Em pleno Outono do Ano Europeu de Combate à Pobreza e Exclusão Social, a Europa em geral e Portugal em particular, mais do que se afirmarem pela resolução dos múltiplos problemas sociais que afectam os respectivos territórios, parecem apenas constatá-los em cenários marcados pelo agravamento de situações macro e microeconómicas, de desfechos imprevisíveis, a vários níveis: económico, financeiro, social, político, cultural, ético, cívico, humanitário.
Já todos sabemos que a “Pobreza” enquanto conceito evoluiu de uma perspectiva particular, com especial ênfase na ausência de rendimentos e recursos materiais adequados a uma vida aceitável, para uma perspectiva multidimensional onde se inserem as questões da desigualdade (rendimentos, género, raça, etnia, religião, crença, deficiência, idade, etc.) e da exclusão social (escassez de rendimentos, desemprego, dificuldades no acesso à educação e à saúde, más condições de vida, défices de participação social, etc.). Já todos sabemos também, de acordo com dados oficiais (Eurostat, INE, entre outros dados quantitativos e qualitativos fornecidos por múltiplas organizações que se encontram no terreno), que os grupos mais vulneráveis à “Pobreza” são os desempregados, os trabalhadores precários, os reformados, as pessoas com baixo nível de educação, formação ou habilitações, os deficientes e doentes crónicos, os toxicodependentes, as crianças de famílias com problemas de estruturação, entre outros.
O que nem todos sabemos é enquadrar estes conceitos e estes dados concretos nas circunstâncias que (n)os envolvem, sobretudo, no modelo económico e social das sociedades modernas, marcado por um forte capitalismo (neo)liberal potenciador do lucro exponencial de uns poucos e da sobrevivência subserviente de uma multidão. Além disso, os primeiros são, comummente, marcados com a etiqueta do sucesso, do esforço, do saber e do status social, e os outros com a etiqueta do insucesso, da preguiça, da ignorância e da sua culpabilidade perante a situação em que se encontram.
No meio destas forças e fraquezas económico-sociais, os estados “andam às aranhas”, numa azáfama de justificações e ilusões, tendentes, claramente, para a protecção do modelo vigente onde se premeia aquele sucesso de uns poucos e se culpabiliza aquele insucesso de uma enorme maioria. Senão, perguntemos: Quem está a pagar a actual crise gerada por aquele modelo?... Quem é responsabilizado?... Quem se atreve a contrariar os salários públicos milionários de certos administradores?... Quem ousa intervir nos salários dos gestores de empresas públicas?... Quem ousa questionar as nomeações milionárias para certos cargos públicos e de empresas públicas?... Quem ousa questionar os “arranjos multimilionários” das famosas parcerias público-privadas?... Quem contraria certas reformas milionárias?... Quem ousa mexer nos lucros exponenciais da Banca?... Quem ousa intervir nos inúmeros casos de ambiguidade contratual?... Quem vê ser responsabilizado algum sinal de corrupção e de clientelismo político-partidário?... Entretanto, sentem-se, claramente, cortes nos salários dos funcionários públicos, cortes nas prestações sociais, cortes nos subsídios de desemprego e nos rendimentos sociais de inserção, cortes nos apoios à natalidade, cortes nos que não têm voz, cortes nos que não têm o “tal” sucesso, cortes nos “tais” culpados, enfim, cortes nos pobres culpados “pobres”.
Não será necessário muito esforço intelectual para verificarmos que o “combate aos pobres”, essa imensa multidão obrigada a pagar uma crise que sustenta no poder e no luxo uma minoria “sui generis”, é uma realidade que parece teimar estar para ficar. Muitos discursos de “combate à Pobreza” que, amiúde, se ouvem por aí, não são mais do que opinião mediatizada para ocultar um poder executivo de “combate aos pobres”.
Perante tal panorama, se não repensarmos o modelo económico e social em que vivemos, com um exercício de verdadeira responsabilização das pessoas e processos que o minam, este combate desigual entre uma minoria que parece imune a tudo usufruindo das maiores benesses e uma maioria que parece ser a responsável por tudo quanto acontece de negativo, será sempre uma bomba relógio pronta a explodir, e com efeitos imprevisíveis. A segurança, a prosperidade e a paz social estão claramente em causa, não só dos pobres responsáveis “pobres” mas também dos efectivos responsáveis “ricos”. Avisos não vão faltando por aí. Seja como for, ainda quero continuar a acreditar que perante a disjunção combate aos “pobres” ou combate à “Pobreza” se opte, finalmente, pela melhor parte. Em favor do Bem Comum!...
Paulo Neves
Uma questão com a resposta, com que concordo a 100% e nem comento.
"Este combate desigual entre uma minoria que parece imune a tudo usufruindo das maiores benesses" é que empurra os outros para a fossa.E são aos milhares.
ResponderEliminarIbel
ResponderEliminarJá são centenas de milhar e é preciso multiplicar pelo agregado familiar. É a loucura...