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quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Para que se saiba e não se desconfie…

Seguindo-se à recente visita de Barack Obama, a próxima viagem do primeiro-ministro chinês Wen Jiabao à Índia dará uma nova oportunidade aos media para dissertarem sobre a crescente influência económica global da China e da Índia.
Podemos, porém, estar certos de que os pontos fracos de ambas as economias serão mantidos em silêncio.
Depois de uns tantos séculos de relativa estagnação, estes dois países, que contêm perto de dois quintos da população mundial, sentiram um crescimento das receitas notavelmente rápido nas últimas três décadas. A China e a Índia, respectivamente na indústria e nos serviços (particularmente no software, gestão de processos de negócios, etc.), têm feito enormes avanços a nível internacional, e as compras de multinacionais têm atraído grande atenção.
Algumas afirmações imprecisas têm-se tornado parte do senso comum, através da constante repetição, por vezes até sem interrupção, de relatos sobre as duas nações. Mas a maior parte daquilo que realmente acontece dentro destes dois países é ainda ignorado.
Por exemplo, em termos de valor acrescentado (o valor saído da produção depois de deduzidos os custos das matérias-primas e dos componentes), a China não é, por ora, o centro do sector industrial, ao contrário da impressão popular. Os chineses produzem cerca de 15% do valor acrescentado no sector, enquanto os Estados Unidos contribuem para perto de 24% e a União Europeia para aproximadamente 20%.
Da mesma maneira, os serviços relativos às tecnologias da informação da Índia têm conquistado uma reputação internacional, embora o número total de pessoas empregadas no sector seja inferior a 0,5% da força de trabalho indiana. Como tal, eles não podem, por si só, transformar a economia do país.
O crescimento chinês é visto, em larga medida, como sendo conduzido pelas exportações, mas o investimento interno tem sido, de facto, o principal impulsionador. Mesmo no pico da expansão do comércio global em 2002-2007, as exportações (em termos de valor acrescentado) contabilizavam para apenas um pouco mais de um quarto do crescimento do PIB, sendo que o investimento nacional contribuía para uma percentagem substancialmente superior.
Além do mais, ao contrário da crença popular, muita da significativa redução da pobreza na China ao longo das últimas três décadas não se deveu à integração na economia global, mas sim a factores internos como o crescimento do sector agrícola (onde a população mais pobre estava concentrada). Tal pode, essencialmente, ser atribuído ao investimento público em infra-estruturas rurais e, num período inicial, às mudanças institucionais na organização da produção agrária e a uma distribuição igualitária dos direitos de cultivo da terra.
Sem dúvida, a expansão das exportações de produtos manufacturados feitos com mão-de-obra intensiva tirou muitos chineses da pobreza. Isso não é verdade para a Índia, onde as exportações são ainda exigentes a nível de competências e de capital. A reforma económica tornou o sector empresarial mais dinâmico e competitivo, mas uma grande parte da economia indiana não está nesse sector (tanto público como privado). Na realidade, 92% da força de trabalho está empregada no sector informal.
A redução da pobreza na Índia tem sido importante, mas não substancial. No entanto, em relação a indicadores de pobreza que não as receitas – por exemplo, mortalidade infantil, má nutrição e abandono escolar –, a performance do país tem sido negativa (em alguns casos, até pior do que na África Subsariana).
Nos media financeiros, a China e a Índia tornaram-se figuras emblemáticas da reforma de mercado e da globalização, mesmo que, em matérias de privatização, de direitos de propriedade, de desregulação e de uma persistente rigidez burocrática, ambos os países se tenham afastado, em muitos pontos, de uma ortodoxia económica. De acordo com o muito citado Índice da Liberdade Económica, da Fundação Heritage, a China e a Índia são relegadas para o grupo de países descritos como “maioritariamente sem liberdade”. Em 2008, de um total de 157 nações, a China ficou na 126ª posição e a Índia na 115ª.
Embora as políticas económicas socialistas nos dois países proíbam a iniciativa e o empreendedorismo, um legado positivo daquele período não pode ser negado. Pode-se argumentar, por exemplo, que o socialismo chinês lançou uma rampa para o forte crescimento, particularmente, em termos de uma base sólida para a educação e saúde, a electrificação rural, uma rede de segurança permitida por uma distribuição equitativa dos direitos da terra, a descentralização económica regional e uma alta participação feminina na força de trabalho. Além do mais, uma grande parte da herança socialista em ambos os países é o efeito cumulativo do papel activo do Estado no desenvolvimento tecnológico.
Ao contrário da Índia, onde o sector empresarial privado é o sector mais dinâmico, as empresas estatais chinesas são algumas das mais bem sucedidas a nível global. Mesmo nas famosas companhias privadas como a Lenovo e a Huawei Technologies, a estrutura de propriedade é bastante complexa, e as fronteiras entre os direitos público e privado obscurecem-se. A recente compra da Volvo pela fabricante de automóveis chinesa privada Geely gerou muita carga mediática, mas muito do dinheiro foi disponibilizado pelos governos municipais.
As famílias políticas poderosas gerem a maior parte das empresas estatais. Na realidade, há algumas provas de que a esmagadora maioria dos multimilionários da China são familiares de altos funcionários do Partido Comunista. E, graças à grande quantidade de poupanças conseguidas pelos agregados chineses e pelas empresas públicas, a economia chinesa pode, por enquanto, enfrentar o desperdício e a distribuição irregular, implícitos neste capitalismo de tráfico de influências.
Mas, sem uma reforma política, a viabilidade a longo prazo do sistema está em dúvida. O próprio primeiro-ministro Wen afirmou-o num discurso em Agosto, que foi largamente noticiado no estrangeiro mas censurado pelos media chineses. Já os media globais deveriam avançar um pouco mais e começar a examinar os muitos aspectos da evolução da China e da Índia que escapam à narrativa simplista do triunfo da reforma de mercado.
Pranab Bardhan é professor de Economia, na Universidade de Califórnia em Berkeley e o seu livro mais recente intitula-se Awakening Giants, Feet of Clay: Assessing the Rise of China and India.
Para quem não acredita em milagres e desconfiava que afinal a tal formação académica não tinha qualquer relação com a criação de riqueza em certos países emergentes, muito menos com incidência na Matemática, Ciências e Língua Materna, aqui vai uma análise, que não dizendo tudo, sempre abre um pouquinho da cortina.

2 comentários:

  1. Outro artigo muito útil para uma aula de amanhã. Thanks!!!

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  2. Ibel
    Pensando bem, o mundo é-nos descrito ao contrário, nos telejornais...

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