(per)Seguidores

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Uma moeda imaginária criou uma crise no mundo real

Os dirigentes e governos da União Europeia andam ocupados a projetar o futuro da UE. Mas essas fantasias do estilo Mais Europa esquecem-se de uma coisa: a crise real da zona euro, escreve Charlemagne no Economist.
Quem já jogou (ou assistiu às crianças a jogar) jogos de simulação em computador, como o "SimCity" ou o "The Sims", sabe como podem ser absorventes. Gastam-se inúmeras horas a criar um complexo mundo sintético, seja uma casa ou uma cidade inteira, a inventar personagens que falam uma língua absurda conhecida por Simlish, a controlar as suas ações e, por vezes, a resolver desastres que se abatem sobre eles. Uma febre semelhante está a atrair Bruxelas: chamemos-lhe “SimEurope”.
Guido Westerwelle e Radek Sikorski, ministros dos Negócios Estrangeiros da Alemanha e da Polónia, passaram grande parte deste ano trancados com 9 colegas (quase todos do sexo masculino), absorvidos num exercício de faz-de-conta. Esta semana, revelaram os frutos do seu "Grupo sobre o Futuro da Europa". É um mundo que inclui um presidente europeu eleito, um mais poderoso ministro dos Negócios Estrangeiros europeu, uma polícia de fronteiras europeia e talvez até um exército europeu. Os desmancha-prazeres britânicos não foram convidados.
Alguns dias antes, José Manuel Durão Barroso, presidente da Comissão Europeia, fazia o seu discurso anual sobre o "Estado da União" e falava de uma futura "federação de Estados-nação", noção que tem repetido desde então, em inúmeros artigos de opinião. Durão Barroso ressuscitou, assim, o termo cunhado pelo seu antecessor, Jacques Delors; mas não explicou o que quer dizer com isso. Declara apenas que irá apresentar algumas propostas em 2014.
Com essas palavras, Barroso afasta-se dos outros três "presidentes" – Herman Van Rompuy, do Conselho Europeu, Mario Draghi, do Banco Central Europeu, e Jean-Claude Juncker, do Eurogrupo dos ministros das Finanças – que estão a planear em conjunto uma "genuína” união económica e monetária. Depois de terem definido os "tijolos para a construção", em junho, Van Rompuy já produziu um "documento de reflexão", que propõe, entre outras coisas, um orçamento central para a zona euro. Um relatório interino deverá ser apresentado na cimeira de outubro e a versão final deverá estar pronta em dezembro.
Maus derrotados com Mais Europa
Sob muitos aspetos, foi Angela Merkel, a chanceler alemã, que começou esta mania do faz-de-conta, com os seus apelos a uma "união política" (incluindo mais poder para o deficiente Parlamento Europeu). Isso é estranho para a França, onde os partidos têm estado profundamente divididos sobre a Europa, como se viu nos referendos de 1992 sobre o Tratado de Maastricht (aprovado por escassa margem) e de 2005 sobre o tratado constitucional (rejeitado). No entanto, Pierre Moscovici, ministro socialista das Finanças, pronunciou recentemente a palavra "federalismo". E François Fillon, o até há pouco primeiro-ministro conservador, propôs um novo "pacto para a Europa", que incluiria um ministro das Finanças europeu.
Todas estas ideias têm origem num jogo antigo: o “Mais Europa”. O objetivo é evitar uma guerra cataclísmica ou a dominação por um país, unindo mas procurando sempre tirar vantagens nacionais. Cada nível de integração torna-se mais difícil, pois os problemas agudizam-se. Os jogadores têm não só de abdicar de mais poder, mas também de vender os novos tratados a populações relutantes.
No “SimEurope”, as pessoas são sintéticas, divididas em bons europeus e maus nacionalistas e populistas. Os maus podem ser derrotados com “Mais Europa”. No mundo real, as coisas são um pouco mais complicadas. Há um ceticismo crescente a respeito do projeto europeu. Segundo sondagens recentes, a maioria dos alemães pensa que estaria melhor fora do euro e muitos sairiam também da UE. Em França, a maioria dos que votaram a favor do tratado de Maastricht não voltaria a fazê-lo. Já em Espanha, a maioria quer aprofundar a integração na zona euro.
Partidos eurocéticos e eurofóbicos estão a abocanhar fatias substanciais do eleitorado. Nas eleições holandesas deste mês, os centristas parecem ter regressado às lides, mas sobretudo por terem adotado uma linha dura em matéria de apoios financeiros a países em dificuldades. Em muitos lugares, há um clamor crescente para que os cidadãos sejam consultados diretamente por referendo, embora as razões divirjam. Na Grã-Bretanha, os eurocéticos esperam ganhar uma votação que retire o país da UE, enquanto na Alemanha a elite pró-europeia quer um referendo para mudar a Constituição e dar mais poderes a Bruxelas.
Falir em segurança
Ao transformar uma moeda imaginária em realidade, os dirigentes europeus criaram uma crise no mundo real que têm de resolver. Voltar aos velhos marcos, francos e liras seria mais doloroso do que tentar endireitar o euro. Isso significa um pouco mais de integração e abandono da estudada ambiguidade quanto ao objetivo final da Europa, para que os cidadãos possam fazer uma escolha clara.
Pelo menos, os dirigentes estão a discutir as verdadeiras questões. Mas o problema de muitas das ideias recentes é ofuscarem mais do que esclarecerem as questões essenciais. Os ministros dos Negócios Estrangeiros podem gostar da ideia de brincar com um exército europeu, mas dificilmente isso será visto como central para resolver a crise económica. Também a federação de Estados-nação de Durão Barroso se afasta do ponto. Ergue o estandarte do federalismo, que é inevitavelmente controverso, sem dizer como a integração se concilia com a fatia do Estado-nação que sobra.
A zona euro caminha para o pior de dois mundos: os Estados-nação sentem-se violados pelo imparável controlo crescente de Bruxelas, apesar de o nível europeu se manter demasiado fraco e opaco para ter impacto e ganhar apoio popular. Melhor seria evitar rótulos e pensar num conjunto restrito de funções essenciais que necessitam de ser profundamente integradas. Uma união bancária coerente faz sentido, bem como títulos de tesouro comuns. A Alemanha rejeita a mutualização da dívida, em termos que nem mesmo os EUA esperam dos seus Estados federados para garantir a dívida uns dos outros.
No entanto, os Estados Unidos têm títulos federais, apoiados por impostos federais, que por sua vez conferem um ativo seguro para qualquer banco. Os Estados norte-americanos vão à falência, como acontece com muitos bancos. Chame-se-lhe o que se quiser – integração, centralização, federação, confederação –, desde que o objetivo seja o de estabilizar o sistema o bastante para permitir que os bancos e Estados mal geridos possam falir em segurança.

Sem comentários:

Enviar um comentário