Política a mais, vida a menos - Leonel Moura
“Manifestação” de Berni |
Há excesso de política. Há excesso de conflitos políticos, interpelações políticas, intrigas políticas.
A democracia é feita disso, é certo. De múltiplas e livres vozes. Mas a realidade em Portugal não é essa. As vozes são menos diversas e muito menos livres do que parecem. As palavras são muitas, jorram em catadupas, mas dizem todas a mesma coisa. Nesse sentido, não há palavras a mais, como afirma o Presidente, pois faltam muitas outras que não são da ordem da política. Palavras sobre tanta coisa importante condenada à sombra por causa da ocupação totalitária dos intermináveis discursos da política.
Na origem estão os media e a sua lógica implacável. Quem não passa na televisão não existe. Um pouco de história mostra como a adaptação da política aos media começou por ser de desconfiança e resistência para acabar numa entrega total. Hoje a informação confunde-se com a política. Os jornalistas tornaram-se políticos; os partidos agências de informação. Com esta amálgama insalubre, o verdadeiro pântano de que falou um dia um primeiro-ministro em apuros, tudo se tornou campo da política. Veja-se como em Portugal, com excepção do futebol, praticamente não se fala de mais nada. Não são só as capas dos jornais, as rádios ou os telejornais que nos invadem, dia a dia, hora a hora, com as últimas notícias deste mundo muito agitado mas que raramente sai do mesmo lugar. Na sua vastíssima maioria essas notícias são aliás absolutas não-notícias. Declarações que nada adiantam e muito atrasam. Intrigas partidárias, achas para a fogueira, conflitos inócuos. Que arrastam tudo e todos para altercações sem sentido nem destino. Que perturbam actividades e vidas de forma inexorável.
E, no entanto, há muito que a política nacional não produz um pensamento digno de registo. Faltam ideias novas, lá onde abundam as velhas tramóias. O país está suspenso e deprimido com tanto mau augúrio. À direita Portas está claramente "burnout" e Passos Coelho ainda não passou da infância da arte. No PS começam a saltar os "carapaus de corrida" que pensam mais nas suas insípidas carreiras do que no país. À esquerda sonha-se com um passado feito de pesadelos.
Veja-se o caso de Manuel Alegre. Candidato da esquerda, ou melhor dito de parte dela, tornou-se comentador das declarações dos seus rivais e sobretudo das frases soltas de Cavaco Silva. Das suas próprias ideias diz nada, e quando diz alguma coisa é um susto. Que não restem dúvidas, esta candidatura representa o enterro, provavelmente por muito tempo, de qualquer possibilidade de renovação da esquerda em Portugal. Se é isto o que a esquerda tem de melhor para oferecer aos portugueses então estamos conversados.
Mesmo a economia, que em tese devia ter a sua lógica própria, mais não é do que política feita por outros meios. Estes últimos meses demonstram como o tão falado "nervosismo" dos mercados é afinal o mais trágico dos argumentos da política - só superável pela guerra -, capaz de vergar e destruir países inteiros. Os factos falam por si. Até à senhora Merkel a Alemanha era o motor de uma Europa pensada como um todo. Agora a Alemanha pensa-se como uma parte separada do resto. A crise actual resulta, em grande medida, do renascimento do nacionalismo na direita alemã. Ou tiram de lá a senhora depressa ou isto acaba mal para todos.
O mundo está a mudar velozmente. Os velhos eixos quebram-se para dar lugar a outros protagonistas e a realidades sociais, culturais, políticas e económicas sem paralelo. O ocidente está a desaparecer e o oriente a emergir. O conhecimento e a tecnologia estão a fabricar um planeta distinto e a gerar novos modos de existência. A velha política não tem respostas para isto. A nova política ainda não nasceu. O excesso de tagarelice política tem por efeito paradoxal impedir um pensar a política como problemática, como biopolítica, como vivência colectiva. Até porque, bem vistas as coisas, há muito mais vida para além da política. Falta é espaço para ela se exprimir.
Leonel Moura – em Negócios online
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