O que Martinho Lutero pretendia com as suas 95 teses era promover uma reforma da Igreja Romana, mas isso tornou-o fundador de uma nova confissão cristã.
Matthias von Hellfeld
Texto antissemita de Martinho Lutero:
Sobre os judeus e suas mentiras (1543) |
Martinho Lutero (1483-1546) era pregador da igreja de Wittenberg desde 1514. Este homem benquisto, com talentos retóricos, contava com a estima da sua paróquia. Não era raro fechar-se no seu escritório para imergir na leitura da Bíblia.
Lutero queria encontrar na Sagrada Escritura a chave para decifrar a relação de Deus com os seres humanos – uma relação que já estava esclarecida há muito para a Igreja Romana: Deus comunicava-se com os homens através do Papa em Roma e através dos padres e bispos apontados por este como seus substitutos. Com isso, a Igreja em Roma reivindicava para si o monopólio sobre a exegese da Bíblia, impondo sanções em caso de eventuais infrações das normas bíblicas.
95 teses contra desmandos eclesiásticos
O Novo Testamento de Martinho Lutero consistia numa reinterpretação dos Evangelhos, da qual derivou um outro paradigma cristão. Para ele, não existia nenhuma "estação apostólica intermediária" na relação entre Deus e o homem. As únicas coisas que contavam eram a Sagrada Escritura ("primado da Escritura"), Jesus Cristo ("primado de Cristo") e a misericórdia divina ("primado da misericórdia e da fé").
O que desencadeou a Reforma foi o comércio de indulgências, cuja arrecadação era voltada para a reconstrução da Basílica de São Pedro em Roma. Além disso, o dinheiro angariado também deveria financiar a luxuosa vida do papa Leão X (1475-1521), sabidamente ameaçado de falência.
Quando Martinho Lutero escreveu as famosas 95 teses na sua residência sacerdotal em Wittenberg, a sua intenção era apenas combater os desmandos na Igreja de Roma (secularização, desrespeito ao celibato). Não pretendia nem lutar com o papa, nem fundar uma Igreja própria. Sendo assim, ele não chegou a pregá-las na porta da igreja de Wittenberg naquele dia memorável de 31 de outubro de 1517; Lutero simplesmente as enviou a amigos "para fins de disputa".
Naquele dia, não atuou como um revolucionário, mas só como um monge indignado e preocupado com a salvação das almas da sua paróquia. Foi a reação às teses rapidamente propagadas que transformou o monge indignado num revolucionário, responsável por uma confusão duradoura no mundo medieval e por um impacto ímpar na história.
"Fora da lei" – Lutero não desmentiu as suas teses
O papa Leão X tentou colocar na linha o monge de Wittenberg através da excomunhão, anátemas e um julgamento realizado em frente à Dieta de Worms, em abril de 1521. Tudo isso sem êxito. Marinho Lutero não abjurou as suas teses em Worms. Foi banido por decreto imperial e declarado "fora da lei" a partir de então.
Na sua fuga dos perseguidores da Inquisição, pode contar com a ajuda de uma grande parte da população e do príncipe saxão Frederico III, o Sábio (1463-1525). O príncipe eleitor escondeu-o no castelo de Wartburg, onde Lutero – sob a identidade de "fidalgo Jörg" – traduziu o Novo Testamento para alemão. As suas doutrinas propagaram-se rapidamente pelo continente europeu.
Por outro lado, aumentou cada vez mais a violência no conflito com a "Igreja Católica", conforme passou a chamar-se a Igreja do Papa em Roma. Ambas as partes se armaram. Este conflito religioso acabou por culminar na Guerra dos Trinta Anos (1618-1648), ao fim da qual um acordo selou a liberdade religiosa na Alemanha e na Europa.
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