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sexta-feira, 28 de setembro de 2012

E que tal, um “Erasmus” para os governantes da UE?

As diferenças de padrões sociais e culturais entre os europeus são muitas vezes negligenciadas. E isso representa uma ameaça para o fulcro do projeto europeu, aponta um sociólogo holandês, argumentando que os dirigentes políticos se devem empenhar no diálogo com os cidadãos.
No século XIX, a imaginação da opinião pública desempenhou um papel crucial no desenvolvimento de comunidades nacionais através do continente europeu, como demonstram publicações como Comunidades imaginadas, de Benedict Anderson [Edições 70]. A teoria exposta neste livro é que os cidadãos se associam uns com os outros a um nível imaginário, podendo não ter nenhuma relação pessoal entre si e ter interesses completamente diferentes.
Este tipo de espírito de comunidade tem que ser concebido, expresso e tornado tangível. No entanto, nós, na Europa, ainda não chegámos a essa fase. Numerosos dirigentes alongam-se sobre os benefícios económicos da integração europeia, sem qualquer menção às diferenças culturais e com raro ênfase nos aspetos intelectuais e morais que o projeto europeu também possui.
Não é uma questão fácil. A Europa tem diferenças sociais e culturais substanciais. Vou-me debruçar sobre dois contrastes específicos. O primeiro é de caráter horizontal e aplica-se ao Noroeste e ao Sudeste europeus. Uma das principais diferenças é que o primeiro apresenta um elevado nível de secularização. Muitos temem até que isso possa ter consequências desastrosas para a sociedade. Quando as pessoas renunciam à sua fé em Deus, a opinião geral é de que também se preocupam muito pouco com os outros. Contudo, os factos revelam um quadro totalmente diferente. O trabalho voluntário, por exemplo, está muito mais desenvolvido em países como a Suécia, a Holanda e o Reino Unido.
Sociedades de elevado nível de confiança
Outra diferença é que os cidadãos do Noroeste se sentem mais frequentemente envolvidos em questões públicas. Manifestam grande interesse pela política e têm mais oportunidades de expressar o que pensam e de exercer algum tipo de influência. Além disso, albergam todos os tipos de empreendimentos sociais, culturais e recreativos, ao mesmo tempo que mantêm uma sociedade civil altamente desenvolvida.
Não é sem razão que as nações desta região são chamadas “sociedades de elevado nível de confiança”. O facto de as empresas, os cidadãos e outros atores confiarem uns nos outros contribui certamente para o desenvolvimento económico. A sociedade moderna, secularizada, rica e democrática, valorizadora da vitalidade, profissionalismo e dignidade humana, é mais profunda no Noroeste do que no Sul e Leste.
Para lá da clivagem horizontal, no entanto, existe outra, vertical. Veja-se a questão de saber se as pessoas têm fé na União Europeia, por exemplo. Está intimamente ligada ao nível de educação. Apenas 37% dos que deixaram os estudos antes dos 15 anos confiam na UE, enquanto a percentagem entre os que continuaram a estudar passa os 63%.
Temos um quadro semelhante quando se coloca a questão da atitude das pessoas perante a expansão da União Europeia. Quase metade dos inquiridos é firmemente contra tal expansão. Mais uma vez, no entanto, esta atitude é muito mais comum entre pessoas com pouca instrução (51%) do que entre os que mantiveram os estudos (29%).
Os cidadãos que se sentem de alguma forma ameaçados por processos de modernização inclinam-se geralmente para uma atitude menos otimista, que também se aplica à visão da Europa. Se se pretende que o projeto europeu se desenvolva, então é essencial que esta divisão seja superada.
Opiniões e sensibilidades
No caso do diálogo "horizontal", proponho que seja criado um verdadeiro intercâmbio entre pessoas vulgares com raízes no Norte, no Sul, no Oeste e no Leste do continente. O objetivo deve ser permitir que se familiarizem com outros modos de vida, por exemplo, passando um ano na região oposta da Europa. Neste processo, deveria ser dada particular atenção à forma como opiniões e sensibilidades, valores e ideais, tradições e ambições têm efeito sobre o quotidiano das pessoas.
O segundo diálogo que eu aplaudiria dirige-se à divisão vertical. Atualmente, ainda há um mundo de diferenças no modo como a elite próspera e altamente educada encara o projeto europeu e a crescente incerteza sentida pelas massas de cidadãos menos instruídos. Essa divisão não pode ser simplesmente ultrapassada por uma campanha de informação ou uma estratégia de comunicação sofisticada. Se se pretende que a noção da Europa seja abraçada, então há que ter em conta as experiências e expectativas, os valores e as preocupações das pessoas comuns.
Envolvimento e dignidade humana
Esse diálogo só será bem-sucedido se os dirigentes que ocupam cargos públicos desenvolverem novos hábitos. Um grande grupo de cidadãos sente-se abandonado pelas modernas elites administrativas, que não primam pela empatia nem pelo envolvimento social, apresentando uma visão do mundo que é simultaneamente liberal e rígida.
É possível um tal diálogo? Acredito que a dinâmica cultural que nos fez chegar à vida moderna contém princípios filosóficos que são partilhados – conscientemente ou não – por inúmeros europeus. Estou a pensar em palavras-chave como liberdade, justiça, igualdade, autonomia, participação e dignidade humana. Embora o diálogo também devesse contemplar a forma como entendemos esses princípios na prática, o próprio facto de tal debate ocorrer implica não se encarar já a integração europeia como um "processo irreversível".
Na verdade, a história é um processo dialético. Quem está no poder tem uma palavra a dizer, mas os cidadãos também. Por isso, quem tentar impor o projeto europeu como um imperativo não se deve surpreender com o crescente apoio dado a partidos eurocéticos como o SP e o PVV [nos dois extremos do espetro político holandês].

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