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segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

9º de “Dez olhares sobre a Europa” - Tim Parks

O escritor Tim Parks defende uma Europa construída sobre uma visão partilhada, que se entusiasme na reformulação do mundo, em vez de lutar por mantê-lo como está.
Os desafios multiplicam-se e a Europa permanece preconceituosa e confusa. Independentemente dos efeitos palpáveis das alterações climáticas, da diminuição dos recursos naturais, da imigração maciça, do Islão militante, do declínio norte-americano e do reforço da China. É claro que o nosso modo de vida actual é insustentável. Têm de ser feitas enormes mudanças, as quais, pela primeira vez, terão que ser conduzidas e negociadas a nível global. É difícil imaginar a Europa, tal como funciona presentemente, a procurar a unidade, a visão e a coragem necessárias para dar um contributo válido. A alternativa, desgraçadamente, é a guerra.
Ao longo das décadas de 1980 e 1990, numa altura em que a Comunidade Europeia se expandia e consolidava eu tinha reservas quanto ao processo. Vivi toda a vida adulta em Itália, pelo que não era o típico céptico inglês, desejoso de preservar os cacos do imperialismo britânico. Era a retórica fóbica e o tom derrotista que eram tão desinspiradores. Com receio de nova guerra entre nós, tivemos que nos amarrar num enleio de regras comerciais e regulamentos cada vez mais burocratizados; com receio das ameaças do exterior, tivemos que formar um bloco contínuo de defesa colectiva, contra os produtos agrícolas de África, a manufactura da China, o império russo a leste.
As nações juntaram-se para formar a Europa, não como convertidos a uma ideologia empolgante, mas como pragmáticos que negoceiam a rendição. Convencidas de que um destino nacional autónomo era um delírio antiquado, agarraram-se a todos os fragmentos de soberania que conseguiram. O lado tranquilizador foi que a Europa nunca atraiu a lealdade visceral que pode levar as pessoas a morrer por uma bandeira; a Comunidade não se pode vangloriar de nenhum mártir. Por outro lado, o seu único grande sucesso foi burocrático; não houve nunca um orgulhoso centro de poder eleito a tomar conta do nosso futuro colectivo. Enquanto a retórica falava de iguais colocando o seu destino em comum, as decisões emergiam com evidente manipulação dos antagonismos e alianças entre França, Alemanha e Grã-Bretanha. Nunca foi fácil ser um crente.
O ambiente geral é conservador e mesquinho
Em Itália, a hipocrisia e o oportunismo do processo eram inegáveis: a Europa produzia uma retórica de devoção e progresso que se substituía a qualquer debate real. Responsabilizavam-se as suas instituições por decisões económicas duras, que os fracos governos de coligação não podiam de outra maneira impor. Os seus fundos iam sendo usurpados e defraudados, as suas regras postas de lado quando não serviam. Apesar de se gabar do seu europeísmo, a Itália, como todos os outros países, vê-se como uma entidade autónoma, que ordenha o que pode do grupo. O egoísmo parece realmente crescer à medida que vão sendo feitas cedências na identidade soberana. A única vindicação de maior honestidade da parte do Reino Unido está em nunca ter escondido este cinismo. A longa insistência de Blair/Brown em permanecer fora do euro – “entraremos quando fizer sentido fazê-lo” – pode parecer de um pragmatismo inteligente, mas não anima as almas. Nem os mercados. Abraçar uma ideia com entusiasmo ou, em alternativa, rejeitá-la por princípio são decisões que alteram as condições económicas e estimulam todo o tipo de comportamentos positivos.
A ambivalência sobre onde se situa hoje o poder na Europa afecta todas as áreas da vida. Nenhum país se vê como decisivo a nível internacional e nenhuma instituição expressa a vontade colectiva. As possibilidades de uma visão arrojada e de alterações de vulto não se perfilam no horizonte. Ninguém é responsável porque ninguém pode ser. O ambiente geral é conservador e mesquinho: vamos lá preservar a qualquer preço o nosso modo de vida privilegiado; vamos lá aproveitar o que pudermos enquanto pudermos. Ouça-se o discurso dos grupos de pressão dos automobilistas quando o preço da gasolina sobe um centavo e toma-se o pulso à situação. É um espírito de negação. Realidades como as alterações climáticas são aceites a nível intelectual, mas ignoradas na prática. Passam-se numa dimensão à parte, onde somos totalmente impotentes. Só temos de lutar contra as subidas de preços, nada deve alterar os nossos padrões de vida.
Como chegar a uma mudança de rumo?
Um resultado disto é que as mentes mais brilhantes do continente, os mais inteligentes e iluminados, sejam novos ou velhos, não encaram participar no serviço público como uma carreira. No melhor dos casos, envolvem-se de tempos a tempos num ou outro movimento de protesto condigno. Mas a maioria retira-se para as suas vidas pessoais, pondo de lado o colectivo. Este abandono do talento do espaço público é sintoma de decadência. Pode originar algumas boas produções. Mas não nos liberta.
Contudo, ansiamos por permanecer optimistas. Talvez a própria premência dos problemas acabe por acordar-nos da desgraça do nosso torpor actual. Que tipo de Europa gosto de imaginar para o futuro? Principalmente, uma Europa que se veja como uma comunidade construída sobre uma visão partilhada, uma Europa que se empolgue com a redefinição do mundo, em vez de lutar para o manter como está, uma Europa corajosa e positiva, em vez de fóbica e negativa. Tal comunidade encontraria uma forma de se expressar politicamente, mesmo através do labirinto das instituições que presentemente toldam o exercício de poder. Podia até tornar-se suficientemente sedutora para levar os seus imigrantes a uma integração entusiástica, em vez da actual coabitação relutante.
Como poderá chegar-se a uma tal mudança de rumo, de sentimentos? Não faço ideia e tenho pouca fé. Seguro é que os europeus devem abolir definitivamente a noção de que são de algum modo superiores, de que a sua cultura já expressou o auge da civilização humana e da realização artística. Esta concepção vigora e é profundamente corrosiva. Mais crucial ainda é abandonar a orientação da vida para o desejo individual de acumular bens e uma companhia amável no seu pequeno castelo. No fundo, a meu ver, trata-se de uma mudança profunda da percepção do que seja o bem-estar e de como a vida deve ser vivida. Abertura de espírito, generosidade e tolerância são essenciais. Mas é melhor parar por aqui a lista dos desejos. Ao expressar estas ideias, uma pessoa sente-se ingénua e fútil. Não vai acontecer. Falar sobre o futuro da Europa equivale a candidatar-se a uma séria depressão.
Tim Parks

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