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terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Com um pé dentro e outro fora, lá vai levando a vida…

No seu próximo discurso sobre a Europa, previsto para 18 de janeiro, o primeiro-ministro britânico, David Cameron, tem de ter em conta o clima eurocético no interior do Partido Conservador, mas, acima de tudo, deve falar pelo país e não pelo partido e manter a Grã-Bretanha na Europa, afirma um editorial do Financial Times.
Financial Times
O Reino Unido há muito que vem sendo um país europeu relutante. Desde a adesão à então Comunidade Económica Europeia, há 4 décadas, a sua participação tem sido marcada por pressupostos errados e oportunidades perdidas.
O relacionamento conturbado do Reino Unido com a Europa é uma questão de cultura, geografia e história. A Grã-Bretanha é uma potência pós-imperial com afinidades com outros países de língua inglesa, especialmente os Estados Unidos. A incompreensão mútua entre o Reino Unido e a Europa resume-se a uma diferença básica de perspetiva: enquanto o Reino Unido se vê membro do grupo em termos económicos, a França e a Alemanha, os cofundadores, encaram a União Europeia como um projeto político forjado a partir das cinzas da II Guerra Mundial.
Esta clivagem aumentou com a crise da zona euro. A resposta da Europa, apesar de inicialmente titubeante, desfez entretanto a ilusão de que a noção continental de uma "união cada vez mais estreita" seja resultado de um delírio de Bruxelas. Perante a possibilidade de colapso do euro, a defesa de uma governação mais integrada do ponto de vista económico é agora recebida como prudente por todas as capitais europeias, incluindo Londres.
Alemanha, ator dominante na Europa
Outro desenvolvimento pós-crise, intencional ou não, é o ressurgimento da Alemanha como ator dominante na Europa. A ascensão da Alemanha atingiu um ponto em que os outros membros não se atrevem a travar as suas receitas de política fiscal e económica, com medo que a Berliner Republik não apoie a recuperação da zona euro.
Assim, no futuro próximo, a UE vai, pois, dividir-se não apenas entre os que estão dentro e fora do núcleo da zona euro, mas também entre uma área de fortes credores do Norte, liderados pela Alemanha, e a de fracos devedores do Sul, onde se inclui o Chipre, a Grécia, a Itália, Portugal e a Espanha.
Este é o cenário geopolítico do bem traçado discurso de David Cameron sobre a Europa. O atraso em apresentá-lo testemunha a complexidade das questões em jogo.
Este jornal defendeu sempre a adesão da Grã-Bretanha à União Europeia, e continuamos a acreditar que é decisiva para o interesse nacional. As razões que aduzimos vão para lá de um cálculo puramente económico de custo e benefício. Têm a ver com o lugar da Grã-Bretanha no mundo. A pertença dá ao Reino Unido influência sobre o maior mercado global. Ajuda a manter a relação especial com os Estados Unidos. Amplia a influência do Reino Unido num mundo em que o poder económico está a deslocar-se para Leste.
Lucros ultrapassam fronteiras nacionais
Os lucros ultrapassam as fronteiras nacionais. Graças ao mercado único, os britânicos podem viver, trabalhar, viajar e estudar livremente por toda a Europa. O alargamento da União Europeia para o Sul e para o Leste consolidou a democracia em Espanha, Portugal e Grécia e criou uma zona de paz e prosperidade na ex-comunista Europa Central e Oriental. No entanto, a UE de hoje é muito diferente daquela a que o Reino Unido se juntou em 1973, ou mesmo daquela em que os britânicos votaram para ficar quando lhes foi dada a oportunidade de expressarem a sua opinião, no referendo de 1975.
As reformas que a UE está a preparar no sentido de reforçar o projeto da moeda única, nomeadamente a união bancária e um orçamento separado para a zona euro, vai transformá-la ainda mais, de forma profunda e irrevogável. Isso criará um novo núcleo, totalmente integrado, em que o Reino Unido pode não querer vir a participar e que pode mesmo exercer uma influência dominante sobre setores da União que os britânicos muito prezam, como o mercado único.
Então, o que deve Cameron fazer agora e, igualmente importante, o que não fazer? O primeiro-ministro deve começar por adotar uma abordagem intransigente, tendo em vista o interesse nacional. Evidentemente, tem de ter em conta o estado de espírito eurocético dos bastidores do Partido Conservador. Mas não se deve precipitar. Deve evitar confundir a defesa dos direitos existentes com a futura repartição de poderes. Acima de tudo, deve falar pelo país e não pelo partido.
Papel de árbitro na Comissão Europeia
Do mesmo modo, deve ter um papel de liderança na UE, como Margaret Thatcher teve no mercado único e no alargamento. O Reino Unido é um parceiro difícil, mas é um membro valioso do clube europeu. Pode – e tem de – procurar aliados. Os britânicos podem pressionar no sentido de reformas dinâmicas favoráveis aos negócios, como fizeram desde a criação do mercado único. A crise financeira enfraqueceu a área dos negócios, mas vai voltar a emergir, especialmente se a União estiver realmente disposta a resolver o seu fraco crescimento.
Os britânicos devem igualmente exercer na Comissão Europeia o indispensável papel de árbitro, fazendo cumprir as regras do mercado único e conduzindo a política comercial. Temos aí uma aliança natural com a Alemanha, que se mantém firme contra qualquer medida que, em nome do fortalecimento da zona euro, prejudique o mercado interno.
Há também coisas que Cameron não deve fazer, de maneira nenhuma. Ele tem insistido em que o preço para uma integração mais profunda tem de representar um afrouxamento dos laços entre o Reino Unido e os seus parceiros na UE. O seu discurso pode tentar enunciar novos termos para o acordo. Mas não deve levantar falsas esperanças de que os outros membros venham a concordar em que o Reino Unido participe no mercado único sem aceitar as suas regras e princípios fundamentais. Do mesmo modo, as ameaças de veto de alterações fundamentais ao Tratado para salvaguardar o euro vão ser encaradas como chantagem. O resultado mais provável será uma rotura desastrosa de relações.
Interesse nacional
Por último, Cameron não deve permitir que os seus concidadãos embarquem em fantasias. Não faz sentido o Reino Unido procurar obter um estatuto semelhante ao da Noruega ou da Suíça. Esses países têm de aceitar as regras de pertença, sem terem voz na sua elaboração. Para o Reino Unido, esta posição seria intolerável. Conduziria seguramente à saída da UE.
O interesse nacional pode determinar que Cameron – ou um futuro governo – defina as relações entre o Reino Unido e um novo bloco dirigido pela Alemanha e pela França. Isso deve ser submetido a referendo, numa alternativa de "ficar dentro ou fora". Mas até Cameron conhecer os termos do novo acordo da zona euro, deve esclarecer os princípios básicos que estão em jogo – e manter a calma.

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