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sábado, 15 de outubro de 2011

Uma viagem ao futuro? Ou a ficção e a “vontade”?

Para o escritor italiano Antonio Scurati, a multiplicação dos investimentos chineses na Europa e da influência do capitalismo à moda chinesa na economia europeia, constituem uma ameaça à liberdade e à soberania dos europeus e ao seu modelo sociocultural.
Não sei qual a vossa opinião, mas, quanto a mim, não tenho vontade alguma de morrer chinês. No entanto, pelo caminho que as coisas levam, isso é altamente provável.
Em meados de setembro, no momento exato em que o sul da Europa se precipitava em direção ao desastre, durante o congresso anual do World Economic Forum – que decorre na China desde 2007 (será por acaso?) e este ano se intitula “Novos Campeões 2011” – o Primeiro-ministro Wen Jiabao anunciou que o seu país irá investir cada vez mais no “velho” continente.
Os chineses estão a salvar-nos ou a invadir-nos?
Com um sentido de oportunidade bastante aterrador, tinham circulado vozes insistentes nos dias anteriores sobre as intenções da China de fazer aquisições em massa de títulos do tesouro italiano, corroborados pela viagem a Roma do Presidente da China Investments Corp, um dos fundos de investimento mais ricos do mundo, que veio discutir a compra de posições firmes no capital de empresas estratégicas para a nossa economia nacional. Desde então, não passa um dia sem que nos perguntemos se os chineses estão a salvar-nos ou a invadir-nos?
No meu caso, a pergunta é um pouco mais preocupante pois quis o acaso que o meu mais recente romance – La seconda mezzanotte [“A segunda meia-noite” ou “A segunda metade da noite”] – tenha sido lançado a 14 de setembro, por coincidência exatamente o dia em que as agências noticiosas repercutiam os anúncios de Wen Jiabao. No romance, imaginei que, em 2029, a Itália tinha-se tornado um país satélite da China depois de lhe ter cedido a totalidade da sua dívida externa e que, após uma terrível inundação, Veneza tinha sido comprada por uma empresa multinacional de Pequim. Renascida com o estatuto de Zona Politicamente Autónoma, o seu destino era, a partir dali, o de um parque de diversões dedicado ao luxo e aos vícios desenfreados dos novos-ricos orientais. Portanto, a essa questão perturbadora só posso dar uma resposta igualmente perturbadora.
Conflito civilizacional entre Europa e China
Catastrofismos literários à parte, parece-me absolutamente evidente que o aparecimento de uma soberania político financeira chinesa no nosso velho continente precipitaria o declínio da civilização europeia tal como a conhecemos, sonhámos e amámos (pelo menos na nossa visão ideal). Temo que seja uma grave ameaça aos fundamentos culturais da civilização ocidental europeia moderna: soberania política do povo, liberdade de pensamento e de expressão, direitos dos trabalhadores e do cidadão, autonomia individual, solidariedade entre os indivíduos reunidos em sociedade, valorização pessoal, segurança alimentar, respeito pelo caráter sagrado da vida.
Sim, temo tudo isso, não só porque ainda tenho nos olhos a imagem desse jovem que defrontou um tanque na praça Tian'anmen, armado apenas com os seus dois sacos de compras (não esqueçamos que este jovem era, também ele, chinês), ou porque prevejo um conflito civilizacional entre a Europa e a China, mas também porque estou assustado com o descaminho de um capitalismo financeiro cuja espinha dorsal passou a ser representada por fundos soberanos chineses, com uma utilização do capitalismo concebido para financiar o trabalho e o projeto empreendedor, mas que acabou por os enterrar.
Se num futuro próximo a política não conseguisse percorrer em sentido inverso o caminho que a conduziu da soberania à obscenidade, o risco seria, efetivamente, que dentro de pouco tempo surgiria um conflito gigantesco entre os juros especulativos da finança apátrida – pouco importa se é chinesa, americana ou nossa – e as necessidades, as expectativas legítimas, as esperanças de cada um de nós.
Visto da China
A Itália acabará como Esparta, um parque temático.
Os receios exprimidos por Scurati no seu romance parecem ter feito eco na China: “Submergidos pelas dívidas, os países da Europa do sul estão a braços não com uma crise, mas com negociações comerciais. A Grécia e a Itália, que outrora dominavam o Mediterrâneo, envelhecem, e acabarão por ser resgatadas por uma multidão de turistas asiáticos, tal como Esparta”escreve o Asia Times. Este site da atualidade de Hong Kong compara de facto a cidade grega, “a primeira potência mundial a ser vítima de um suicídio demográfico, mas também a primeira antiga potência a sobreviver sob a forma de parque temático”, aos dois países mediterrânicos: “os últimos espartanos continuaram a olear o cabelo, a vestir túnicas, a tocar flauta e a colocar-se em falanges para satisfazer os visitantes romanos. Se os turistas que vinham de Itália permitiram a Esparta sobreviver durante 500 anos após o desaparecimento do seu modelo político, os visitantes chineses podem facilmente manter a Itália à tona durante um ou dois séculos. Tal como os espartanos, os italianos acabarão a vender pizas, a soprar vidro e engarrafar vinho para uma grande quantidade de asiáticos. Se as circunstâncias forem favoráveis, o número de turistas asiáticos poderá duplicar em poucos anos, ajudando assim a Itália reduzir a sua dívida externa. Mas há uma contraindicação: a China acabará por possuir grande parte do país”.

2 comentários:

  1. entendido, enquanto os ocidentais invadiram o oriente militarmente vinham restaurar a democracia e o livre comércio de opiáceos

    ahora que o domínio (parcial) dos fluxos económicos está mais para sul pensamos que nos vão invadir e se calhar saquear o eliseu ou o palácio de Inverno de belém..

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  2. ava n'tesma
    Que se saiba, quando os portugueses invadiram militarmente o oriente (e até fomos bem recebidos em muitos sítios), vivíamos em Monarquia e não foi propriamente pelos opiáceos, mas por umas ervinhas de cheiro e por uma missão capeada de "religiosa"...
    A preocupação que os orientais tiveram, mais tarde, na expulsão dos súbditos dos vários impérios que os exploraram, é a mesma preocupação que hoje os ocidentais tem, pelo mesmo domínio (ao contrário), com outras armas.
    Acresce que, para além da compra das dívidas europeias e americana, a compra de terras em todos os continentes para agricultura e alimentação dos seus cidadãos é conhecida, com forte impacto na fome que assola algumas regiões do mundo, como a Somália, neste momento.
    E não nos vão invadir, já nos invadiram com os montes de lojas e de benesses. Pena é que muitos portuguesinhos comprem barato, o que lhes sai caro, pelo abate da concorrência e pela porcaria (tudo se escangalha em meia hora) que vendem.
    Mas antes de chegarem ao Eliseu e a Belém, parece que a vontade deles é permanecerem por Itália e que Buda os conserve por lá.

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