Presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz foi um dos intervenientes no seminário 'Pobreza e Exclusão Social'
Veio à Madeira falar de pobreza. Que conceitos de pobreza abarca esta definição? Quando falamos de pobreza falamos do quê?
Quando falo de pobreza falo no sentido seguinte: A pobreza tem duas componentes. Por um lado implica uma situação de privação, em que as pessoas não têm as suas necessidades humanas básicas satisfeitas. E necessidades humanas básicas não são só materiais, são culturais, são sociais, são espirituais. Mas é preciso que essa situação de carência seja devida a falta de recursos. Porque se não for devido à falta de recursos, o problema não representa um problema de pobreza mas um problema social, que até pode ser grave, mas não é pobreza. Daí que eu diga que a luta contra a pobreza tem de resolver dois problemas: O problema da privação (uma pessoa que não tem para comer, tem que ter para comer), sob o signo da emergência. Mas, além disso, tem que ajudar a pessoa a conquistar a sua autonomia financeira, a sua autonomia em matéria de recursos. Senão a pessoa fica eternamente dependente de meios extraordinários e isso não é libertá-la da pobreza. A pessoa só fica liberta da pobreza quando tem meios próprios para viver como as outras pessoas.
É por isso que o professor defende que "a pobreza é a cauda da desigualdade"?
A desigualdade não é só em matéria de recursos. A desigualdade abrange todos os aspectos que interessam à vida das sociedades e das pessoas. A desigualdade tem uma cauda. E essa cauda, segundo um autor inglês, define e pobreza como sendo a cauda da desigualdade. Porque a desigualdade, enquanto conceito, é um conceito comparativo. É uns têm mais do que outros. Ao passo que a pobreza não. Ela, além de ser, 'outros têm mais do que os pobres', há o problema de que, aquilo que o pobre tem, não chega para satisfazer as necessidades humanas básicas.
É por isso que o paradigma mudou e hoje é "os pobres são pobres, porque os ricos são ricos"?
Esse é um paradigma que um economista está a lançar neste momento. Precisamente porque ele deu conta de que o paradigma anterior que falava do ciclo de pobreza como sendo 'os pobres são pobres porque os pobres são pobres'. Por outras palavras: uma vez entrado na pobreza é muito difícil sair dela. Este conceito não tem em conta o reflexo da desigualdade sobre a pobreza. Ele quer que a gente analise a pobreza, também à luz da desigualdade. É por isso que diz que o paradigma novo tem de ser 'o pobre é pobre, porque o rico é rico'.
O professor defende que é preciso 'dar o peixe e também a cana'?
Exactamente. Estamos um pouco habituados a ver o problema em termos de alternativa. Ou o peixe ou a cana. O problema não se põe assim. É preciso 'o peixe' porque a pessoa tem de comer imediatamente e não pode 'ir pescar'. É preciso dar o 'peixe' mas não basta porque a pessoa fica sempre dependente de quem o vá 'pescar'. É por isso que, além de 'dar o peixe' é preciso 'dar a cana' para que ele se torne autónomo.
Qual o diagnóstico da situação? Quais são os factores geradores de pobreza?
Não tenho o conhecimento do que se passa em particular na Madeira. Mas pelo que se passa em Portugal, em geral, há três áreas onde é preciso actuar para combater a pobreza: A área da Educação e Formação Profissional; a área do Mercado de Trabalho e sistema de salários. Há pobres que estão empregado. E, portanto, o problema não é do desemprego, é de baixo salários. O desemprego não estava muito representado entre os pobre mas agora, com a crise, vai passar a estar. Só que ainda não temos estatísticas sobre a pobreza depois da crise. Estou à espera que se publiquem para ver qual a importância do desemprego entre os pobres. E, finalmente, o Sistema de Segurança Social. 1/3 dos pobres portugueses são pensionistas. Porque as pensões estão abaixo do limiar da pobreza. Sem 'mexer' com a Segurança Social de forma a que a pensão mínima tenha, pelo menos o valor do limiar de pobreza, também não se pode resolver a pobreza dessas pessoas.
Tem-se por assente, e as estatísticas valem o que valem e cada um as usa como quer, mas tem-se por assente que, à volta de 20% da população portuguesa é pobre. Estamos a falar à volta de dois milhões de habitantes...
Sim. Há quem fale em 17%, 18%, 20%. Ultimamente tem sido mais à volta de 18%.
Mas a tendência de 2002 para cá tem sido de decrescer para atingir, em 2015... Se continuarmos a esse ritmo, em 2015 ainda seremos à volta de um milhão e meio de portugueses pobres. À volta de 15% da população.
E na União Europeia, qual é o panorama?
Na União Europeia, o objectivo que está definido pelo Conselho Europeu é que, dos 80 milhões de pobres que há na UE, passem para 60 milhões no ano de 2020.
E com as políticas que estão a ser traçadas, com a crise económica que aí temos, é possível atingir esse objectivo? Não sei se será possível ou não. Acho que é um objectivo pouco ambicioso mas foi o que o Conselho Europeu decidiu.
No estudo que fez, em relação à Madeira, o professor apresentou um gráfico...
Sim, mas o estudo não é sobre a Madeira...
Sim, mas há um gráfico indicativo sobre a pobreza em que teríamos cerca de 30% de pobres persistentes [ao longo dos seis anos que durou o estudo] e 88% de pobres de longa duração [em situação de pobreza durante dois ou mais anos]. Tem dados mais recentes sobre a realidade madeirense? Isso é durante o período de 1995 a 2000.
E estaria disposto a fazer um estudo sobre a realidade?
Isso não depende de mim. Depende das pessoas que promovam a feitura de um estudo. Que pode ser uma entidade pública ou privada. Isso não depende de mim e depende das condições de trabalho com que se poderia fazer um estudo desses.
É o presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz. Havia uma representação na Região, qual o ponto da situação? Seria bom termos cá uma representação?
As comissões regionais são comissões diocesanas que não têm nenhuma relação com a comissão nacional. A Comissão que tinham na Madeira era de Justiça e Paz da Diocese do Funchal. Não se integra na nacional. Tem total autonomia, independência mesmo em relação à Comissão nacional.
E a Comissão Nacional, o trabalho que tem feito...
É sobretudo divulgar problemas de justiça e paz à luz da doutrina social da Igreja.
E em relação à Rede Europeia Anti-Pobreza. Existe um coordenador português, o Pe. Jardim Moreira...
O Pe. Jardim Moreira é coordenador da delegação portuguesa da Rede. A Rede tem um presidente que é irlandês.
Há alguma ligação entre a Comissão Justiça e Paz... tem acompanhado o trabalho dessa rede?
Por alto.
Artur de Freitas Sousa e Emanuel Silva – dnotícias.pt – 30/10/10
Gostei de verdade. Vou enviar para a turma.
ResponderEliminarIbel
ResponderEliminarBruto da Costa é dos maiores especialistas em pobreza e Exclusão.
Se quiseres aconselhar aos teus alunos, ele tem um livro (pequeno, mas denso), chamado "Exclusões Sociais" - Cadernos Democráticos, da Fundação Mário Soares - Edição Gradiva, que comprei há anos na FNAC e onde devem encontrar.
Não faz mal a ninguém e alarga o âmbito do conceito de Exclusão, para Exclusões.