É enquanto projecto de estratégia comum de desenvolvimento humano sustentável e de espaço geopolítico próprio que a lusofonia tem a sua primordial razão de ser
Como "projecto ou questão de língua" (o que é algo diverso da "questão propriamente linguística e literária”), a lusofonia tem de ser encarada, antes de mais, como a justa avaliação e a consequente valorização da língua portuguesa no mundo contemporâneo. Foi, aliás, neste sentido que, em "Carta Aberta ao Presidente Lula" (que fiz questão de entregar em mão no Palácio do Planalto), me permiti chamar a atenção para o facto de o espaço lusófono utilizar uma mesma língua, "a qual, muito mais que a ''Última flôr do Lácio, inculta e bela'', segundo os famosos versos de Olavo Bilac, é hoje, objectivamente e segundo a não menos famosa análise e profecia de Fernando Pessoa, ''uma das poucas línguas potencialmente universais do século XXI'' (enquanto língua falada em todos os continentes e com um grande país, o Brasil, seu falante), podendo tornar-se um instrumento inigualável de comunicação e de desenvolvimento entre os homens".
Assim entendida, a língua portuguesa poderá e deverá tornar-se uma das grandes (e certamente a mais característica das) riquezas de todos os povos lusófonos e todo o investimento na sua cultura e difusão deveria aparecer como o investimento mais inteligente e mais rentável (comparem-se, a propósito, as actividades do Instituto Cervantes e do Instituto Camões!). Por exemplo, o mínimo de inteligência (até económica) que os Estados lusófonos poderiam e deveriam mostrar seria assegurar a existência de professores da língua portuguesa em todas as regiões do espaço lusófono e no máximo possível de lugares do mundo; ou ultrapassando os ridículos preciosismos e bairrismos das guerras do alecrim e da manjerona das suas "academias" e dos seus "intelectuais", assegurar o cumprimento do novo acordo ortográfico, prova dos nove e condição sine qua non de qualquer "lusofonia da língua", no âmbito dos espaços lusófonos como fora deles; ou assegurar, sem excepção alguma, a utilização da língua portuguesa em todos os lugares e encontros internacionais e não permitir, sob nenhum pretexto, que uma das línguas mais faladas do mundo seja constantemente reduzida ao lugar e papel de uma língua insignificante ou inexistente (na ONU, no Vaticano, etc.). Bastaria dar exemplos grosseiramente caricatos como o seguinte: na cerimónia em que o então considerado melhor futebolista do mundo (Ronaldo, lusófono) recebeu do presidente da FIFA (J. Havelange, lusófono), sob os olhares do considerado melhor futebolista de sempre (Pelé, lusófono), o respectivo prémio, alguém ouviu uma palavra em português?...
No recomeço das suas actividades, a partir das instalações cedidas pela Universidade Lusófona, o Ciberdúvidas publicou um texto de José Saramago emblematicamente intitulado "Uma língua que não se defende morre". Intelligenti pauca!, ou seja, a bom entendedor... Quem não se respeita a si próprio não merece e não terá o respeito de quem quer que seja!
É enquanto projecto de estratégia comum de desenvolvimento humano sustentável e de espaço geopolítico próprio que a lusofonia tem a sua primordial razão de ser, para realização de todos os países e povos lusófonos e como contributo para a realização do fenómeno humano universal ou, em linguagem menos teilhardiana, para a realização equilibrada da globalização societal contemporânea.
Para a descoberta e a prática sadias e descomplexadas desta vertente geostratégica da lusofonia, que dá sentido e conteúdo a todas as outras, essencial é o recurso permanente a uma "crítica da razão lusófona", a qual, à semelhança do que Kant pretendeu fazer tanto para a "razão pura" como para a "razão prática", estabeleça as condições de legitimidade, de possibilidade, de necessidade e de urgência da construção da lusofonia, que, também kantianamente, poderiam intitular-se "prolegómenos a toda a lusofonia futura".
Uma tal "lusofonia" e uma tal "comunidade lusófona" em nada se opõem, antes pelo contrário, não só ao diálogo omnitotidimensional com as outras comunidades humanas e geopolíticas do mundo contemporâneo como também, especificamente, aos reais ou eventuais processos em curso da "mercosulização ou até alcaização do Brasil" (desde que respeitando as soberanias de todos, Lula dixit!), da "Aliança Mercosul-União Europeia" (tão desejável, e até aqui tão dificultada por Bruxelas e tão mal entendida por Lisboa!), da integração europeia de Portugal (desde que ultrapassando tanto o que designei por "doença infantil do luso-europeísmo" como, aliás, o que também designei por "doença senil do patrioteirismo antieuropeu"), opondo-se, sim e frontalmente, à "loucura terrorista" e à "histeria antiterrorista" que o dia 11 de Setembro de 2001 desencadeou nos Estados Unidos e na humanidade e que, uma e outra, constituem, por razões diversas mas com possíveis idênticos resultados, sérias ameaças de regresso à barbárie, mediante o incumprimento ou o esquecimento da tão longa e tão difícil conquista que foram o Estado democrático de Direito e o primado do Direito internacional sobre a força bruta, bem como da única e para todos ("terroristas", "não-terroristas" e "antiterroristas") obrigatória "Carta Magna" da civilização que é a "Declaração Universal dos Direitos Humanos".
Só uma tal "lusofonia" ou uma tal CPLP ou uma tal "comunidade lusófona" assim cultural e linguística e assim geopolítica e geostratégica poderá tornar-se a via real, senão única, de desenvolvimento humano sustentável e de legítima afirmação global de todos os países e povos lusófonos. Mais que projecto ou "questão cultural" e até "linguístico-literária", a lusofonia é uma importantíssima "questão de estratégia comum de desenvolvimento humano sustentável e de espaço geopolítico próprio no globalizado mundo contemporâneo. O que também é válido para a CPLP, que deveria adoptar o nome menos restritivo e mais cairológico de "comunidade lusófona".
Fernando dos Santos Neves, Reitor Universidade Lusófona do Porto
Texto adaptado do que foi lido pelo autor no 1.º Congresso Internacional da Lusofonia, em 2007 e republicado agora por ocasião do Colóquio Internacional sobre Língua Portuguesa e Culturas Lusófonas num Universo Globalizado" que decorreu em 25 e 26 de Outubro de 2010 na Fundação Gulbenkian, em Lisboa
O MIL: MOVIMENTO INTERNACIONAL LUSÓFONO é um movimento cultural e cívico que conta já com cerca de 4 MIL adesões, de todos os países da CPLP.
ResponderEliminarDefendemos o reforço dos laços entre os países lusófonos - a todos os níveis: cultural, social, económico e político -, assim procurando cumprir o sonho de Agostinho da Silva: a criação de uma verdadeira comunidade lusófona, numa base de liberdade e fraternidade.
Se quiser aderir ao MIL, basta enviar um e-mail: adesao@movimentolusofono.org
Indicar: nome, e-mail e área de residência.
Já aderi.
ResponderEliminar