A crise foi-se instalando e apanhando os portugueses de surpresa. Primeiro é a estupefacção e a inacção ditadas pelo medo instaurado por um passado recente sem democracia, depois é a «explosão», que rebentará espontaneamente ou por contágio europeu.
A opinião é dos sociólogos António Barreto e Boaventura Sousa Santos, que justificam a aparente calma da sociedade portuguesa, num contexto de agravamento de crise e de escalada de violência em manifestações pela Europa, com falta de tradição organizativa e excessiva dependência do Estado.
“O ano 2010 é um ano de susto, em que os portugueses foram apanhados de surpresa. Um ano de medidas de austeridade aplicadas gradualmente e que não tiveram um efeito pleno na vida dos portugueses, como tiveram em países como a Grécia, onde as medidas foram particularmente drásticas”, afirmou Boaventura Sousa Santos.
Além disso, Portugal não tem tradição organizativa, considera o sociólogo, lembrando que o país viveu metade do século XX sem democracia e que, por isso, as pessoas continuam a ter medo e a viver como num regime de ditadura.
E quando os portugueses perceberem que “estão a ser roubados”?
“É natural que algo aconteça a partir do momento em que estas medidas possam entrar não só no bolso, mas na cabeça das pessoas e estas percebam que estão a ser roubados para que o sistema financeiro e os bancos continuem a ganhar rios de dinheiro e a fazer disparar o consumo ostentatório que tem neste Natal um dos pontos mais altos desde 2008”, afirmou.
Boaventura Sousa Santos acredita que as “coisas vão piorar” e que “se não houver inflexão vai-se assistir a uma situação explosiva nos próximos anos”.
Na opinião do sociólogo, Portugal não é dos países que “mais se ofendem, pois viveu muito tempo com a mediocridade escondida do salazarismo”, e “não tem tanta percepção de justiça”, mas pode ser contagiado pelas mobilizações sociais na Europa, perante o desgaste dos direitos sociais.
Contestação espontânea é mais violenta
“Quanto maior a dependência, mais o receio de expressão livre e independente, sobretudo da expressão de contestação. Mas também este facto tem particularidades: recalcar a expressão crítica por causa de dependência pode conduzir a verdadeiras explosões, mais tardias, mas mais cruas ou violentas”, considera o sociólogo António Barreto.
A capacidade organizativa e de contestação social - que em Portugal é diminuta - é mais eficaz, mais rápida e mais visível, mas também mais controlável.
Em contrapartida, “a contestação espontânea é mais difícil, mais lenta, mais longa de desenvolver, mas também mais profunda e ameaçadora para a ordem estabelecida”, referiu.
Durante este ano, o clima de contestação foi elevado, mas sob formas pacíficas e institucionais, considerou o sociólogo, lembrando, contudo, que a situação se pode alterar.
“Nem sempre a contestação é proporcional à dificuldade. Por exemplo, taxas elevadas de desemprego e até situações de fome ou carência podem coexistir com graus igualmente elevados de resignação”, afirmou, manifestando-se convicto de que no próximo ano se “desenvolverá muito significativamente o descontentamento”.
Na opinião do sociólogo, se o poder político não souber responder com clareza e se revelar instável e incoerente, as coisas podem agravar-se.
“E se o poder político persistir em não reconhecer os problemas, em não esclarecer, em mentir, em enganar os cidadãos e em, pior de tudo, enganar-se a si próprio, poderemos recear uma crescente tensão social”, acrescentou.
Como ambos os sociólogos estão de acordo entre eles e com o que penso e tenho registado por aqui, não os vou contestar, pretendendo apenas fazer eco daquilo que todos adivinhamos…
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