, quando se baseia no exemplo da história de uma vida.
Quem decide e quem paga?
As eleições para o Bundestag são seguidas no resto da Europa quase como uma esperança de salvação, como se, em 23 de setembro, houvesse presentes à espera, como na manhã do dia de Natal. Este clima reflete duas coisas. Por um lado, reflete o peso alcançado pela Alemanha, que domina fortemente o continente no plano económico; na Europa, que tem estado praticamente parada nas últimas semanas, nada se mexe sem a Alemanha. Por outro, reflete a pressão pública para que se faça alguma coisa, pressão essa que tem sido uma vez mais reprimida.
São 4 os países que se encontram sob tutela de emergência dos países do euro. Um deles, a Irlanda, deverá libertar-se dela este ano. Portugal e a Espanha são considerados como estabilizados. A Grécia irá provavelmente precisar de ajuda. Isso é sabido. A questão número dois é o orçamento da UE, que muitos países escrutinam com grande cobiça e que ainda não foi aprovado pelo Parlamento Europeu. O orçamento envolve muito dinheiro, determina a forma como esse dinheiro é distribuído e tem a ver com a campanha que em breve será travada na Europa. Paira no ar um cheiro a forte discórdia.
Contudo, as maiores paixões centram-se na Alemanha, na liquidação dos bancos e na questão central do momento: como deve ser organizada a zona euro, para o problema não se repetir? Essa questão constitui o cerne de todas as políticas: quem decide e quem paga?
Alemanha esforça-se por parecer pequena
A Alemanha, que tem um fortíssimo interesse na sobrevivência do euro, deverá apresentar algumas ideias – sobre a harmonização e o controlo dos futuros orçamentos da zona euro, sobre a adaptação dos sistemas sociais e sobre a distribuição dos investimentos estatais. Terá obviamente de lidar com a questão central: se esses países europeus diferentes poderão alguma vez vir a ter uma competitividade remotamente comparável, ou se serão ou não necessárias transferências de verbas – semelhantes ao mecanismo de igualdade orçamental existente na própria Alemanha.
Tudo isto tem a ver com as questões de direito orçamental e de supervisão parlamentar, que são a base da democracia na Europa. E, no fim, tudo isto poderá levar a uma revisão da Constituição da Alemanha e inclusive ao referendo que será necessário nesse caso. Toda a Europa vê estes problemas e não consegue desviar os olhos da Alemanha. E a Alemanha?
A Alemanha vai ter umas eleições descontraídas, mas, no dia a seguir ao escrutínio, terá de repelir as mãos ansiosamente estendidas, como quem fecha uma janela com toda a força perante uma tempestade de outono. Não se prevê que haja milagres e não vai haver presentes junto à árvore de Natal. Não é provável que Angela Merkel se prepare para mudar de orientação e o SPD também não mostra qualquer entusiasmo adicional por aquilo que se relaciona com o euro. No entanto, prevê-se um novo ritmo de reformas e alguns até poderão estar à espera de um acordo importante. A Alemanha bem pode esforçar-se por parecer pequena, na campanha eleitoral, mas, vista do exterior, continua a ser um gigante corpulento. E Gulliver terá dificuldade em libertar-se das grilhetas que, por isso mesmo, tem à sua espera.

Contramaré… 21 set.

O líder do SPD, o maior partido da oposição na Alemanha, assume divergências com a chanceler e candidata Angela Merkel quanto à ajuda aos países do sul da Europa. Peer Steinbrück afirma que está na altura de dar a mão aos países em dificuldades, mantendo a Europa unida.

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

A hipocrisia institucional é um hábito muito sensato?

O vice-presidente do PSD acusou os representantes do FMI na troika de "hipocrisia institucional" por aquela entidade fazer relatórios em que admite "excessos de austeridade", mas depois nas negociações é "muito pouco flexível".
O dirigente do PSD salientou que "ainda ontem os parceiros sociais saíram altamente descontentes do contacto que tiveram com os representantes da troika".
O ministro da Economia pede ao FMI para ser mais coerente. Pires de Lima comenta, desta forma, o relatório do FMI, onde são reconhecidos os riscos das políticas impostas a Portugal e onde se lê que a austeridade deve ter limites de velocidade. Mas, ao mesmo tempo que no relatório se reconhecem erros, os representantes da troika, onde está o FMI, continuam a insistir na austeridade. Pires de Lima pede coerência.
É uma mensagem de vice-presidente para vice-presidente do PSD. Um dia depois de Marco António Costa ter acusado o FMI de "hipocrisia institucional", Jorge Moreira da Silva veio defender um "hábito muito sensato": não falar sobre a troika enquanto estão a decorrer as avaliações das instâncias internacionais. Foi a resposta do ministro do Ambiente quando questionado sobre as críticas - vindas do próprio PSD - ao FMI.
António Pires de Lima, ministro da Economia, veio afirmar que é importante que às palavras "corresponda uma coerência na execução prática". Pedro Mota Soares, ministro da Solidariedade, Emprego e Segurança Social, também manifestou a expectativa de que as "recomendações venham a concretizar-se em acções". E Rui Machete, ministro dos Negócios Estrangeiros, sublinhou que "ainda não se traduziram no terreno as considerações filosóficas veiculadas pelos organismos superiores do FMI".
Claro que depois de alguém ler as conclusões de (mais) um relatório de um economista-chefe do FMI, que contradiz totalmente a praxis dos seus funcionários, tem que “gritar alto e bom som”, que a Lagarde vai nua (salvo seja!).
Por maioria de razão, os primeiros vitupérios a ouvir-se deveriam partir do próprio governo ou dos seus ministros e em último caso dos partidos que o suportam (embora quem os suporte, mesmo, sejamos nós).
Vai daí não se entender o sururu que nasceu de um vice-presidente do PSD (Marco António) denunciar essa hipocrisia institucional, acompanhado de um ministro do mesmo partido (Rui Machete) e de mais 2 ministros do CDS (Pires de Lima e Mota Soares), sem que o Presidente do PSD e PM os tenha censurado…
Mais estranho ainda é um outro vice-presidente do PSD (Moreira da Silva) e atual ministro do Ambiente (terá sido por isso?) ter puxado as orelhas a todos os “dissidentes”, sugerindo-lhes o silêncio cúmplice, justificando tal comportamento como “um hábito muito sensato” (sensata era a minha tia e morreu!)…
Em contrapartida, os funcionários da troika, obedecendo à mesma tática de “um hábito muito sensato”, logicamente aconselhados por outro qualquer “Moreira da Silva”, nas reuniões com todos os interlocutores (que convidam), fazem o papel de “múmia paralítica”, entrando mudos e saindo calados, uma atitude insultuosa, se o objetivo dos encontros é dialogar…
Assim sendo, até parece que a hipocrisia, para além de institucional, é um hábito, mas muito pouco sensato ou mesmo imprudente!
E se a hipocrisia está institucionalizada no FMI, que não se institucionalize no Governo (já não se vai evitar), muito menos nos partidos (mesmo nos do poder) e menos ainda nos cidadãos (que não se calem)!
Bote-se a boca no trombone!
A troika aterrou na segunda-feira em Lisboa, com vento de norte e os juros da dívida portuguesa a ultrapassarem os 7%. É uma troika nova, com 2 novos técnicos: o irlandês John Berrigan (CE) e Subir Lall (FMI) – Subir é nome, não é alcunha. Infelizmente, para nós, o FMI foi buscar o único indiano que acha que não há vacas sagradas.
João Quadros
Os parceiros sociais, que estiveram reunidos com a troika, dizem que os credores internacionais se mantiveram em silêncio durante toda a audiência e não responderam a nenhuma das perguntas. Justificaram-se dizendo que não se podem pronunciar porque "estão de chegada". – Não falo enquanto não comer um pastel de Belém – terá dito um deles. O principal problema é mesmo esse. Ao contrário do prometido, eles não estão de partida.
Segundo António Saraiva, presidente da Confederação Empresarial de Portugal, "os 2 novos responsáveis vieram com uma lição estudada de manter silêncio" e aguentam olhos nos olhos sem piscar durante 12 minutos. Têm "uma postura de robot", disse Arménio Carlos. Até parece que têm uma cassete – terá acrescentado o líder da CGTP.
Vi as imagens do encontro e acho que os cobradores do fraque da troika estão com ar de: "meus amigos, até o Costa Concordia já regressou aos mercados". Subir Lal respondeu a todas as respostas com um: "Nom compriendo espanol". E o John Berrigan estava a pensar: "não percebo o que eles dizem, mas estes tipos parecem gregos."

Ecos da blogosfera - 20 set.

Eleições alemãs: A outra face (do sucesso) do Euro…

Na Baixa-Saxónia, no “pneu de gordura” alemão, as condições de trabalho dos operários da indústria da carne ilustram o reverso da medalha do sucesso do país. No centro do debate está a instauração de um salário mínimo: a velha reivindicação dos social-democratas é atualmente invocada pelo partido de Angela Merkel. Excertos.
As razões que levaram Stefan Petrut a deixar a Roménia para ir trabalhar para a Alemanha são simples: “dinheiro”. Aquele homem grande, com cara de boa pessoa, que de modo algum deixa transparecer os seus trinta anos de trabalho nos matadouros a cortar carne, não se esconde. Tinha muita falta de dinheiro em Buzau, a sua cidade natal, a 100 quilómetros de Bucareste.
Assim, em 2008, o seu amigo Nicolaï falou-lhe desse trabalho de cortador de carne na Baixa-Saxónia, em Essen-Oldenburg, em que se ganhava 1600 euros por mês. “Disse-lhe logo que sim. Já estou a caminho.” Uns dias depois, Stefan, na época com 46 anos, deixou para trás uma filha já crescida mas levou a mulher, Luminata, costureira. Ela deixou os seus trabalhos de agulha para se converter em esquartejadora de animais. Das quatro da tarde às duas da manhã, incluindo as pausas. Era bom de mais.
No início correu tudo bem. A não ser o pequeno apartamento num edifício de tijolo, em Quakenbrück, a 10 quilómetros do matadouro, que Stefan e Luminata tinham de partilhar com 2 outros casais. Uma única casa de banho para os 6. Tudo por 175 euros por pessoa, por mês, pagos “ao patrão”. A mesma pessoa que dirigia o matadouro.
Exploração
Mas ao fim de uns meses, o funcionamento da empresa mudou. Acabou-se o ordenado fixo e, agora, Stefan e a mulher passam a ser pagos à peça: 1,31 cêntimos (0,0131 euro) por cada porco cortado por Stefan, 0,98 cêntimos pela mulher. Corpulento e exercitado, Stefan consegue desmanchar 700 animais por hora, ou seja, ganhar um pouco mais de 9 euros à hora. Mas Luminata não tem esse ritmo. Pior, alguns dias depois, deixa de haver porcos. A empresa Danish Crown, uma grande indústria de carne que comprava os animais no matadouro de Stefan, quer trocar esse seu subcontratado por outro, mais barato.
“Sem porcos não havia dinheiro”, resume Stefan num francês aprendido na escola. Ele e a mulher passam, então, a viver com 500 euros mensais. E depois, nem isso. O matadouro faliu. Foram ambos despedidos sem sequer receberem os 5.000 e tal euros que ainda lhes deviam.
Na Baixa-Saxónia, o caso destes romenos é apenas um exemplo, entre muitos outros, de mão-de-obra estrangeira que pouco conhece dos seus direitos e que quase sempre é deliberadamente mantida na ignorância. Desde há um ano que a imprensa local faz eco das histórias mais ou menos sórdidas que se passam no “pneu de gordura” da Alemanha, campeã europeia de exportação de carne.
Ao longo dos anos, as nacionalidades “convidadas” mudam mas o cenário mantém-se. Um salário de miséria que por vezes não ultrapassa os 2 ou 3 euros por hora e condições de alojamento indecentes. “Há umas semanas, fui alertado por um espanhol que trabalha num matadouro de aves e que não recebe salário. Descobri que ele e outros 70 espanhóis viviam nos 180 m2 de um restaurante que tinha fechado”, conta Matthias Brümmer, responsável regional do sindicato da indústria alimentar NGG.
Íman para as multinacionais de carne
 “Ainda não vi gregos por aqui. Mas a indústria procura e encontra sempre o que quer onde a miséria é maior”, diz ele, revoltado. “Esses industriais gabam-se de tratar corretamente os animais, mas tratam os seus empregados como bestas!”
Na outra margem do Reno, não é imposto qualquer salário mínimo à indústria de carne. Além disso, sob o Governo de Gerhard Schröder (SPD) foi introduzida uma cláusula que permite ao empregador alemão “alugar” mão-de-obra a uma empresa estrangeira, romena ou búlgara, por exemplo. Nesse quadro, os empregados ficam submetidos ao direito de trabalho do seu país de origem, frequentemente menos favorável. Ao permitir aos industriais o recurso a uma mão-de-obra barata, a Baixa-Saxónia tornou-se um íman para as multinacionais de carne. Empresas como a Danish Crown, mas também a holandesa Vion estão ali representadas, a par das alemãs Tonnies, Westfleisch, entre outras.
Resultado, nesta região agrícola, o desemprego é um pouco mais alto (6,5% em agosto, segundo a agência para o emprego) e, apesar do automatismo da profissão, a indústria ainda emprega 142.000 pessoas e mais de 200.000, se se contarem os trabalhadores “alugados”, garante Brummer. “Atualmente, se a Alemanha parasse de produzir carne, haveria fome na Europa!”, brinca.
Para ele, tal como para muitos alemães, este resultado não representa sucesso. “Tenho vergonha. Quando vou ao estrangeiro e me fazem perguntas sobre este assunto, sinto-me incapaz de dar uma justificação”, afirma Alexander Herzog-Stein, especialista em mercado de trabalho no instituto IMK, próximo dos sindicatos.
E depois, a seguir à carne virá o combate pelos empregados da hotelaria, da restauração e pelos funcionários dos cabeleireiros, cujos salários, dizem-nos, não ultrapassam os 2 ou 3 euros à hora…

Contramaré… 20 set.

Se todas as crianças tivessem a mesma oportunidade de acesso ao ensino, o rendimento per capita aumentaria 23 % nos próximos 40 anos, indicam as estatísticas reveladas pela Unesco.
Os dados preliminares do estudo sobre a educação em todo o mundo confirmam que a "educação possui uma incomparável capacidade de reduzir a pobreza extrema" e potenciar objetivos de desenvolvimento de maior amplitude. Os novos dados "confirmam que a educação pode melhorar a vida e a sociedade", mas, como sublinhou Irina Bokova, diretora-geral da Unesco, os "objetivos internacionais em matéria de educação não foram cumpridos".

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

O Poder e o Poderio acham ótimo, mas os cidadãos…

A maioria dos europeus (60%) considera que o uso do euro tem sido mau para as economias. Ainda assim, prefere manter-se no euro a voltar às moedas anteriores.
Não obstante a duplicação dos cidadãos que acham mau pertencer à UE, a maioria (57%) ainda vê vantagens nisso para as economias nacionais.
A crise é quem mais ordena e o último inquérito internacional Transatlantic Trends demonstra-o: 90% dos portugueses dizem sentir-se pessoalmente afetados pela crise económica, sendo a percentagem mais alta entre os países europeus estudados. A título de comparação, a média europeia é de 65% e a dos americanos 75%.
A título ilustrativo, os portugueses são dos que mais desaprovam a gestão da crise pela líder alemã Angela Merkel (65%), enquanto a média europeia de desaprovação é de 42%. Os números variam muito consoante os países, sendo que é naqueles mais afetados pela crise que mais se faz sentir essa desaprovação.
Mais portugueses consideram também agora que o euro tem sido mau para a economia (65% - mais 10% do que em 2012), embora 55% o queiram manter. A nível europeu, a média em desfavor do euro é de 60%, a favor 30%.
Os portugueses são aliás aqueles que, depois dos italianos, pensam que o sistema económico é mais injusto e só beneficia alguns (92%). Só 15% dos europeus, 25% dos americanos e 23% dos turcos estimam que o sistema funciona de forma justa para todos.
Por estes dias, já muitos portugueses perderam as ilusões quanto à mudança que acreditavam poder acontecer na Europa após as eleições alemãs. O embaixador da Alemanha em Lisboa não podia ser mais claro: “De todos os modos, teremos sempre no governo um leque de partidos pró-europeus e apoiantes dos programas de assistência, como o que está em curso em Portugal” (“Jornal de Negócios”, 16 Set. 2013).
Jorge Bateira
À medida que nos aproximamos de mais uma ronda de negociações com a troika, torna-se evidente que o essencial da austeridade não é negociável. Salta à vista que, pelo menos no caso da Comissão Europeia e do BCE, a troika está determinada a impor uma reconfiguração do Estado social para que este deixe de ser o eixo de uma sociedade que aspira a níveis mais elevados de justiça social. O princípio neoliberal da “livre escolha”, na saúde e na educação, é agora abertamente defendido pelo governo e os países onde esta matriz ideológica alcançou o poder são apontados como os bons exemplos que deveríamos seguir.
De facto, a chamada “assistência financeira” ao país não visa colmatar um problema temporário de tesouraria. Tendo constatado os sintomas de um impasse no modelo de desenvolvimento do país, sobretudo desde que se integrou na UEM (défice externo persistente, acumulação da dívida externa, desindustrialização, desemprego elevado), o Memorando impôs-nos uma mudança inspirada nos princípios do Consenso de Washington e no ordoliberalismo alemão. Ao contrário das anteriores ajudas do FMI, esta intervenção da troika atropela a Constituição da República Portuguesa porque condiciona o financiamento à consagração de um modelo social e político de matriz neoliberal que, na sua institucionalização, viola princípios constitucionais basilares.

Ou seja, do ponto de vista do eixo Berlim-Frankfurt, Portugal ainda pode ser um caso de sucesso. Apenas precisa de colocar na Constituição o Tratado Orçamental para impedir políticas orçamentais contracíclicas, reconverter o Estado social num pobre Estado para pobres, destruir a classe média e os mecanismos de ascensão social que a mantêm, reduzir ainda mais 30% aos salários do sector privado (excluindo gestores e administradores), fazer da emigração uma válvula de escape das tensões sociais e, sobretudo, impregnar a sociedade portuguesa de uma sensação difusa, misto de culpabilidade e inevitabilidade. Quando tivermos chegado aí, a economia entrará numa estagnação duradoura, alternando pequenas recessões com períodos de crescimento sem criação de emprego. Portugal será então um país simpático e (ainda mais) barato para os reformados da Europa rica. Não terá dinheiro para manter as infraestruturas públicas em todo o país, mas cuidará das zonas de acolhimento dos turistas, como se faz em Cuba.

Se continuarmos à espera dos resultados das eleições alemãs, ou das que virão a seguir para o Parlamento Europeu, é este o futuro que nos espera. Um futuro que trai miseravelmente o esforço de sangue, suor e lágrimas das gerações que nos precederam e tornaram Portugal uma comunidade, um Estado-nação com uma cultura de que nos orgulhamos e que enriqueceu a Europa e o mundo. Após décadas de ditadura, o país ainda anda à procura do seu modelo de desenvolvimento, talvez mesmo da sua identidade, possivelmente a de ser um elo de confiança entre a Europa e outros continentes, mas é um país profundamente solidário. Apesar de traído pelas suas elites, europeístas a qualquer preço, talvez Portugal ainda encontre energia para recusar tornar-se numa Detroit do extremo ocidental da Europa. Talvez sejamos capazes de recusar o estatuto de autarquia local europeia que nos preparam, um território empobrecido e sem instrumentos relevantes de política económica. Talvez sejamos capazes de construir uma alternativa política que nos devolva a esperança. Talvez.

Ecos da blogosfera - 19 set.

Uma narrativa pessoal, longe de ser um ensaio…

O historiador britânico, Antony Beevor, em entrevista ao i, diz acreditar que os alemães não querem liderar politicamente a União Europeia, ao contrário da França.
Luís Rosa e Pedro Rainho
Visitou Portugal pela primeira vez na semana passada para participar no encontro anual da Fundação Manuel dos Santos, dedicado à relação de Portugal com a Europa no presente e no futuro. Desiludido por Lisboa não ser uma "bicycle city", culpa das 7 colinas e não só, Antony Beevor ficou ainda espantado na sua primeira visita a Portugal com o número de pessoas receosas de uma tentação hegemónica da Alemanha sobre o resto da Europa. O historiador britânico, profundo conhecedor da história alemã do séc. XX, acredita que os alemães não querem liderar politicamente a Europa, estando mesmo bastante relutantes em controlar economicamente os restantes países europeus. Beevor alerta que a Europa pode entrar em declínio económico se não revir as suas políticas ambientais, que impedem a descida do preço da energia e, consequentemente, o crescimento industrial.
A crise da dívida soberana colocou em confronto 2 Europas: a Europa do Norte e a do Sul. A primeira, com a Alemanha, Holanda e os países nórdicos a liderar, diz que a segunda andou a esbanjar o dinheiro dos seus contribuintes e que não pode continuar a ter défices consecutivos. A segunda diz que necessita de investir para combater as desigualdades económicas e sociais que a separaram do norte da Europa. Este clima significa que o projecto europeu, que tem a solidariedade como principal sustentáculo, morreu?
Há um paradoxo terrível. A União Europeia, que foi desenhada para, através da unificação, prevenir o conflito e reduzir o nacionalismo, está neste momento a provocar esse mesmo nacionalismo. Porque o sistema do euro foi um enorme desastre. Nunca foi pensado, foi um projecto político, em vez de um projecto económico, uma ideia para acelerar a unificação sem ter em consideração os perigos envolvidos.
A que perigos se refere?
Se uma parte da Europa tem uma produtividade 20% inferior à zona a norte, surgirá, inevitavelmente, um desequilíbrio económico. Se olharmos para os países recentes - a Bélgica, de 1830, a Itália, de 1860 -, não encontra esse sentido de solidariedade entre o norte e o sul, ou entre a Flandres e a Valónia. Como Estados-nações, não têm o sentido de solidariedade inter-regional que encontra em países muito mais antigos. Em Inglaterra houve sempre a ideia de que Londres e o sudeste teriam de subsidiar o norte. A atitude, agora, é, naturalmente, a de se questionar porque haverão de continuar a financiar a Escócia se eles querem a independência.
Em Espanha, por exemplo, uma parte do país também rejeita ter de continuar a financiar outra parte.
Com a Catalunha é diferente. A região convenceu-se de que é o protagonista do crescimento financeiro quando, na verdade, é a região de Madrid que gera mais riqueza. A região ainda acredita que ocupa uma posição de destaque.
Falávamos do projecto europeu.
A teoria da União Europeia foi a de que só a unificação preveniria uma nova guerra na Europa. Mas isso é um disparate. A verdadeira questão é a da democracia. As democracias não se digladiam. É uma questão de governação. A União Europeia provocou aqueles mesmos nacionalismos que tinha esperança de que desaparecessem.
Resultado da crise?
Ainda antes da crise, nas eleições francesas, Le Pen venceu os socialistas, atirando-os para 3.º lugar. O governo de Sarkozy simplesmente não percebeu o que se tinha passado. Viviam num mundo absolutamente falsificado. As pessoas não perceberam que muitos dos que votaram em Le Pen nem sequer gostavam de Le Pen. Votaram em protesto contra as elites políticas em Paris e em Bruxelas, porque sentiam que elas estavam a perder o controlo sobre a situação. Isto antecede a crise económica causada pelo euro. O verdadeiro perigo não é o de uma guerra entre Estados. É ridículo dizer que essa foi, alguma vez, uma preocupação a ter em conta. A verdadeira preocupação deverá ser a da frustração e da agitação social.
Nos países do sul?
Estou convencido de que começará em Paris. No passado, os protestos em Paris levaram sempre a que o governo recuasse e entregasse o dinheiro, fosse pelo que fosse. Mas os governos não poderão ceder, no futuro. Simplesmente porque não haverá dinheiro, porque será controlado a um nível muito mais central e isto não vai alterar-se com as eleições gerais na Alemanha. Há, na verdade, uma ideia muito forte na Alemanha, entre os contribuintes, de que não vão querer pagar os problemas da Europa do Sul. A ideia fantástica de que teríamos uma noção de solidariedade entre todos os países europeus foi uma ilusão desde o início.
Outro facto interessante desta crise foi a confirmação de que quem manda é a Alemanha.
Está, de facto, no comando. A Alemanha não quer estar politicamente nessa posição. Os franceses sempre estiveram convencidos de que poderiam controlar a União Europeia, enquanto os alemães financiavam esse projecto. A burocracia europeia foi instituída pelos gens technocrates [os tecnocratas] de Vichy. Esta é uma questão que as pessoas tendem a desprezar e é uma das razões para que haja um sentimento negativo em relação à democracia. Esse é o grande problema, porque, na verdade, o elemento-chave é a democracia. Sem uma democracia efectiva, as pessoas vão perder toda a crença no processo de decisão, quer estejam na capital, quer - mais ainda - estejam distantes de Bruxelas.
No sul, a forma como Angela Merkel e as instituições alemãs têm conduzido a agenda europeia tem reavivado a ideia da Alemanha imperial. Esta é uma percepção justa?

Contramaré… 19 set.

O secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, apresentou as conclusões dos peritos que investigaram o ataque químico de 21 de Agosto nos arredores Damasco, capital síria. "A missão concluiu que foram usadas armas químicas numa escala relativamente larga em Ghuta, Damasco, a 21 de Agosto. O ataque causou inúmeras vítimas, sobretudo entre a população civil", disse.
Ban Ki-moon afirmou que a investigação não pôde apurar cabalmente a autoria do ataque nem o número de vítimas causadas.

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Ao cuidado dos funcionários (do FMI) da troika…

Uma equipa de técnicos do FMI, liderada pelo economista-chefe Olivier Blanchard, defende, num relatório tornado público esta terça-feira, que as políticas defendidas pela instituição ao nível orçamental mostraram, desde o início da crise financeira em 2008, estar erradas em muitos pontos essenciais.
Ao contrário do que era norma antes da crise, o Fundo diz agora que as medidas de austeridade devem ser aplicadas de forma progressiva, com cuidado, para não provocarem um efeito contraproducente na economia, tendo em conta problemas como a desigualdade e contando com a ajuda dos bancos centrais através da compra de obrigações.
Um dos principais pontos em destaque é qual a carga de austeridade que deve ser imposta num país que tenha como objectivo a consolidação das suas contas públicas. Em linha com outros estudos que já vinham publicando nos últimos meses, os técnicos do FMI arrasam a ideia – até aqui central nas políticas do Fundo em programas de países como Portugal – de que pode haver "consolidações orçamentais expansionistas", ou seja, que, ao corrigir défices excessivos, um Governo poderia estar a ajudar a economia, já que aumentaria a confiança dos agentes económicos.
Os técnicos do FMI dizem agora que "os mais famosos episódios de contracções expansionistas na Europa nos anos 80 e 90 foram criados mais pela procura externa do que interna" e que "não parece que efeitos de confiança tenham desempenhado um papel importante nesta crise".
O relatório volta a assinalar que os multiplicadores na política orçamental (os efeitos que os orçamentos têm na economia) são, numa fase de crise como a actual, com as taxas de juro dos bancos centrais já a zero, bastante mais elevados do que aquilo que era inicialmente pensado.
Este facto leva, por um lado, à conclusão de que, quando a crise financeira colocou as economias em recessão, foi positiva a criação de estímulos orçamentais em muitos países. Por outro lado, a "escolha de uma velocidade apropriada do ajustamento tem de pesar os custos (efeitos negativos no crescimento a curto prazo) contra os benefícios (redução do risco soberano)".
É por isso que, no relatório, os técnicos do FMI abandonam a ideia de que uma consolidação deve ser feita de forma rápida e com a austeridade a centrar-se na fase inicial do ajustamento [frontloading]. "Um frontloading excessivo pode prejudicar o crescimento a um ponto que ponha em causa a coesão social e política, enfraquecendo, em vez de reforçar, a confiança dos mercados", diz o relatório, defendendo que a consolidação orçamental seja feita de forma mais progressiva.
Para países como Portugal, que estão sob pressão dos mercados ou que perderam mesmo o acesso aos mercados, o FMI diz que "poderá não haver muita escolha" e que uma austeridade mais rápida pode ser inevitável. Ainda assim, diz que, mesmo para estes países, "há 'limites de velocidade' que devem ser levados em conta para cumprir o desejado ritmo de ajustamento".
Em relação ao tipo de medidas que devem ser usadas nos processos de consolidação, os técnicos do FMI dizem que, antes da crise, os cortes de despesa eram vistos como mais adequados do que os aumentos de receita. No entanto, agora, declaram que não há conclusões definitivas sobre qual o tipo de medida com mais impacto e afirmam que "novos estudos sugerem que grandes consolidações baseadas na despesa tendem a aumentar as desigualdades e que essa maior desigualdade pode ameaçar o crescimento". Por isso, concluem, "aumentos de receita podem ser uma componente importante dos pacotes de consolidação".
O Fundo assume também mudanças nas políticas consideradas adequadas em questões como a intervenção dos bancos centrais ao comprar dívida pública e a utilidade, na zona euro, de um mecanismo de partilha de risco entre os países, como os eurobonds.
O relatório, intitulado Reassessing the Role and Modalities of Fiscal Policy in Advanced Economies, foi apresentado ao conselho executivo do FMI no passado mês de Julho. Este órgão reuniu-se de forma informal para o estudar e não houve decisões sobre estas matérias.
Penso que é já o 3.º relatório do FMI, liderado pelo economista-chefe Olivier Blanchard, que contraria as teorias e aa medidas impostas aos países “resgatados” pelas troikas, de que o FMI faz parte, para além de outros relatórios de outros especialistas do Fundo e umas teses montadas e desmontadas (por independentes), que chegam à mesma conclusão: a Austeridade pode ter benefícios, mas são mais os malefícios, pelo que é preciso ter muito cuidado com a sua aplicação cega, sem medidas de crescimento e depressa demais.
Invariavelmente, estes relatórios tem sido “arquivados” como se de trabalhos “académicos” se tratassem e, invariavelmente, a Direção do FMI tem mantido surda e cegamente as mesmas receitas, deixando a impressão de estar a cumprir ordens de quem não tendo razão, mas tendo dinheiro em jogo, só quer o deles, mesmo contrariando a realidade, que vem piorando a situação dos países “ajudados”, concretamente a dupla Shaüble/Merkel.
Por um lado, não se entende que um economista-chefe não tenha autoridade para impor as conclusões dos trabalhos científicos, por outro lado não se compreende que um economista-chefe, depois de desautorizado, cientificamente, se mantenha no mesmo cargo, continuando a fazer mais estudos que chegam às mesmas conclusões. Mas o problema é dele, embora sejamos nós a pagar a conta…
Resumidamente, deste relatório, a conclusão que podemos tirar é de que todas as medidas até agora aplicadas não resultaram, não resulta, nem resultarão, antes pelo contrário, terão efeitos perversos e contrários.
Dito isto, e estando a troika neste momento a fazer 2 avaliações em 1 (tinham que gozar férias e é preciso poupar) e depois de lermos estas “teorias de esquerda ‘radical’”, fica-nos a esperança, quase certeza, de que algo irá mudar no futuro próximo, no que às consequências para o quotidiano do cidadão comum diz respeito, mas…
Como antes, e já com relatórios idênticos publicados, tudo continuará irracionalmente inalterado pelos funcionários da troika, mesmo do funcionário do FMI, que obedece ao poder e se esquece da teoria do seu economista-chefe…
E porque o que os “chefes” da troika querem é guita, venha ela de onde vier, mas de preferência das obrigações e serviços sociais do Estado (cá por coisas), privatizações de empresas públicas rentáveis (cá por coisas), embaratecimento da mão-de-obra (cá por coisas) e empobrecimento da classe média (cá por coisas), se assim não fosse, poderiam ir buscar bastante, do Estado, a quem lhe deve e nos é devido e que resolvia algumas injustiças:
Não há dados sobre o montante global da dívida destes 238 grandes devedores, mas se cada um estiver em falta com um montante próximo do patamar mínimo considerado, a regularização destas situações faria entrar nos cofres do Estado cerca de 282.000.000 de euros - um valor idêntico ao que o Governo pretende poupar com o aumento da idade da reforma para os 66 anos e com o agravamento do fator de sustentabilidade.

Ecos da blogosfera - 18 set.

“Dividir para imperar” e/ou “rica e mal-agradecida”…

Potência hegemónica, mas temerosa da ideia de dominar, consciente da sua história. Voluntariosa, mas contemporizadora até à neurastenia. Estas contradições explicam a quantidade de lugares-comuns sobre um país que vota a 22 de setembro.
São tentativas de traçar a análise psicológica de um poder óbvio, agressivo, cuidadosamente dissimulado por Berlim e que as capitais da União não sabem como travar. A Europa inteira alimenta-se desses estereótipos desde que foi assaltada pela crise e espera, fascinada, inerte, pelo resultado da eleição. A renovação do Parlamento alemão, no dia 22 de setembro, antecede apenas uns meses as eleições europeias de final de maio. Dentro da União, essa votação é considerada o 1.º ato de um drama que implica o continente e que tem por protagonista uma democracia europeia doente.
Graças aos lugares-comuns, o drama transforma-se em conto de fadas, que os próprios alemães cultivam, por um lado, para descobrir para onde vão, por outro para se justificar. O conto fala de uma Alemanha – ainda e sempre “pálida mãe”, como na poesia de Brecht – ansiosa por deixar de ser “entre as nações, achincalhada ou temida”. Lúcida nos seus juízos e devotada à Europa, mas entravada pelo nacionalismo dos países vizinhos, com a França à cabeça. Nas páginas do Guardian, o ministro das Finanças, Wolfgang Schäuble, corroborou essa narrativa ficcional: “Não queremos uma Europa alemã. Não pedimos aos outros que sejam como nós”.
Ora os alemães são muito determinados, bastante mais do que dizem. E mostram-no com o ímpeto de quem defende não apenas doutrinas económicas, mas visões morais solenes (a dívida como culpa). Wolfgang Schäuble convida os parceiros a não usarem estereótipos nacionais; mas o seu raciocínio, minimizador, está também a tornar-se um estereótipo, que a realidade desmente todos os dias. A expectativa passiva do voto alemão sela um poder hegemónico considerado imutável, sem alternativa: tal como as políticas de austeridade impostas por Berlim, falando em nome de todos os povos da União Europeia.
Soberania ilusória dos Estados
As mentes mais lúcidas são intelectuais de língua alemã – os filósofos Jürgen Habermas e Ulrich Beck, o escritor Robert Menasse, o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros Joschka Fischer. Desde o início da crise, têm denunciado a grave regressão nacionalista do seu país. Dos partidos políticos, apenas os Verdes fazem um diagnóstico independente. Joschka Fischer, que é um dos seus dirigentes, acusa o Governo de ter despertado, ao fim de mais de 60 anos, a velha preocupação pela “questão alemã”. Angela Merkel é suspeita de querer voltar a uma Europa de Estados soberanos: a mesma Europa baseada no equilíbrio entre poderes concorrentes que se defrontaram nas guerras dos séculos passados e contra os quais foi erguido, na década de 1950, o baluarte da Comunidade Europeia.
Não são suspeitas infundadas. Lentamente, a chefe do Governo abandonou o europeísmo que professava em fevereiro de 2012 e, para já, fechou as portas que tinha entreaberto. Sentiu crescer em torno de si os neonacionalistas (o novo partido Alternativa para a Alemanha (AFD) tanto recolhe votos à esquerda como à direita) e adaptou-se rapidamente à situação. Os seus discursos, como os seus atos, “são desprovidos de qualquer núcleo normativo”, lamenta Jürgen Habermas. Daí ter-se aliado ao Reino Unido, quando [o primeiro-ministro britânico] David Cameron vetou qualquer aumento no orçamento da Comunidade: conjuntamente, negaram políticas europeias de combate à austeridade sobre os países.
No dia 13 de agosto, na televisão alemã, a chanceler como que se livrou de um fardo: “A Europa deve coordenar-se melhor, mas considero que nem tudo deve ser feito em Bruxelas. Deve ser encarada a hipótese de devolver algumas atribuições aos Estados. Discutiremos isso a seguir às eleições”.
Para o escritor austríaco Robert Menasse, as raízes do mal que assola o euro são mais políticas e democráticas do que económicas: residem no poder que os Estados estão a recuperar – uma reconquista que não é de hoje, mas que vem desde a adoção do Tratado de Lisboa, em 2007, em vez de uma constituição federal. Foi a partir dessa data que os Estados – conselhos de ministros, cimeiras de chefes de Estado e de Governo – começaram a recuperar o controlo, alegando uma soberania ilusória, mas não menos altiva, que vai corroendo o poder das instituições supranacionais.
Falhas de arquitetura do euro
As falhas de arquitetura do euro são bem conhecidas: decorrem da falta de união política e económica. Ora, estamos a responder a esses problemas aumentando-os, em vez de os reduzirmos.
Numa Europa em que os Estados são novamente senhores, é inevitável que seja a maior potência económica a assumir o comando. Papel a que a Alemanha se entrega não sem malícia, ao ponto de Ulrich Beck recordar o modelo de Maquiavel, quando descreve o império acidentalmente instituído por Berlim: “Tal como Maquiavel, Angela Merkel aproveitou a oportunidade que se lhe apresentou – a crise – e alterou a relação de forças na Europa”. A União deixa de ser comunidade quando os países “devedores-pecadores” [em alemão, “dívida” e “pecado” são a mesma palavra] são humilhados, envolvidos pela designação “periferia Sul da Europa”. Aí reside a explicação para o desaparecimento de qualquer “núcleo normativo” e para a volatilidade das posições alemãs: sobre os poderes a restituir às capitais, sobre uma federação europeia ou sobre a união bancária, inicialmente desejada e depois rejeitada para melhor proteger os interesses dos bancos alemães. Deixemos de novo a palavra a Ulrich Beck: “O príncipe, disse Maquiavel, só se deve ater ao discurso político da véspera, se, hoje, ele lhe trouxer vantagens”.
As veleidades isolacionistas do AFD aceleram esta regressão. Se o partido entrar para o Parlamento, o país vai mudar de cara, mas sem se colocar à margem da Europa, como fez o Reino Unido: a Constituição prescreve-lhe a Europa (artigo 23, revisto em 1992); mas a Europa desejada não é federal.
O último lugar-comum tem a ver com a memória. Na Alemanha, a política da memória tem lacunas singulares. Lembramo-nos da inflação em Weimar, mas não da deflação e austeridade adotadas nos anos 1930-1932, pelo chanceler Brüning, que assegurou o sucesso eleitoral de Adolfo Hitler. Lembramo-nos do nacional-socialismo, mas não do que aconteceu em seguida: a redução da dívida alemã, generosamente concedida em 1953 por 65 Estados (entre os quais a Grécia). Mesmo o mito da Alemanha que aprende com a História fica parcialmente prejudicado se não se quiser dividir a Europa entre centro e “favelas”: entre santos e pecadores que, ainda por cima, “se coordenam”, esquecendo-se pelo caminho da solidariedade da “comunidade”, que em tempos lhe foi dada e que com demasiada displicência abandonou.