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terça-feira, 15 de janeiro de 2013

E não anda tudo doido? Mas vai piorar...

Num relatório divulgado há dias, o FMI dedicou-se a repensar Portugal. Devo dizer que acho ótimo que se "repense" ou "refunde" o país, até para esquecer o Orçamento que já aí está a carburar. É também reconfortante que no relatório muito se elogie o Governo, e reconfortante me parece que Carlos Moedas venha depois a correr elogiar muitíssimo o relatório. "Vossas Excelências são fantásticas!", clamam os relatores. "Não, fantásticas são Vossas Excelências!", logo responde o sorridente secretário de Estado. Sim, aquele que fala de despedimentos como quem conta uma anedota ligeiramente picante.
Azeredo Lopes
É verdade que o texto do relatório contém erros de palmatória e se baseia amiúde em dados grosseiramente desatualizados (na Educação e na Saúde, por exemplo). Não é menos verdade que o novo guião do Executivo foi encomendado, e que os seus mandamentos resultam das "sugestões" que os autores receberam gulosamente dos seus ilustres interlocutores. Dizendo em palavras breves: é um fato quase todo costurado na conhecida alfaiataria Gaspar & Moedas, Lda.
Que é coisa de alto gabarito, ninguém duvida. Mas, por uma extraordinária coincidência, Marques Mendes já tinha anunciado no passado o essencial dos resultados... de um documento futuro. Por isso, das duas, uma: ou Marques Mendes é vidente (nunca reivindicou tal capacidade) ou, então, o relatório relatou aquilo que foi previamente decidido que relatasse.
Ora isto é péssimo, por duas ordens de razões. A primeira é a de que não consigo compreender como o FMI aceitou desempenhar este lamentável papel. A segunda é a de que, com este gatão escondido com rabo totalmente de fora, o Governo desperdiçou politicamente mais uma hipótese para, com boa-fé e a serenidade possível nestes tempos tempestuosos, conduzir a discussão sobre um assunto demasiado sério para esta brincadeira de mau gosto.
Como não podia deixar de ser, as "soluções" do relatório partem das premissas do costume: falta eficiência ao Estado, há demasiados privilegiados. Logo, é preciso cortar a direito, despedir às dezenas de milhares, aumentar a carga de trabalho e dos nossos trabalhos. Cortar, cortar, cortar, retirar, retirar, retirar. Sempre, sempre a mesma mezinha. Cortes até 20% aos reformados, mais anos de trabalho, e que interessa que Portugal seja o país europeu onde as pessoas abandonam mais tarde o mercado de trabalho? E que interessa tudo isto? Nada, foram os especialistas que disseram. E, por definição, os especialistas é que sabem.
O PS, por seu turno, que tenha cuidado. Começa a transmitir a ideia de estar refugiado numa posição passiva, em que se limita a dizer não ou a insinuar a necessidade de eleições. Do principal partido da Oposição espera-se que diga não, se assim o entender. Mas também que proponha com clareza e consistência e lute por algo de diferente, para não andar sempre a reboque. Porque já se sabe qual é o destino dos reboques: sem viatura que puxe, ficam parados.
Haja no entanto esperança: mais de 32.000 pessoas tinham assinado até ontem ao fim da manhã uma petição contra o abate do pitbull "Zico", que matou (repito: matou) uma criança de 18 meses em Beja. E porquê, perguntarão? Porque os animais, como as pessoas, "também merecem uma segunda oportunidade!". Como deseja docemente uma das signatárias dirigindo-se ao pitbull assassino, "que encontres uma família que te ame muito". Outra, com enorme bom senso, afirma: "se o cão há 8 anos nunca fez mal, não é motivo nenhum para ser abatido só porque atacou uma criança". Outro, lapidar, acrescenta: "quem defende este tipo de solução de abate é que deveria ser encostado a um poste e ser-lhe feito o mesmo". Outro, finalmente, conclui: "Tenham vergonha!".
Eu ter vergonha, tenho. Creio é que não será pelas mesmas razões. Porque, de alguma forma, tudo isto está cosmicamente ligado. O relatório da refundação e a salvação do pitbull "Zico".
E só me lembro das palavras de José Mário Branco: "E se inventássemos o mar de volta, e se inventássemos partir, para regressar"?

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