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sábado, 25 de fevereiro de 2012

Os “CARETOS” do nosso descontentamento…

1. Eis que o Governo resolveu adotar a última inovação em matéria de austeridade. O último grito da moda da luta ao desperdício e à pieguice (Passos Coelho dixit) dos portugueses: acabou-se o Carnaval! Acabou-se a fanfarra! Agora, no Carnaval, vais trabalhar - senão o Passos Coelho leva a mal!
2. Porque razão o Governo acabou com o feriado do Carnaval? Fácil: primeiro, porque pretendeu dar uma imagem de grande rigor, trabalho e disciplina na aplicação das medidas previstas no memorando - o que implica dar um sinal claro de que acabou o facilitismo ou a benevolência (?) para com os trabalhadores. O Governo de Passos Coelho não podia, pois, manter o feriado do Carnaval no momento em que a troika veio a Portugal para fiscalizar o cumprimento da sua receita para "curar" as finanças públicas nacionais (note-se que a troika já estivera em Portugal, com o mesmo fim, com o país paralisado em virtude de feriado no último verão); em segundo lugar, seria incongruente com a política de redução de feriados do Governo manter o Carnaval com tal estatuto. Finalmente, em terceiro lugar - e este é o argumento principal, que passou despercebido por vários comentadores políticos - o Governo tentou dar uma imagem de firmeza para a opinião pública, criando uma tensão com o poder local e até responsabilizando os privados.
Ou seja: o Governo de Passos Coelho não trabalhou apenas para a sua imagem externa junto da troika, mas sobretudo visou granjear o apoio da opinião pública recorrendo a um dos clichés habituais da vida política portuguesa (a de as autarquias locais são o "cancro" financeiro da nossa democracia; os principais esbanjadores de dinheiro). Como? O Governo já sabia que um número relevante de Câmaras Municipais iria obviamente dispensar os seus trabalhadores no dia de Carnaval: porque, afinal de contas, investiram na própria organização dos festejos do Entrudo e isso poderia beneficiá-las em termos de captação de turistas.
Ora, este era o pretexto ideal para o Governo criar um antagonismo entre aqueles que querem acabar com o regabofe, com a irresponsabilidade nacional (o Governo) e aqueles que querem manter os mesmos vícios de sempre, os gastos irresponsáveis de outrora (leia-se, o poder local). Até o timing da divulgação da decisão do Governo foi escrupulosamente calculada: em vez de anunciar logo no momento em que se discutiu a abolição dos feriados, o Governo aguardou pelo período carnavalesco para dizer aos portugueses que o Carnaval é, apenas, mais um dia de trabalho.
Politicamente, o cálculo do Governo é o seguinte: a nossa política global já se pauta pela austeridade; a situação no presente ano será ainda pior; logo, a única forma de conquistar o apoio (ou a compreensão dos portugueses) é assegurar a coerência da nossa política de rigor e esforços. Isto, claro, parte do pressuposto que está bem assente na cabeça de Passos Coelho de que há uma "maioria silenciosa" de portugueses que aspiram por uma ruptura com as práticas e as mentalidades políticas dos últimos anos. O problema é que esta mudança é mais uma operação de marketing do que uma mudança efectiva: e aqui tão próximos, tão semelhantes que são os Governos de José Sócrates e Passos Coelho!
3. Para animar a polémica, eis que surgiu o indefetível Miguel Relvas a ajudar à festa: segundo o nosso ilustre primeiro-ministro oficioso, as autarquias, que estão largamente endividadas, foram irresponsáveis ao não acatar a decisão do Governo de não dar tolerância de ponto aos seus funcionários. Eis a prova de que não há Carnaval, mas há ainda bombos da festa no Governo - é que ouvir Miguel Relvas a falar de rigor é, no mínimo, risível. Oh, meu caro Miguel Relvas, o senhor foi ministro no Governo de Durão Barroso; foi ministro no Governo de Santana Lopes - executivos em que a nossa dívida pública não abrandou! E já então se falava em apertar o cinto! E ao contrário da administração central - em que quando há necessidades de financiamento asfixiam-se os portugueses com impostos - que esbanja o dinheiro muitas vezes não em benefício de todos os portugueses, mas sim de alguns amigos políticos, as autarquias têm melhorado o nível de vida de muitas pessoas.
É claro que o poder local tem muitos defeitos: mas foi uma das conquistas mais extraordinárias da democracia. As autarquias e os autarcas têm contribuído para o desenvolvimento social de Portugal. Há que corrigir as suas falhas, mas não estigmatizá-las, torná-las o inimigo número 1 do discurso político. Passos Coelho e seu fiel séquito Miguel Relvas não percebem esta realidade elementar. Estão a seguir um caminho muito perigoso. Quem avisa...
4. E contra o poder local tal como está estruturado, foi mais uma estratégia de tentar convencer os autarcas e os cidadãos de que a Reforma Administrativa do Estado imposta pela troika (destruição do tecido histórico: do berço, das memórias e das tradições) como está e com estes autores não é possível… E oxalá não seja!

13ª Correntes d’Escritas – 1ª mesa

“A Escrita é um risco total.” Era este o tema proposto pela organização aos convidados da 1ª Mesa de Debate, Almeida Faria, Ana Paula Tavares, Eduardo Lourenço, Hélia Correia e Rubem Fonseca.
Já é habitual o Auditório Municipal assemelhar-se a um autocarro em hora de ponta, com pessoas acomodadas no chão, nos degraus ou encostadas à parede. Tudo para ouvir, para beber as palavras dos escritores convidados. Mas, nunca aquele espaço esteve como ontem à tarde. Talvez a presença de Rubem Fonseca, que se diz “tímido” e, por isso, nunca dar entrevistas ou gostar de aparecer, tenha chamado ainda mais público. O certo é que, nesta 1ª Mesa, ficou comprovado que o Correntes d’Escritas continua a motivar novos públicos.
Antes do início da Mesa, Francisco José Viegas, Secretário de Estado da Cultura, em nome do governo português, atribuiu a Medalha de Mérito Cultural a Rubem Fonseca. “Portugal deve aproveitar a oportunidade de Rubem Fonseca se encontrar entre nós para distingui-lo. Não há livro nenhum deste escritor que não fale do nosso país, onde não haja uma personagem portuguesa, a referência ao vinho, à gastronomia ou a um livro português. E numa altura em que se fala tanto de diplomacia económica, a melhor das oportunidades que Portugal teve e tem no Brasil é através do Rubem Fonseca. O Rubem Fonseca é um dos grandes criadores da nossa língua, um dos grandes mestres da literatura de língua portuguesa”, justificou Francisco José Viegas. O escritor brasileiro agradeceu o gesto, afirmando ser “mais do que merecido”.
Já sobre o tema, Rubem Fonseca disse que “A Escrita é um risco total” e lembra a frase de um escritor americano: “Escrever é uma forma socialmente aceite de esquizofrenia”. E continuou, “bem, ele errou quando disse esquizofrenia. Na verdade, escrever é uma forma socialmente aceite de loucura” e, apontando para os seus colegas da Mesa, declarou: “vocês são todos loucos”.  Na sua opinião, a sua loucura é diferente da de Almeida Faria ou da de Eduardo Lourenço: “a loucura do Eduardo é maravilhosa, é escondida, discreta, mas não se enganem. Ele é louco”. Rubem Fonseca aconselhou: “leiam um texto magnífico de Michel Foucault que se chama A loucura e a escrita literária. E perguntou, “basta ser louco? Não, também tem que ser alfabetizado”. E quais são as outras características que um escritor tem que possuir? “Tem que ser motivado, paciente e imaginativo”.
Eduardo Lourenço disse que “de algum modo, um escritor – e eu não sou um escritor nesse sentido, nem, talvez, em nenhum – arrisca. Risco porque a pretensão da escrita é de ser mágica, um concentrado do sentido da experiência humana”. Para o ensaísta, “aquilo que continua a separar as diferentes culturas no mundo é a escrita, as civilizações que usam a escrita e aquelas que não o fazem”.
Para Almeida Faria, “a escrita é um risco total, mas a vida também é muito perigosa. A vida é tão perigosa como a escrita, que nunca consegue alcançar a riqueza, a complexidade e quão fantástica é a vida humana. Viver é um milagre. Eduardo Lourenço diz que cada livro é uma urgência de magia, mas cada ser humano também é uma urgência de magia”. O escritor afirmou que “não conseguiria viver sem escrever. Cada página, cada frase, cada livro é realmente um risco, pois nada nos garante que depois de uma frase boa, não saia uma frase sem melodia, escabrosa”.
Ana Paula Tavares falou sem texto. Há muitos anos que participa no Correntes d’Escritas e esta foi a primeira vez que o fez. “Pensando neste tema, e eu que nunca gosto de falar de mim, resolvi falar-vos sobre os riscos da minha vida”. A escritora angolana perguntou “porque é que não casei com um merceeiro, levei umas chapadas na cara e tive uma data de filhos? Esta seria uma vida normal no sítio onde nasci”. Ana Paula explicou que “toda a vida contrariei essa dita vida normal. Só por isso é que vim aqui sem texto, despida dessa muleta. Para mim, a escrita foi essa escolha. A escolha entre ser ou não normal. E, sem querer, desencadeei uma série de equívocos que, mais tarde, percebi: afinal, havia risco”.
Hélia Correia disse sentir-se “esmagada pelos colegas convidados para esta Mesa de Debate”. A escritora falou dos riscos da escrita, nomeadamente dos escritores suicidas do século XIX. Mas, hoje, “haverá algum risco na literatura? Certas artes foram criando riscos, principalmente as artes cénicas. Mas, a literatura não tem arriscado tanto assim. A literatura continua no seu espaço de conforto”.

Contramaré… 25 fev.

O Presidente da República disse ter ficado "um pouco surpreendido" com os números do desemprego apresentados na semana passada pelo Instituto Nacional de Estatística. A taxa ficou nos 14% no último trimestre de 2011 e a taxa de desemprego jovem em 35,4%.
Questionado se acha que a emigração dos jovens é uma solução, Cavaco respondeu: "Espero bem que não."

D. Manuel, clemente na descrição da portugalidade…

O Bispo do Porto, lotou o Auditório Municipal na Conferência de Abertura da 13ª edição das Correntes d’Escritas realizada ontem à tarde.
José Carlos Vasconcelos foi o moderador apresentando a vida e obra, sublinhando a faceta de historiador do convidado.
D. Manuel Clemente iniciou o seu discurso sobre “Portugal e os Portugueses em 2008 e depois” conduzindo os ouvintes por um agradável conjunto de reflexões (segue-se o discurso integral).
“Onde estamos, afinal? Simbolicamente, não num sítio muito diverso do que era o nosso há vinte anos, mas desta vez e para sempre não sós” (Eduardo Lourenço, Vence, 23 de Outubro de 2 000)
D. Manuel Clemente – Bispo do Porto
D, Manuel Clemente e José Carlos Vasconcelos
Agradeço o convite para estar aqui convosco, na 13ª edição do Correntes d’Eescritas, embora sinceramente algo me custe, sobretudo por mim. Com o vosso convite, só posso ganhar e ganhar muito. Significa-me um misto de oportunidade e deslocação, não geográfica, que é curta, mas pessoal, por não ser propriamente um escritor. Escritor, que para o Dicionário da Academia é a “pessoa que escreve obras literárias ou científicas”. Isto não sou nem nunca fui bastantemente, ainda que tenha escrevinhado e poetado alguma vez, ou seguido um percurso académico discente e docente, com os respetivos encargos de investigação e redação. Nada que justifique o título.
Mas tinha de aceitar, dada a simpatia e a insistência do convite, bem como a ocasião de homenagear a iniciativa. Era irrecusável e aqui estou, pedindo-vos desculpa pela breve ocupação do tempo. E o que aqui apresento, com adiantada escusa, não é alguma visão geral do momento português no que à vida literária diz respeito - coisa que não saberia fazer -, mas a rápida descrição de algo que tenho mais à mão e ao pé, ou seja da minha própria vida como “corrente”, palavra esta que, no mesmo Dicionário, significa “água que flui, que não está estagnada”.
Pode ter algum interesse, pelo jogo de circunstâncias internas e externas que me canalizaram sessenta e tal anos de vida – o Dicionário junta esse significado de “água canalizada” –, por entre grandes mudanças de civilização e cultura, da minha terra a Lisboa e de Lisboa ao Porto, da Universidade dos anos sessenta – setenta ao que ela é hoje; como ação e interrogação, e, muito especialmente dentro e bem dentro da mais antiga instituição do nosso território, talvez a mais marcante do seu devir, por adesão ou contraste – o catolicismo português.
Uma “corrente”, de facto, e como era o Douro antes das barragens, entre larguezas e estreitezas, entre calmas e rápidos, entre vidas e mortes, músicas e choros, riquezas e misérias, mas correndo sempre para um mar ao fundo. Pelo conjunto das circunstâncias, a corrente da minha vida foi ganhando o meio do rio e do seu fluxo, encontrando-me com outras mais certas e profundas, que verdadeiramente lhe definem o caudal. Um caudal que vem de muito longe, correndo para Ocidente como a nossa história portuguesa, enquanto havia terra a sulcar, treinando-se para lavrar o mar. Uma corrente que nos transporta a todos e, só por isso, também a mim. Esta posso descrever-vos brevemente: será “uma corrente descrita”.
Começou onde geralmente se começa, na família e em duas mulheres viageiras. Uma viajava por dentro e quase só por dentro; outra também por fora, sempre que podia ser, sendo muito menos do que quereria. A minha avó materna viajou neste mundo mais de cem anos e chamava-se “Aurora”; de Lisboa para o Porto e depois novamente, longamente, no sul. A minha mãe nasceu no Porto e foi cedo para o sul onde eu nasceria, ia ela pelos trintas. Chegou aos noventa e cinco e chamava-se “Sofia”.
A minha avó não gostava de viajar por fora. Enviuvou cedo e demorou depois numa quinta pacata, ao ritmo da noite e do dia, do dia e da noite, das estações do ano e dos ciclos agrícolas. Viajava sim por dentro, por dentro da sua grande casa e das constantes reparações que gostava de fazer, reduzindo os países e continentes aos espaços domésticos que remodelava à vez, assim pudesse. Morando numa casa cheia de recordações geracionais, não gostava de velharias, nem se entretinha com elas, aderindo de bom grado às novidades do tempo, viajando com o século - ou entre séculos, pois nascera em 1890 e falava de D. Carlos e D. Manuel II, Afonso Costa ou Sidónio Pais, como nós falamos de personagens de agora. Mas sem saudades pesadas, porque a viajem continuava.
A minha mãe cultivava mais a memória e lembrava espontaneamente episódios históricos. Sobretudo nossos, pois era medularmente patriota, sem ser minimamente chauvinista, bem pelo contrário. E tinha o maior gosto em viajar para fora, assim também pudesse. E pôde pouco, porque se espraiava em atividades domésticas, religiosas, cívicas e culturais; e porque acompanhou dedicadamente os últimos anos do seu marido e da sua longeva mãe. Mas com que alegria – dela e minha – percorremos o país em curtas viagens de Verão, ficando eu ainda mais intimamente conjugado entre mátria e pátria. E já nos seus oitenta, aí foi ela contente, como a revejo em fotografias que vão da Noruega à Índia… E ai dos mais novos, bem mais novos até, que não lhe acompanhassem a passada.
Esta a minha “corrente” mais próxima, entre chegadas e partidas, princípios concretos e fins almejados. Uma alusão ainda, do que dizia a minha avó à minha mãe: “ – O que queres tu ver, que não tenhas já aqui: casas, estradas, rios e pontes?”. E também: “Viajar, tendo mesmo de ser, só pela alegria que terei ao voltar para casa”. A minha mãe sorria e largava. Por isso uma se chamava Aurora e a outra Sofia.
Posso entrever nisto mesmo a corrente mais larga do nosso Portugal comum. Digamos que as identificações acontecem geralmente assim, pois ganhamos em casa o que seremos depois, caseiramente aliás. De pequena para grande, assim cantava Camões a “casa lusitana”, não podendo ser doutra maneira. Entre ficar e partir, entre partir e regressar, estamos sempre nós, particularmente nós, os portugueses.
Talvez não tenha sido só por moda “renascente” que se ligou Lisboa a Ulisses, quando a Grécia e as coisas gregas ainda gozavam de “boa imprensa”, muito justificadamente gozavam. Pode ter sido por vislumbrar no lendário viajante antigo o bom emblema dum Portugal que entretanto se fizera assim, partindo, aventurando e regressando…
Há muito que me fizeram pensar deste modo. Apontei-o também, ocasionalmente, como em Portugal e os portugueses (Assírio & Alvim, 2008), ou em Isto realmente somos, os portugueses (In Porquê para quê? Pensar com esperança o Portugal de hoje, Assírio & Alvim, 2010). Tudo por insistência externa ou surpresa minha, mas com alguma aceitação dos outros, que só pode significar coincidência de espíritos e análises. E, isto sim, é culturalmente relevante.
No primeiro dos textos, lembrava a nossa matriz judaica, como “povo da promessa”, que assim mesmo se sentiu messiânico para o mundo. Não é algo exclusivamente nosso, mas foi-o muito especialmente, pela realização geográfica que lhe demos e pela desproporção do feito, de tão poucos para tanto: “Digo, por isso, que a relação que mantemos com Portugal é, fundamentalmente, bíblica. Olhamos Portugal como uma personalidade coletiva portadora de uma alma, no sentido romântico do termo, ainda que referido a algo muito anterior ao Romantismo. E a relação que mantemos com esse gostoso e custoso coletivo vem na esteira de um outro povo, que se descobriu eleito e portador de uma missão universal” (Portugal e os portugueses, p. 10).
No segundo texto, lembrei como António Vieira assinalou o destino prévio de Santo António, muito propositadamente para indicar o nosso. António de Lisboa, entre Portugal, Marrocos e a Itália; António Vieira do Tejo ao Amazonas e do Amazonas ao Tibre, nos seus sermões de Roma; os portugueses sempre, querendo ou não querendo, mas obrigatoriamente assim.
A 22 de Maio de 1670, Vieira ainda dizia o seguinte, de Santo António, dele mesmo e de nós todos: “Bem pudera Santo António ser luz do mundo, sendo de outra nação; mas uma vez que nasceu português, não fora verdadeiro português se não fora luz do mundo, porque o ser luz do mundo nos outros homens é só privilégio da Graça; nos Portugueses é também obrigação da natureza” (cit. in Porquê e para quê?, p. 15).
Era preciso algum arrojo para dizer tal coisa num sermão pregado tão fora. Mas isso nunca faltou a Vieira, mesmo para insinuar que os portugueses, para brilharem em todo o lado, nem esperariam pela graça… E hiperboliza, em Santo António e por nós todos: “Saiu como luz do mundo e saiu como português. Sem sair ninguém pode ser grande […]. Assim o fez o grande espírito de António, e assim era obrigado a o fazer, porque nasceu português” (ibidem, p. 16). Ou ainda: “Por isso nos deu Deus tão pouca terra para o nascimento, e tantas para a sepultura. Para nascer, pouca terra; para morrer, toda a terra; para nascer, Portugal; para morrer, o mundo” (ibidem).
Nisto era expansão natural; mas com o grave revês de não suportarem tanta luz, uns dos outros e ao perto. Mais: natureza tão luminosa em si mesma, além de irresistivelmente expansiva, seria inevitavelmente exilada, para se re-encontrar à larga. Daí que escrevesse no ano seguinte, sempre em Roma: “… assim como Santo António foi obrigado a deixar Portugal, para ser Português, assim foi necessário que se tirasse dentre os Portugueses, para ser tão grande homem, e tão grande santo como foi” (ibidem, p. 17). Até aqui o tom parece heróico; mais abaixo, o remate nem tanto: “… luzir português entre portugueses, e muito menos luzir com a sua luz, é cousa muito dificultosa na nossa terra. Com a luz alheia vi eu lá luzir alguns; mas com a própria, […] nem santo António, quanto mais os outros” (ibidem). E a aceitação geral deste juízo, que quase adivinho em todos, evidencia bem que ainda somos nós, agora aqui, os portugueses.
Ao que vai dito, acrescentarei algo, dantes ou depois de Vieira. Como é o caso do célebre poema em que D. Dinis ironiza com os provençais, que trovavam muito bem, mas só pela Primavera; sinal de que a “coita”, o cuidado amoroso, não era tão grande neles como no próprio. Vale a pena citá-lo: “Proençaes soen mui bem trobar / e dizem eles que é com amor; / mais os que trobam no tempo da frol / e nom em outro, sei eu bem que nom / am tam gram coita no seu coraçom / qual m’eu por mha senhor vejo levar”.
É um trecho muito coincidente com o que os portugueses pensam em geral de si mesmos. Recebem de fora as modas e os motivos – como era então o caso do canto provençal -, mas tudo se mergulha aqui noutra fundura, com os significados agridoces que sempre acrescentamos às saudades.
Recortado pela espada dum rei meio-borgonhês, expandido pela visão dum príncipe meio-inglês, regenerado de oitocentos para novecentos por vagas meio-francesas, quando não francesas de todo, das militares e políticas às literárias e ideológicas, Portugal foi e é ainda uma importação inculturada, nunca tendo terra nem recursos para ser doutro modo.
Isto mesmo poderíamos dizer também de outros e até generalizar. Mas a nossa geografia terminal ou o grande cais em que nos (re)tornámos, trouxeram-nos tanta terra e tanto mar que ganhámos esta atual condição de pátria de todos e ninguém – ou de ninguém para renascer de todos. Creio que Vieira e Pessoa aceitariam a caracterização. Sendo aqui profético o Romeiro de Garrett (Frei Luís de Sousa), como Portugal perdido e no entanto ali, quase pedindo um reconhecimento que o salvasse, passando do “ninguém” que se chamava ao merecido “alguém” que o despertasse, muito merecidamente despertasse. Estamos nisto tão perto dos últimos versos da Mensagem pessoana: “ … (que ânsia distante perto chora? / Tudo é incerto e derradeiro. / Tudo é disperso, nada é inteiro. / Ó Portugal, hoje és nevoeiro… / É a Hora!”.
Sim, saberiam trovar os poetas provençais, mas aqui trovava-se sempre; poderiam outros fazer algo em suas terras, mas daqui só se podia adivinhar tudo; poderiam outros manter grandes impérios, mas aqui só do nada se renasceria enfim.
Portugal culturalmente é uma teima, como geograficamente é uma praia, feita cais de partir e chegar, chegar e partir. Não é esta uma realidade unívoca, longe disso, e nem sempre foi positivamente considerada. Não foi só o século XIX que avaliou em baixa o desprezo da terra pelas miragens do mar. Do século XVI chegam-nos os lamentos bem reais de Sá de Miranda, por Lisboa nos despovoar os campos ao cheiro da canela das Índias. Ou as increpações poéticas do Velho do Restelo, contra as trocas do certo pelo incerto e do longe em vez do perto, por poder ou ganância, como não é de mais evocar em contraponto: “Ó glória de mandar! Ó vã cobiça / Desta vaidade a quem chamamos fama! / Ó fraudulento gosto que se atiça / C’uma aura popular que honra se chama! / Que castigo tamanho e que justiça / Fazes no peito vão que muito te ama! / Que mortes, que perigos, que tormentas, / Que crueldade nele experimentas!” (Os Lusíadas, IV, 95).
Todos com razão certa e sabida. Mas teríamos certamente desaparecido, se não tivéssemos partido.
As coisas são diferentes agora, até onde o podem ser no mesmo povo e língua. Diferentes demais para que uma “forma mentis” de há seis décadas – voltando à corrente pessoal – as possa facilmente perceber. Porque se trata de “cultura”, e não apenas de mais informação, embora marcada pelo acrescento desta. Cultura, como aquilo que sabemos antes de aprender tudo o mais e continuamos a saber depois de esquecermos tudo o resto. Isso mesmo que faz cada um do seu tempo, mesmo que o calendário nos faça conviver enquanto estamos, diversos por dentro mas sincrónicos por fora.
Refiro-me a uma experiência de há poucos dias, que me despertou tal sentimento. Assistia a uma conferência sobre impossibilidades e possibilidades de emprego jovem. Intervenientes vários, todos entre os vinte e os trinta anos, com licenciaturas e mestrados. Um gestor, entre o Porto e Londres, agora cá sem deixar de estar lá, casado com uma psiquiatra e entusiasmado com o que faz e sobretudo inova. Uma jovem bióloga, inteiramente votada à cura da doença de Alzheimer, e por isso passando de escolas portuguesas para inglesas, mas voltando à sua terra com a frequência que as viagens aéreas de baixo custo hoje permitem: tem de estar lá, mas não deixa de vir cá. Um jovem empresário que, por maior expansão, se mudou daqui para Curitiba, onde está com a esposa e já três filhos, deslocando-se no Brasil como nos desafiava a viver na Europa, isto é, continentalmente. Este e o seguinte – um jovem produtor cinematográfico, a trabalhar em Londres com sucesso – intervinham diretamente no debate através do Skype...
Quando me coube a mim concluir algo, foi para constatar que o ficar e o partir se equacionam agora de modo muitíssimo diferente do que ainda há poucos anos nos caracterizava em geral. Mentalmente, ficámos marcados com os êxitos (alguns) e os traumas (muitos) das emigrações forçosas para o Brasil de Oitocentos ou para a França e Alemanha de há meio século e depois. Atualmente, sem com isso descuidar a indispensável viabilidade interna para as novas gerações, somos realmente surpreendidos por novidades grandes que, em termos de comunicação e informação, alteram profundamente as vidas, os trabalhos e as mentes.
E é por tanto ineditismo que o nosso tradicional “a ver vamos” ganha hoje outro palco e outro sonho, atualizando os versos de Sophia: “Navegavam sem o mapa que faziam / […] No silêncio das zonas nebulosas / Trémula a bússola tateava espaços / Depois surgiram as costas luminosas / Silêncios e palmares frescor ardente / E o brilho do visível frente a frente” (Navegações, VI).
Aliás, um dos jovens intervenientes no debate dizia que o trabalho português era geralmente apreciado “lá fora”, em especial pela capacidade de improvisar e resolver problemas inesperados. Dizia até que a anglofonia não tinha tradução exata para o nosso plebeíssimo “desenrascanço”. Mais uma originalidade lexical, para juntarmos ao que se diz sobre a “saudade”. E é possível que entre estas duas originalidades, tão prática uma, tão poética a outra, vá singrando a barca portuguesa, nas partidas e regressos que hoje somos.
É esta a corrente que me leva e tão singelamente vos descrevo. Vou singrando, entre auroras e sofias. Vamos.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Ecos da blogosfera - 24 fev.

Ex-ladrões convertidos em polícias fazem segurança?

Os lóbis financeiros parecem todo-poderosos em Bruxelas, frustrando todas as tentativas de reformas do setor bancário desde a falência do Lehman Brothers em 2008. Mas a situação pode mudar, com o trabalho de um contra lóbi europeu: o Finance Watch.
Joost Mulder, 31 anos, conhece todos os arcanos. Durante 5 anos, o elegante holandês trabalhou [ou seja “atuou para influenciar”] o aparelho legislativo de Bruxelas por conta de organismos financeiros. Fazer intriga nos bastidores da Comissão, do Parlamento e dos Conselhos de Ministros dos 27 era o seu ganha-pão. Falando 4 línguas e a par de tudo o que se passa, este homem mexe-se facilmente nos meandros da política de Bruxelas – um lobista tal e qual o imaginamos.
Num dia, ele e os seus colegas inviabilizam iniciativas parlamentares, noutro, convencem os funcionários de Bruxelas a introduzirem disposições “explosivas” a um anteprojeto de lei para organizarem um escudo de barreiras múltiplas e – aparentemente – independentes umas das outras. E quando um irritante parágrafo não conseguiu ser suprimido pela Comissão ou pelo Parlamento, constitui-se uma minoria de bloqueio no Conselho. “‘Pague-me 10.000 euros de honorários e encarrego-me de meter a sua posição na ordem do dia do Conselho de Ministros’. É este o género de promessas que os lobistas fazem aos seus clientes”, afirma Joost Mulder.
Mas as coisas podem mudar. Porque Joost Mulder mudou de campo. No ano passado, quando os lóbis financeiros chegaram ao ponto de “fazerem pressão sobre os governos ameaçando retirar capitais e suprimir empregos, fartei-me”, conta ele. “Making finance serve the society”, “Pôr a finança ao serviço da sociedade”, podemos ler agora no cartão-de-visita de Joost Mulder, atualmente responsável pelas relações externas de uma ONG chamada Finance Watch.
Charlie McCreevy, um comissário cativo
O seu trabalho é muito semelhante ao de um lobista. Mas agora é desenvolvido ao serviço de uma ONG única no género na cena política de Bruxelas. Na Finance Watch, os especialistas em mercados financeiros têm como objetivo enfrentar os lóbis do setor da finança para os levar de volta à sua razão de ser inicial: colocar os serviços financeiros ao serviço da produção.
A experiência é inédita. E este novo lóbi, que quer disciplinar os mercados financeiros é a resposta a um pedido – do próprio corpo legislativo.
Na origem desta iniciativa está uma tomada de consciência que apareceu quando a crise financeira rebentou, no outono de 2008. Quando foi necessário decifrar as causas da crise, não havia especialistas experimentados verdadeiramente independentes do mundo da finança. A todos os níveis, eram os banqueiros, os gestores de fundos ou os especialistas por eles pagos que davam o tom.
Ao mesmo tempo, percebeu-se que a Comissão Europeia e a Direção Geral do Mercado Interno estavam literalmente infiltradas pelo setor financeiro. Foi o “Corporate Europe Observatory” (Observatório Europeu das Empresas, CEO) que revelou a amplitude do fenómeno.
Num relatório publicado no outono de 2009, intitulado “Uma Comissão Cativa”, demonstrava como Charlie McCreevy, o comissário [para o Mercado Interno] de então, tinha delegado, de facto, o processo legislativo nas empresas em causa. Metade da Europa indignou-se por ver que as instâncias europeias ouviam sempre e apenas um dos lados da questão. Mas o caso não teve repercussões concretas.
Os deputados pagaram do seu próprio bolso
Perante estes acontecimentos, o deputado verde francês Pascal Carfin e o seu homólogo alemão Sven Giegold tiveram a ideia, em junho de 2010, de uma iniciativa original. Lançaram um “apelo à vigilância financeira”, garantindo, em meia dúzia de dias, o apoio de 22 membros, de todas as tendências, da Comissão de Assuntos Económicos. Os dois homens procuravam gente dinâmica com sólida bagagem financeira. Thierry Philipponnat respondeu à chamada.
Ao fim de 20 anos de experiência nos meios da banca e da bolsa, em 2006 Thierry Philipponnat deixou um lucrativo emprego por uma vida completamente nova. Primeiro, na difusão do microcrédito nos países pobres, depois, nas fileiras da Amnistia Internacional.
Os deputados financiaram do seu próprio bolso os primeiros seis meses de ação, que deram frutos. No final de uma tournée de vários meses por 7 Estados-membros da UE, tinha conseguido o apoio de 38 organizações, da Oxfam à Confederação Europeia dos Sindicatos, e reunido um capital inicial de cerca de meio milhão de euros junto de fundações privadas. Paralelamente, o Parlamento fazia pressão para que a Finance Watch recebesse um financiamento europeu. Este ano, foram atribuídos 1,25 milhões de euros para esta causa e Michel Barnier, que é o novo comissário europeu para o Mercado Interno, deu a entender que a Finance Watch vai receber a maior parte desse dinheiro.
Seis meses depois da assembleia constituinte, Thierry Philipponnat é hoje o secretário-geral de um gabinete de especialistas e de lóbi mandatado pelo Parlamento, financiado pelos contribuintes e apoiado por organizações que totalizam 100 milhões de membros.
O jogo vale a pena? Pode este punhado de homens fazer qualquer coisa perante a hidra do lóbi financeiro? Só em Bruxelas, os bancos e outras instituições financeiras encarregaram 700 especialistas para orientarem o processo legislativo na direção que mais lhes convém. E a sua esfera de influência alarga-se.
“É o mesmo trabalho que eu fazia antes”
A tarefa é árdua, como testemunha o braço de ferro em torno dos contratos de troca sobre o risco de crédito exposto, os Credit Default Swaps (CDS), que permitem aos hedge funds especularem sobre a solvência dos Estados sem terem de apostar muito dinheiro. Os preços dos CDS permitem avaliar os riscos que pesam sobre a solvabilidade de um Estado e podem, também, agravar seriamente uma eventual crise da dívida soberana, podendo mesmo provocá-la.
Por esta razão, em março de 2011, o Parlamento Europeu exigiu a proibição total destas transações. Os sindicatos dos hedge funds e dos bancos reagiram imediatamente, recorrendo a uma estratégia que Thierry Philipponnat batizou como “estratégia do detalhe complicado”. Os deputados não perceberam os mecanismos dessas transações, alardearam os lobistas nas páginas do Financial Times. Além disso, se a proibição fosse aplicada, “reduziria o volume de liquidez no mercado de obrigações dos Estados, o que se traduziria, no fim, por um aumento dos custos para quem empresta” – um argumento difícil de refutar pelos leigos.
Mas, conhecedor dos mercados, Thierry Philipponnat não teve nenhuma dificuldade em pôr a nu a mistificação. A sua análise dos prós e contras da questão foi ouvida. De tal maneira que o próprio comissário europeu do setor chamou a si a argumentação de Thierry Philipponnat e a assembleia plenária manteve a proibição.
No entanto, quando a proposta foi submetida a votação no Conselho de ministros das Finanças, no mês de outubro, alguns ministros insistiram que o texto devia prever isenções. “Era, claramente, o resultado de um grande trabalho de lóbi”, diz Joost Mulder, louvando, de passagem, o trabalho dos seus antigos colegas. Agora, o texto apresenta “uma brecha aberta”, mas isso não impede Joost Mulder de demonstrar uma enorme confiança: “Na realidade, é o mesmo trabalho que eu fazia antes mas, atualmente, durmo muitíssimo melhor”, confessa.
Pascal Canfin, o inimigo da finança
“Acabar com a arrogância das Finanças”: eis, segundo o semanário francês Télérama, o objetivo da Finance Watch. O semanário entrevistou o fundador desta ONG, o eurodeputado Pascal Canfin.
“Estou orgulhoso por ter criado a Finance Watch”, declara o ecologista francês, que explica -
... era absolutamente necessário criar uma iniciativa que combatesse o incrível lóbi das Finanças. Mas esta ONG devia ser ‘transpartidária’, dado que a sociedade civil já não responde a um apelo de um partido, sobretudo um partido minoritário como os Verdes. Convém também realçar que o Parlamento Europeu, contrariamente à Assembleia Nacional, é eleito através do sistema de representação proporcional, não existe maioria nem minoria automática. Cada texto tem a sua maioria. Negócio com muita perseverança e quando o balanço é globalmente positivo, voto a favor.
Considerando que os Estados perderam a oportunidade, em 2008 e 2009, de reformar o setor bancário quando “os bancos estavam de joelhos”, Canfin estima que "a mudança na Europa passa necessariamente pela dupla alternância de poder, em 2012 na França e em 2013 na Alemanha".

Filho e neto de portugueses acorrentado à Lusofonia

A 13ª edição do Correntes d’Escritas começou hoje, e da melhor forma: com o anúncio dos vencedores dos Prémios Literários e com a apresentação da Revista Correntes d’Escritas 11.
Rubem Fonseca é o vencedor do Prémio Literário Casino da Póvoa, com a obra “Bufo e Spallanzani”. O escritor brasileiro esteve presente neste arranque do Encontro e lamentou “só agora ter vindo à Póvoa de Varzim”. O autor disse estar “encantado com a cidade, com as pessoas. Estou muito feliz aqui”. Filho e neto de portugueses, “e com muito orgulho”, Rubem Fonseca afirmou perentoriamente: “amo a língua portuguesa”. Ao tomar, esta manhã, o pequeno-almoço com dois poetas – contou – “recordei Luís Camões e como, na minha casa de infância, o meu pai tinha livros apenas de poetas e prosadores portugueses. Ele gostava muito dos sonetos de Camões e hoje, gostaria de prestar uma homenagem a esse grande poeta, lendo um dos seus sonetos”. E, emocionando a plateia, em extremo silêncio e com grande atenção, leu:
Busque Amor novas artes, novo engenho,
para matar me, e novas esquivanças
que não pode tirar me as esperanças,
que mal me tirará o que eu não tenho.
Olhai de que esperanças me mantenho!
Vede que perigosas seguranças!
Que não temo contrastes nem mudanças,
andando em bravo mar, perdido o lenho.
Mas, conquanto não pode haver desgosto
onde esperança falta, lá me esconde
Amor um mal, que mata e não se vê.
Que dias há que n'alma me tem posto
um não sei quê, que nasce não sei onde,
vem não sei como, e dói não sei porquê.
Eduardo Lourenço, a quem a Revista Correntes d’Escritas 11 é dedicada, comentou que “este é um momento de grande estímulo, numa fase descendente da vida em que me encontro. O General De Gaulle dizia que a velhice é um naufrágio. Mas, já que naufragamos, que seja um naufrágio à Titanic, uma coisa gloriosa, com honras nas páginas dos jornais”. Eduardo Lourenço apreciou ouvir Rubem Fonseca, “sobretudo porque, neste momento, precisávamos de uma espécie de luz. Camões é um poeta sempre muito consciente da situação trágica da humanidade em geral, mas que é aquilo que nós precisávamos para não sucumbirmos a esta tentação de pessimismo que nos está a invadir. Portugal é um grande país e não se vai afundar, como o Titanic”.

Contramaré… 24 fev.

Milhares de pessoas anteciparam-se à sugestão do primeiro-ministro e optaram por procurar emprego fora do país. A prová-lo estão os números do IEFP que indicam que, entre 2009 e 2011, 64.905 desempregados deixaram de estar inscritos nos centros de emprego porque optaram pela emigração. Os dados do IEFP reflectem apenas uma parte do universo de emigrantes, uma vez que apenas diz respeito aos inscritos.

Falta calor humano para aquecer os idosos…

Um estudo da Organização Mundial de Saúde revela que 44% das famílias portuguesas com pelo menos um idoso em casa não tem capacidade financeira para a manter adequadamente aquecida.
O presidente da Rede Europeia Anti-Pobreza, Jardim Moreira, não ficou surpreendido com os resultados da pesquisa da OMS sobre o impacto das desigualdades sociais e económicas nos fatores de risco para a saúde e na sua visão, a “sociedade em geral acha que é uma fatalidade ser velho”. “É essa a forma que se vai sentindo em Portugal de uma sociedade que não tem sensibilidade para amar”, rematou.
À primeira vista dá vontade de dizer, se fossem só 44% não era mau, mas deve haver qualquer equívoco nos resultados.
Se se disser que 44% das habitações em Portugal já tem equipamento pré-instalado e adequado ao aquecimento das habitações, ainda vá que não vá. O que não é crível é que 56% dos portugueses tenham as casas aquecidas, sobretudo pelos custos incomportáveis para uma família da classe média e com os últimos e futuros aumentos dos custos das energias impossibilitará irremediavelmente a melhoria das condições de vida nesta área.
Mas como a maioria dos políticos, embora instalados e residentes em Lisboa, são maioritariamente oriundos do norte e nordeste, que das zonas mais frias, ninguém melhor do que eles para entenderem o problema e tentar resolvê-lo, em nome dos seus conterrâneos, se a renúncia das origens não continuar a ser um sintoma do snobismo parolo reinante.
Entretanto, há soluções baratas e humanizadas, já postas em prática, mas interrompidas (porquê), que seriam uma solução para o problema em questão, e poderiam em simultâneo recuperar o património construído e a paisagem natural, dentro do prometido Programa de Renovação Urbana, se o mesmo abrangesse também a renovação Rural, com a vantagem da criação de emprego na construção civil, por todo o país interior…
Fica a ideia e o exemplo…
O concelho de Vila Flor, no Nordeste Transmontano, conseguiu minorar o problema da solidão dos idosos com a construção de casas comunitárias nas aldeias e garantir algo que muitos nunca conseguiram alcançar com uma vida dura de trabalho.
Uma habitação com conforto foi uma realidade que alguns dos inquilinos só experimentaram depois dos 70 anos nestas casas comunitárias, símbolo do Projeto de Luta Contra a Pobreza "Vila Flor Solidária".
O projeto terminou há 13 anos, mas ficaram 5 casas comunitárias, 1 na sede de concelho e 4 em outras tantas aldeias, que são na verdade vários lares dentro de um edifício, erguidos a partir da reconstrução de antigos palheiros e habitações em ruínas e mm quase todas permanecem ainda os primeiros.
A Santa Casa da Misericórdia de Vila Flor é responsável por 3 destas casas e as outras 2 foram entregues às respetivas juntas de freguesia.
As Casas Comunitárias são uma resposta social para a principal entidade de solidariedade social do concelho, como disse Mónica Fernandes, da SCMVF e foram concebidas a pensar, sobretudo, nos idosos, mas sempre acolheram também outras famílias, como jovens casais com fracos rendimentos ou situações de emergência social.
Para o presidente da Câmara, Artur Pimentel, estas casas "preenchem uma lacuna que continua a existir em todos os concelhos do interior e no mundo rural, que é a solidão, é o isolamento de muita gente, sobretudo pessoas de mais idade", no entanto "a relutância que houve, na altura, por parte dos responsáveis nacionais do Projeto de Luta Contra a Pobreza" em relação a este modelo, em que foram investidos metade dos cerca de 500 mil euros destinados ao concelho transmontano.
Bom para o presidente da junta de freguesia de Seixo de Manhoses, que é das maiores da região, com cerca de 500 habitantes, mas não tem emprego e as poucas jeiras na agricultura resumem-se a "15 dias de azeitona" era replicar estas casas, agora a pensar mais "nos casais jovens que não têm casa nem trabalho e estão muito carenciados".

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Ecos da blogosfera - 23 fev.

Ninguém dá mais? 1, 2, 3, está arrematado!

Em toda a Europa, os países procuram uma maneira rápida de arranjar dinheiro. E todos eles parecem ter a mesma ideia: vender bens do Estado.
O que têm em comum as festas de Carnaval de Portugal, o sol da Grécia, o National Stud [coudelaria nacional] da Irlanda e a lotaria nacional de Espanha?
Resposta: estão a ser vendidos ou cancelados por Governos europeus, que tentam desesperadamente pôr em ordem as respetivas finanças públicas, ao fim de uma década em que viveram acima das suas possibilidades. Um número considerável de países está a fazer o equivalente a vender as pratas da família, numa venda relâmpago, à escala europeia e sem precedentes evidentes, de bens do Estado.
A Grécia talvez seja o maior leiloeiro do continente, ao pôr à venda bens com um valor estimado de 50 mil milhões de euros. Mas outros tiveram a mesma ideia.
Estas medidas desesperadas podem parecer ambiciosas quando tudo corre bem – mas, neste momento, as coisas não estão a correr bem. E, se toda a gente puser coisas à venda ao mesmo tempo, os preços tendem a baixar. A Grécia, por exemplo, angariou apenas 180 milhões da sua meta declarada de 50 mil milhões de euros.
No entanto, não deverá haver falta de compradores. A China procura investir a sua riqueza em tudo e mais alguma coisa que haja por esse mundo e os governos do Médio Oriente continuam a tentar gastar os proventos do petróleo.
É difícil saber se devemos sentir-nos animados ou deprimidos perante esta perspetiva. Por um lado, qualquer coisa que possa acelerar o alívio das nossas dívidas deve ser bem-vinda. Por outro, uma vez vendidas, as pratas da família continuam vendidas. À medida que as nossas economias vão sendo gradualmente marginalizadas pela China e pela Índia, aumenta o perigo de as coisas nunca mais voltarem a ser o que eram dantes.
1. Irlanda - Florestas, serviços, uma companhia aérea, o National Stud
O Estado irlandês está a vender participações numa série de bens públicos, entre os quais a companhia de gás, a Aer Lingus, a empresa de desenvolvimento florestal Coillte e o famoso National Stud (avaliado em cerca de mil milhões de euros). A Bord Gais, a companhia de [distribuição de] gás irlandesa foi avaliada em 2,5 mil milhões de euros. O Ministério dos Transportes confirmou, na semana passada, que se registara um "forte interesse" pela participação estatal de 123 milhões de euros na Aer Lingus.
2. Portugal - Infraestruturas de energia
Um dos primeiros participantes nas vendas relâmpago e, por conseguinte, um dos melhores sucedidos. Parte da rede nacional de energia elétrica portuguesa é agora propriedade dos chineses e da Oman Oil. O negócio rendeu a Portugal 592 milhões de euros. Um negócio ainda melhor, no valor de 8 mil milhões de euros, consistiu na compra de 21% da Energias de Portugal, a empresa nacional de energia, pela Three Gorges Corporation, da China.
3. Holanda - Equipamento militar
No ano passado, o Ministério da Defesa holandês angariou vários milhões de euros – como parte das medidas de austeridade de mil milhões de euros – com a venda de um lote de 18 aviões de combate F-16 ao Chile. Foram igualmente postas à venda algumas embarcações militares.
4. Reino Unido - Embaixadas, edifícios governamentais, equipamento militar
O Reino Unido espera transformar em dinheiro vivo a participação estatal de 49% na National Air Traffic Services. Está igualmente projetada a venda de centenas de embaixadas e residências que são propriedade do Foreign Office em vários países do mundo, num valor total de cerca de 289 milhões de euros.
O Ministério da Defesa pôs à venda as instalações militares [conhecidas como] Deepcut Barracks – e vários equipamentos militares supérfluos. Setenta e duas aeronaves Harrier jump jet "na reforma" foram vendidas recentemente aos EUA por 140 mil euros e o porta-aviões desativado "HMS Ark Royal" foi posto em leilão no ano passado. Entre os outros bens do Ministério da Defesa à venda incluem-se helicópteros, Land-Rovers e relógios de luxo.
5. Espanha - Infraestruturas (incluindo o Metro de Madrid?)
O plano de angariar milhares de milhões de euros com a privatização parcial da lotaria nacional espanhola foi posto de lado em setembro, quando o Ministério das Finanças considerou demasiado baixa a avaliação do mercado. No entanto, o Governo, sobrecarregado pela dívida, continua a planear vender bens em Madrid, e está em curso o processo de alienação de uma participação minoritária, no valor de 3,5 mil milhões de euros, na companhia das águas da cidade, Canal Isabel II. O Metro de Madrid, avaliado em 2 mil milhões de euros, poderá também ser vendido.
6. França - Imobiliário de alta qualidade
A França tem estado a vender, há vários anos, bens imobiliários estatais. Em 2010, foi anunciada a venda de mais de 1.700 propriedades, para ajudar a reduzir a enorme dívida do país. Castelos históricos, mansões em Paris e até o pavilhão de caça dos reis de França, em la Muette, avaliado em 10 milhões de libras, foram postos no mercado.
7. Áustria - Alpes (quase)
Em junho, o Governo causou uma vaga de indignação, ao pôr à venda duas montanhas, pelo montante global de 121 mil euros. A oposição local ao plano de venda de Rosskopf (2.600 m) e da vizinha Grosse Kinigat (2.700 m) levaram o Executivo a recuar. Contudo, um ministro disse que as montanhas poderiam voltar a ser postas à venda no futuro.
8. Itália - Edifícios? Praias? Ouro? Partes de edifícios antigos?
Em 2010, o Governo iniciou a venda de 9.000 edifícios, praias, fortes e até ilhas, para ajudar a pagar a dívida nacional. O seu valor global foi avaliado em mais de 3,6 mil milhões de euros. Não se sabe ao certo se muitas destas alienações se concretizaram, mas dúzias de palácios venezianos foram vendidos para hotéis. A venda do direito a colocar anúncios no Coliseu de Roma rendeu igualmente algum dinheiro. Mais recentemente, o país foi pressionado pela Alemanha a vender as suas substanciais reservas de ouro, enquanto o preço se mantém alto.
9. Letónia - Uma cidade não desejada
Em 2010, uma cidade inteira foi arrematada em leilão por uma empresa russa pela soma de 2,3 milhões de euros. Skrunda-1, em tempos uma base militar russa, encontrava-se ao abandono desde a queda da União Soviética.
10. Grécia - Praticamente tudo (exceto a Acrópole)
O Governo grego está a tentar angariar a espantosa soma de 50 mil milhões de euros, através da venda ou aluguer de bens nacionais, entre os quais o Aeroporto Internacional de Atenas (e 38 outros aeroportos), companhias petrolíferas e de gás, os portos de Tessalónica e do Pireu, o Hellenic Post Bank, autoestradas, a organização estatal de corridas de cavalos e 35 grandes edifícios estatais. O Hellenikon – uma faixa da linha costeira maior do que o Mónaco e que, em tempos, albergou um aeroporto internacional – está agora ao alcance de qualquer um, tal como uma pequena área de Corfu de cerca de 18 hectares e, alegadamente, várias outras partes da bela faixa costeira. Até se diz que a Grécia está a vender a luz do sol, numa altura em que decorrem negociações entre Atenas e Berlim sobre exportação de energia solar.

Reflexão do Relvas… 23 fev.

O Governo vai voltar a não conceder tolerância de ponto no Carnaval no próximo ano, anunciou Miguel Relvas e criticou ainda as autarquias que concederam tolerância de ponto na terça-feira e têm “milhões de euros em dívidas”.
O governante voltou ainda a afastar a hipótese de criação de uma comissão de inquérito à gestão e venda do BPN, confirmando os votos contra da maioria à proposta do Bloco de Esquerda que vai nesse sentido.
O presidente da Câmara Municipal de Torres Vedras, Carlos Miguel, afirma que acabar com a tolerância de ponto é uma solução pouco inteligente, daí que espere que até ao próximo ano se encontre outra solução e acrescenta que as dívidas das autarquias não resultam de má gestão, mas sim da quebra de receitas.

Contramaré… 23 fev.

O presidente da Carris admitiu ter recebido orientações políticas dos governos para cumprir determinadas decisões, salientando que as decisões tomadas "tiveram um determinado contexto", admitindo que, "algumas vezes, podem ter sido tomadas decisões que num quadro estrito de racionalidade de gestão não teriam sido tomadas, mas que, obviamente, decorreram da circunstância de serem empresas do Estado".

A insurreição vem de cima. Não é ótimo, mas é bom!

“Uma mudança de direção liderada por Roma, Londres e Haia”, considera o Corriere della Sera.
“Doze”, escultura de Vladmir Kush
A 20 de fevereiro, os primeiros-ministros David Cameron, Mario Monti e Mark Rutte enviaram uma carta ao presidente do Conselho Europeu, Herman Van Rompuy, a pedir-lhe para contribuir para “o restauro da confiança na capacidade da Europa gerar um crescimento económico forte e duradouro”.
Co-assinado pelos seus homólogos de 9 países (Estónia, Letónia, Finlândia, Irlanda, República Checa, Eslováquia, Espanha, Suécia, Polónia), o documento define as grandes linhas de um plano para evitar o risco de recessão criado pela austeridade: a abertura do mercado interno dos serviços, a implementação de um mercado comum da energia em 2014 e um mercado digital em 2015, com especial atenção para a investigação e o desenvolvimento, a abertura dos mercados mundiais como a Índia, regras mais flexíveis para as pequenas e médias empresas, a inclusão das mulheres e dos jovens no mercado de trabalho, a abertura das profissões protegidas e a criação de um setor financeiro “firme e dinâmico”.
Dois dirigentes faltaram à chamada: Angela Merkel e Nicolas Sarkozy. “A Europa que pede um estímulo emerge”, constata El Mundo, para quem esta carta é “a resposta mais coordenada da UE à política de controlo do défice defendida por Angela Merkel”:
A carta chega num momento chave, numa altura em que a economia da UE está quase em recessão e o desemprego aumenta. Deve-se ter em conta esta iniciativa, desde que a UE esteja consciente de que os governos cumprem os seus deveres para controlar o défice e reduzir a dívida. E Merkel deverá tomar nota desta revolta coordenada.
Finalmente começa a haver reações à petulância da dupla Merkozy pela tentativa de usurpação do poder da “União”, mas estranhamente a frente não vem dos países que estão a ser vilipendiados (os PIIGS) pelos dois “artistas”, como tanta gente, há tanto tempo tem sugerido como auto defesa, mas por 3 países (Grã Bretanha, Itália e Holanda), cansados de serem tratados como 3 zeros à esquerda… E há mais 9, que pelas mesmas razões(?) assinaram a carta.
Matematicamente ficaram de fora 15 países membros dos 27, politicamente cada um terá as suas razões, entre os quais Portugal, que permitem uma interpretação subjetiva, enquanto não houver explicação para a não adesão.
Tendo em conta que o sumo da carta se traduz na exigência de medidas para gerar crescimento na Europa para evitar o risco de recessão criado pela austeridade que a “dupla” impõe, não se entende por que ficamos de fora e por isso:
O secretário-geral do PS acusa Passos Coelho de ser "um primeiro-ministro de braços caídos e sem iniciativa", lamentando que o chefe do Executivo não tenha assinado a carta em que 12 governantes defendem políticas europeias de crescimento económico.
Assino por baixo, sem complexos de faciosismo, como assinei uma petição de cidadãos europeus sobre matéria idêntica, cujo site deixo aqui para quem quiser fazer o mesmo, em consciência:

Ecos da blogosfera - 22 fev.