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terça-feira, 26 de outubro de 2010

O direito à indignação e à resistência!

DECLARAÇÃO pública de Paulo Varela Gomes
As medidas que o Estado português se prepara para tomar não servem para nada. Passaremos anos a trabalhar para pagar a dívida, é só. Acresce que a dívida é o menor dos nossos problemas. Portugal, a Grécia, a Irlanda são apenas o elo mais fraco da cadeia, aquele que parte mais depressa. É a Europa inteira que vai entrar em crise.
O capitalismo global localiza parte da sua produção no antigo Terceiro Mundo e este exporta para Europa mercadorias e serviços, criados lá pelos capitalistas de lá ou pelos capitalistas de cá, que são muito mais baratos do que os europeus, porque a mão-de-obra longínqua não custa nada. À medida que países como a China refinarem os seus recursos produtivos, menos viável será este modelo e ainda menos competitiva a Europa. Os capitalistas e os seus lacaios de luxo (os governos) sabem isso muito bem. O seu objectivo principal não é salvar a Europa, mas os seus investimentos e o seu alvo principal são os trabalhadores europeus com os quais querem despender o mínimo possível para poderem ganhar mais na batalha global. É por isso que o “modelo social europeu” está ameaçado, não essencialmente por causa das pirâmides etárias e outras desculpas de mau pagador. Posto isto, tenho a seguinte declaração a fazer:
Sou professor há mais de 30 anos, 15 dos quais na universidade.
Sou dos melhores da minha profissão e um investigador de topo na minha área. Emigraria amanhã, se não fosse velho de mais, ou reformar-me-ia imediatamente, se o Estado não me tivesse já defraudado desse direito duas vezes, rompendo contratos que tinha comigo, bem como com todos os funcionários públicos.
Não tenho muito mais rendimentos para além do meu salário. Depois de contas rigorosamente feitas, percebi que vou ficar desprovido de 25% do meu rendimento mensal e vou provavelmente perder o único luxo que tenho, a casa que construí e onde pensei viver o resto da minha vida.
Nunca fiz férias se não na Europa próxima ou na Índia (quando trabalhava lá), e sempre por pouco tempo. Há muito que não tenho outros luxos. Por exemplo: há muito que deixei de comprar livros.
Deste modo, declaro:
1) o Estado deixou de poder contar comigo para trabalhar para além dos mínimos indispensáveis. Estou doravante em greve de zelo e em greve a todos os trabalhos extraordinários;
2) estou disponível para ajudar a construir e para integrar as redes e programas de auxílio mútuo que possam surgir no meu concelho;
3) enquanto parte de movimentos organizados colectivamente, estou pronto para deixar de pagar as dívidas à banca, fazer não um, mas vários dias de greve (desde que acompanhados pela ocupação das instalações de trabalho), ajudar a bloquear estradas, pontes, linhas de caminho-de-ferro, refinarias, cercar os edifícios representativos do Estado e as residências pessoais dos governantes, e resistir pacificamente (mas resistir) à violência do Estado.
Gostaria de ver dezenas de milhares de compatriotas meus a fazer declarações semelhantes
Texto publicado no jornal Público de 23 de Outubro de 2010
Sobre Paulo Varela Gomes: Licenciado em história pela Universidade Clássica de Lisboa (1978), mestre em história da arte pela Universidade Nova de Lisboa (1988), doutorado em história da arquitectura pela Universidade de Coimbra (1999). Docente do DARQ desde 1991, professor convidado do Dep. Autónomo de Arquitectura da Universidade do Minho desde 2001, docente convidado de outras universidades portuguesas e estrangeiras. A principal área de investigação e publicação tem sido a história da arquitectura e da cultura arquitectónica portuguesa dos séculos XVII e XVIII.
Estou pronto!

4 comentários:

  1. Concordo com o teor do post excepto no reduzir ao trabalho. A minha bofetada ao poder político faz-se através do trabalho, quando trabalho. Já fazer greve por tempo indeterminado subscrevo. Ando a falar nisto há anos!

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  2. A greve de zelo faz mais sentido, até porque se evitava a burocracia. A greve por tempo indeterminado, era mais uma medida penalizadora para os assalariados e uma ajuda para comprar mais uns carritos para os bosses. Só se fosse Geral...

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  3. Este texto abanou-me.Quantos milhares de situações destas pelo país fora e dentro da indignação? Vi o professor Cavaco Silva recandidatar-se cheio de serenidade, apregoando que os portugueses sabem bem avaliá-lo.E fez isto e aquilo e, e,... já não há pachorra.
    Estou nessa da greve de zelo.Mas quem se importa? Sobem agora os transportes públicos em 5º? As pessoas queixam-se, mas não fazem nada. Ah, este destino de porteguesinho pacífico de um outrora que foi de desbravar. Onde o sangue dos antepassados? Heróis do mar, pobre povo, nação decadente e desigual...

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  4. Ibel
    Estou a agendar desgraças para saírem amanhã, enquanto vou ouvindo as notícias como as que referiste e nem dá vontade de rir nem de chorar. Dá raiva a nossa apatia perante tanta brutalidade.
    Estão a dizer que mais 2 pessoas (fraquinhas) do BPN vão ser arguidas, talvez para darem a entender que a justiça não tarda, mas é só para saciar as feras que temos dentro de cada um de nós.
    Tens razão: Heróis do mar, pobre povo, nação decadente e desigual...

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