texto de valter hugo mãe
O trabalho de Isabel Lhano tem sido sempre o de franco acolhimento do seu interlocutor, procurando criar empatias e afectos que se fundem numa visão positiva e libertadora da vida. A benignidade que inspira a maioria das suas telas é sobretudo uma atitude ética que procura no homem uma redenção – embora muito pragmática, terrena e não mística –, claramente resultando numa estética do belo, como anteriormente já escrevemos. Acompanhar o trabalho desta pintora tem sido um exercício de crescente entusiasmo, que advém do facto de a encontrarmos em constante procura de um novo modo de expor as suas magníficas capacidades técnicas no encalço de complexas representações da figura humana, sempre presente, sempre entronizada, seja a partir da sua robustez, seja a partir da sua delicadeza.
A recondução do processo aos extractos do corpo, como diria Bernard Noël, intensificando presenças, ainda que numa lógica de recorte muito específico, tem levado esta pintora a uma preciosa e invulgar pesquisa do figurativo. Tendo, no passado, abordado os troncos e os braços, as pernas ou os rostos (uma das suas séries mais profícuas terá sido a enorme colecção de retratos que nos últimos anos produziu), agora Isabel Lhano encontra nas mãos o tema suficiente para o seu discurso de nuances da sensibilidade.
O desenho da mão é talvez o mais temido do corpo humano. A máquina privilegiada que este é, encontra na mão um dos seus pontos mais elaborados que, indubitavelmente, resulta num desafio considerável à capacidade de representação de qualquer artista. A corajosa opção por ampliar e criar expressão bastante a partir deste complexo elemento, mostra-nos Isabel Lhano no seu melhor. Ainda mais porque, não contente com uma abordagem apenas linear do tema, a artista supera, em várias telas, o pendor unicamente realista da imagem para, encontrando a realidade – e isso é que é espantoso –, chegar à abstracção, pela impressionante profusão de dedos e suas difíceis correspondências. Para isto, a pintora representa o jogo entre quatro mãos que, baralhadas e entrelaçadas nessa quase delirante permissividade mecânica que advém das múltiplas articulações, acabam manifestando um lado labiríntico do toque.
As mãos que se vêem nestas telas são como entidades completas, bastam-se a si mesmas para o que importa no discurso desta exposição. Ficam como seres inteiros que se recebem mutuamente e se relacionam produzindo no espectador um efeito imediato de conforto, ansiedade, rejeição, paixão, cumplicidade, etc.. A mestria assim conseguida é assinalável, ainda aliada a uma gestão curiosa das cores que, exclusivas para cada quadro, revelam a oficina de precisão da pintora. Em cada imagem encontramos uma sugestão narrativa, e não apenas a inerte captação do tema. Estamos longe de intenções meramente decorativas, e o mais que se vê tende a transmudar as mãos aos nossos olhos, apenas pelo efeito macroscópico e pelo cromatismo. As mãos acabam por parecer ninhos ou nós, plantas carnívoras ou flores abertas, bichos tentaculados, cabelo gigante, e o que mais a imaginação de cada um quiser ver. Ao contrário do que se esperaria, esta também é a arte da fantasia e, rigorosamente, a arte do sonho.
Isabel Lhano está no seu melhor. Claro que já lhe reconhecemos mestria no domínio dos corpos, desde sempre, como nos impressionava com os seus panejamentos e todas as transparências (é até com saudades que o dizemos. Saudades das suas mulheres clássicas metidas em véus e saias esvoaçadas), mas após vinte e cinco anos de carreira encontra uma força admirável que, de exposição para exposição, muda o eixo fundamental do seu trabalho, criando enfoques sempre novos no figurativo, impedindo que se esgote e surpreendendo sem falhar. Esta é mais uma prova disso. A prova de que a pintura estará sempre salva enquanto uma pintora assim trabalhar.
Incrivelmente bela a sua pintura, realmente fala por si... tem corpo, forma e essência.
ResponderEliminarAdorei o vídeo. Obg pela partilha!
Na verdade são 2 grandes comunicadores, um da visual e outro da linguística. Ver e ler um e outro, não só aqui, mas nas suas vastas obras, é um prazer compartilhado.
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