Crise tem sido uma palavra cada vez mais usual no dia a dia português e europeu. Como não poderia deixar de ser também no Correntes d’Escritas analisaram a crise, mas desta vez, a crise da escrita. O Auditório Municipal recebeu assim a 6ª mesa do encontro com a temática “Da crise da escrita não se pode fugir”.
Os convidados para debater foram: Carmo Neto, João Pedro Marques, Miguel Real, Sandro William Junqueira, Valeria Luiselli, Salgado Maranhão, tendo como moderador Onésimo Teotónio Almeida.
Carmo Neto explicou que pesquisou sobre o tema de hoje e, debruçando-se na leitura de vários autores, foi com as palavras de Foucault, “na escrita não se trata da manifestação ou da exaltação do gesto de escrever mas a abertura de um espaço”, que o orador concluiu que “o escritor é um mero operário da palavra que procura desmaterializar a matéria prima e fazer dela um produto artístico”. Para o convidado “quem supera a crise supera-se a si mesmo”.
João Pedro Marques, historiador, afirmou “Não venho falar de nenhuma crise ocorrida na história” mas sim tentar encontrar uma resposta para a pergunta que paira: “o que é, no fundo, a crise da escrita?”. Continua, então, esclarecendo que “a escrita vive de uma sucessão de momentos, de bloqueios e avanços. A escrita é indissociável da crise, pois a escrita trabalha com a folha em branco. Conhecem coisa mais difícil do que esta?” Concluiu, alegando que “o fundamental é criar um balanço entre os aspetos positivos e negativos que a crise traz”.
Miguel Real defendeu que há uma crise interna e externa na escrita. A interna, abordada por Pedro Marques, e a externa, na qual incidiu a sua intervenção. A crise externa é uma crise entre o escritor e a sociedade. Exemplifica salientando nomes de grandes autores portugueses como, Sá de Miranda, Gil Vicente, Camões, entre outros, que, ao longo da história, se foram exilando da sociedade e optando por morar além fronteiras. “Hoje continua exatamente igual”, afirma o convidado “os intelectuais portugueses não vivem em Portugal. Esta é a crise sentida ao longo de 500 anos”.
Seguindo o tema da mesa, Sandro William Junqueira, declarou “não acredito muito na crise da escrita. As crises às quais não podemos escapar são as da vesícula e as do fígado”. Na sua opinião, “um dos combates mais fortes que um escritor tem de enfrentar e vencer, nem é o ato da escrita em si, ou o temor da página nua, é tão só o de se sentar para escrever”. Por isso, sobre o tema, o autor diz “uma situação de crise pode servir de alimento à matéria ficcional”.
Falando da sua experiência pessoal, Valeria Luiselli, mexicana, constata “venho de um país que esteve sempre em crise. Temos a crise económica, social, a crise do narcotráfico, etc. Então o que mais se escreve na literatura jovem são romances sobre o narcotráfico”. Contudo, “a matéria literária pode ser transformada, e assim transformar a matéria da crise em algo positivo. Não é necessário carregar o texto com a palavra crise para que o conceito esteja lá”.
Salgado Maranhão decidiu, por sua vez, apresentar-nos “a prima pobre da literatura”, à qual ele se dedica, a poesia, pois esta “não serve para nada e por isso serve para tudo”, serve inclusive para consolar, “pondo no colo, nas mais variadas situações, o leitor, dando-lhe conforto”, criando um escape. A verdadeira crise de quem escreve é não poder fazer aquilo de que se gosta porque o que se gosta já está feito, já está escrito. “Isso é permanente, referindo-se também ao caso do poeta que não pode fazer um novo poema parecido com o anterior mesmo que se tenha gostado muito do que acabámos de escrever”.
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