A Catalunha reivindica o direito de não pagar mais nada a um Estado crivado de dívidas. E esfrega assim o fantasma da independência no nariz de Madrid e de Bruxelas. O debate sobre a autonomia fiscal faz lembrar aquele que a Alemanha impõe aos países do Sul, estima este jornalista de El País.
Cortes catalãs, Século XV
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Bruxelas assiste com inquietação
As causas diretas dos problemas económicos catalães são a profunda recessão após uma enorme bolha imobiliária e o trabalho de vários governos ao longo dos anos: não a muito discutível espoliação financeira (embora o sistema de financiamento seja imperfeito e o tamanho do défice possa ser questionável) esgrimido pelo separatismo para justificar as suas pretensões, segundo a análise de Bruxelas. Por isso, a UE viu com estranheza aparecer essa discussão, que se metamorfoseou em preocupação ao desabrochar no pior momento da crise espanhola.
Evidentemente, a Catalunha não é a Alemanha: para começar, sofre na própria carne os estragos da recessão e do desemprego. Mas a analogia funciona em muitos outros aspetos: uma vez mais o Norte rico, no meio da crise, quer limitar as suas transferências de solidariedade.
Bruxelas assiste com inquietação a este debate: “A Catalunha é uma fonte adicional de inquietação; Espanha já tinha problemas de sobra e agora uma das suas comunidades autónomas mais ricas tem que pedir um resgate ao Estado e, quase no mesmo dia, ameaça com a independência e apresenta um pacto financeiro pouco digno desse nome que, bem vistas as coisas, consiste em entregar menos recursos aos cofres do Estado agora que a saúde das contas públicas gera dúvidas”, afirma um diplomata.
Aspirações separatistas
O presidente da Generalitat [governo autónomo] fez algumas incursões em Bruxelas em busca de compreensão para o seu pedido de um sistema de financiamento. Artur Mas conversou com o presidente da Comissão, Durão Barroso e com o presidente do Parlamento Europeu, Martin Schultz. Praticamente com todo o universo europeu. Mas, para além da habitual ambiguidade calculada, as fontes consultadas não se lembram de uma única alusão às aspirações secessionistas da Catalunha.
“Não renunciamos ao que somos… O nosso lema é mais Catalunha e mais Europa”, disse Artur Mas à imprensa numa dessas visitas. “Ou seja, menos Espanha?”, perguntaram-lhe. “Não. Nós somos positivos; afirmamos, não negamos nada”, esclareceu. Por isso, a primeira reação de Bruxelas foi de incredulidade. Seguida de uma clara advertência: “Algumas das reivindicações catalãs merecem a nossa simpatia. Mas está a cruzar-se uma fronteira perigosa. Podemos entender essa aspiração em melhorar o financiamento, mas nem sequer na Alemanha, com um sistema fiscal federal que pode servir como modelo, se consegue entender que se viole assim essa linha das aspirações independentistas que fez disparar os alarmes em Bruxelas perante o risco de efeitos miméticos noutros lugares”, afirma um funcionário europeu.
A barreira Maastricht
A independência da Catalunha acarretaria evidentes problemas jurídicos, a julgar pela elegante redação do artigo 4.2 do Tratado da União. Além disso, a tomada de decisões na UE encaminha-se para as maiorias qualificadas salvo num ponto em que será sempre necessária a unanimidade: a entrada de novos Estados. Essas barreiras podem funcionar como diques de contenção: o presidente da Comissão, Durão barroso, deixou muito clara a doutrina sobre este assunto. Por um lado, é uma questão “interna” de Espanha. Por outro, em caso de hipotético processo secessionista num Estado-membro, “a solução teria de ser encontrada dentro do ordenamento jurídico internacional”.
O Governo do PP deu a entender que o problema do défice espanhol é culpa das comunidades autónomas. Falso. E tem tentado iniciar uma certa centralização de competências (com o argumento de estar a cumprir deveres impostos por Bruxelas) que gera receios na Catalunha e que explica em parte essa reação. Aí, mais uma vez, o paralelismo com a Europa é preocupante: a troika envia os seus homens de negro a Madrid e, por sua vez, o Governo envia os seus próprios homens de negro às comunidades resgatadas, como a Catalunha.
Opinião - Será o federalismo a solução?
“Parlamento prepara uma declaração de soberania”, titula o diário de Barcelona, La Vanguardia. Três partidos nacionalistas, entre os quais o CiU (Convergència i Unió), que dirige o governo regional, vão brevemente publicar uma declaração que resume “o espírito” da manifestação para a independência da Catalunha, que ocorreu em Barcelona no dia 11 de setembro. Enquanto as eleições regionais antecipadas poderão ser realizadas este outono, e tornar-se num plebiscito sobre a independência, a declaração deverá incluir um pedido de referendo sobre a independência.
Esta nova etapa na crise entre o Governo de Madrid e as autoridades catalãs deixa em aberto a questão do modelo de organização territorial do reino. E, num momento de crise profunda, esta representa um verdadeiro desafio, resume Juan Luis Cebrián. O presidente do diário El País estima que
é necessário um pacto de Estado caso queiramos fazer frente às três crises que nos afetam: a económica, a institucional em Espanha e a da construção europeia. […] Reclamar a soberania fiscal numa altura em que a Europa pede a sua divisão parece um contrassenso. […] A singularidade da Catalunha só se pode estruturar através de um Estado federal, [pois] a sua separação da Espanha levaria a Catalunha a um declínio duradouro.
Face a este artigo e outras posições favoráveis a um modelo federal, nomeadamente a do antigo primeiro-ministro Felipe González, Enric Juliana, admira-se com “estas manifestações de federalismo repentinas”. O vice-diretor e correspondente em Madrid de La Vanguardia constata que
um fantasma percorre a Espanha. […] É a tentativa de formular uma resposta rápida e inteligente à revolta incerta da Catalunha. O sortilégio chama-se federalismo. […] O federalismo assimétrico outrora desprezado começa a ter adeptos inesperados. […] As posições de fundo não mudaram, mas há um ajuste de tons.
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