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quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Quase Filosofia, quase Sociologia, quase Política…

Num outro blogue em que “trabalhei”, por razões circunstanciais “conheci” joão-luís de medeiros, um escritor açoriano, radicado nos EUA, e que escreve regularmente no blogue RTP-Açores - Blog Comunidades, para a comunidade açoriana, um Memorandum, textos que têm subtileza e profundidade, que não nos permite classificá-los e daí o Quase…
Deste acaso, nasceu uma amizade, breve, mas que começa a dar frutos, porque recebi, em 1ª mão o texto que se segue, de que vão gostar, seguramente e relê-lo, ao texto e ao autor.
Um “obrigadaço” ao escritor, uma saudação a todos os compatriotas na diáspora e neste caso em especial, aos açorianos.
Memorandum
joão-luís de Medeiros
Escravos da ditadura do sucesso...
Alguém deveras preocupado com a sorte da humanidade escreveu que “pode adquirir-se a liberdade, mas nunca recuperá-la”. Creio tratar-se de um pensamento simplesmente profundo, com sabor a tragédia, e que parece trazer notícias duma ansiedade urgente que teima em pairar por sobre o tecto movediço das épocas que a humanidade tem procurado galgar...
Viemos aqui para conversar sobre a Liberdade. É um risco. Não estamos isentos do mau jeito de sermos apodados de aleivosia na trivialização do conceito. Requiescat in pace! Não vamos enveredar pelos labirintos estreitos das liberdades em saldo: a liberdade de ensopar uma bebedeira, ou a liberdade de ser preguiçoso; a liberdade de adiar a liberdade alheia, como quem brinca às liberdadezinhas na companhia clandestina duma ‘gêsha’ medianamente educada...
Continua a ser praticada entre nós um tipo de liberdade maligna: manter activa a cortina de fumo que impossibilita uma Comunidade de ver, ouvir (muito menos apreciar) aqueles companheiros que, lucidamente, se recusam a figurar na ementa cosmética da vulgaridade existencial.
Não seria novidade dizer-se que as instituições cívico-culturais da nossa praça continuam a subsistir apesar da inospitalidade do ambiente envolvedor: não dispõem do número de público culturalmente exigente para acicatar a desejada operacionalidade. E pronto: está em parte justificada a mornidão da sua apatia...
De modo semelhante, o signatário deste “memorandum” pode talvez beneficiar da inocente vantagem relacionada com o reduzido número dos seus leitores. Já esclareço melhor: o suposto “desassossego” e a provável insistência evangelizadora das suas opiniões não chegam a constituir “perigo” público...!
Entre nós, observa-se a liberdade da indiferença – que é uma espécie de erva daninha que invade os “alegretes” da liberdade, e que empecilha o itinerário vivificante das ideias. Pois alevá!*
Somos por vezes levados a suspeitar que a diáspora lusófona continua à espera dum messias. Sabemos que os ornamentos, as indumentárias, os desfiles são instrumentos que podem tapar alguns buracos das enfermidades comunitárias, mas não aperfeiçoam as atalhadas do futuro. Há já bastante tempo fomos alertados para uma das conclusões do aristotelismo: “o homem pode, conhecendo o bem, praticar o mal, vencido pela paixão...”
Entrementes, atrevo-me a repetir aquilo que me ensinaram há meio século (admitindo, embora, que nem sempre o tenha posto em prática): precisamos de trabalhar mais no miolo das coisas, em silêncio, numa atitude imaginativa, adulta, bem programada. Quanto menos fachada, melhor! À míngua de vitórias colectivas, temos de congregar o valioso capital humano emanado daquelas (silenciosas) vitórias individuais que não obedecem aos decretos narcísicos da ditadura do sucesso.
Por outro lado, há derrotas que funcionam como “compasso-de-espera” de futuras vitórias. Pessoalmente, não aceito a ideia de ter perdido batalhas por gosto ou por imperativo do destino. Considero-me um simples “teimoso” imigrante dos “estados-unidos do planeta”. Sim, caríssimas(os): trago no bornal da minha existência várias derrotas, aliás esperadas (alea jacta est) por quem se sentiu atraído pela “feliz culpa” da trincheira ética onde não há ambições egotistas, mas entusiasmos éticos...
Se estivermos de acordo, vamos analisar que o tipo de pobreza da nossa comunidade é porventura mais complexo do que a pobreza clássica dos (materialmente) deserdados. Claro que a pobreza não é castigo da Providência, porque é afinal efeito duma causa frequentemente endossada aos deuses... Vamos continuar a trabalhar (sempre pelo preço da chuva!) para ajudar os pobres a pensar. De resto, o pobre que pensa é um revolucionário que dispensa esmola…
Vamos, pois, procurar humanizar o perfil do pseudo-perdedor – aquele que vive algures longe dos palcos do delírio orgíaco da superficialidade onírica. Sim, refiro-me àquele que permanece vitorioso de si próprio. De resto, numa comunidade que se confessa amante do “evangelho da Igualdade”, a obsessão pela divinização do sucesso individual oferece matéria para uma aturada reflexão. Talvez um dia possamos confirmar se as “crises” são meras pausas na prosperidade do caos, ou fazem parte do misterioso pacote das “vacinas” de recurso contra o ‘balho-furado’ do sucesso.
Entretanto, vamos “botar” sentido aos novos delfins da bancocracia açor-lusitana  – escravos muito bem engravatados, adeptos fervorosos da simpática ditadura do sucesso...
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Rancho Mirage, Califórnia
Setembro, 2010
* “Pois alevá!” – é uma expressão açoriana, que não conhecia e penso que se traduz por “Assim seja!”
Texto de apresentação e foto da autoria de Lélia Nunes daqui
João-Luís de Medeiros é natural da ilha de São Miguel, Açores, e vive nos Estados Unidos desde finais de 1980. Antes de emigrar, trabalhou no sector privado empresarial, e após a instauração da Democracia em Portugal, foi eleito parlamentar à Primeira Legislatura da A.L.R. (Horta, Faial, 1976); mais tarde, serviu como representante açoriano na Assembleia da República (Lisboa, 1978).
As suas publicações em poesia e prosa estão dispersas algures em jornais e revistas da diáspora lusófona. Desde 1976, é colunista-convidado da imprensa comunitária (coluna Memorandum). É co-autor do livro "Em Louvor do Divino" (1993); recentemente, publicou o seu primeiro livro de poemas intitulado "(Re)verso da Palavra" (2007).
João-Luís de Medeiros é licenciado ‘cum laude' em Humanidades e Ciências Sociais (University of Massachusetts, Dartmouth); mais tarde, obteve o Mestrado em Ciências de Recursos Humanos (Chapman University, Orange, California).

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