Escutas feitas no âmbito da operação Monte Branco terão levado as autoridades a investigar processo de privatização da REN e da EDP.
Não foram constituídos arguidos nas buscas realizadas pelo DCIAP entre quinta-feira e anteontem, com o objectivo de "investigar a intervenção de alguns dos assessores financeiros do Estado nos processos de privatização da REN - Redes Energéticas Nacionais e da EDP".
Numa nota, o DCIAP adianta também que estas diligências decorreram no âmbito do processo Monte Branco - que investiga uma rede centrada numa empresa suíça que oferecia esquemas para fugir ao fisco e para branquear capitais. Foram escutas feitas neste inquérito, envolvendo responsáveis da Caixa BI (banco de investimento da CGD) e do BESI (Banco Espírito Santo Investimento), que terão levando suspeitas às autoridades. A Caixa BI e o BESI assessoraram partes contrárias nos processos de privatização da REN e da EDP.
Nestas operações existe em regra grande interacção entre assessores financeiros do vendedor e dos potenciais compradores, nomeadamente no momento da discussão do preço. Trata-se de uma estratégia negocial que pode gerar pontos de conflito e de tensão entre os vários interessados.
Quinta-feira, o Ministério Público (MP) fez buscas na Parpública, que esteve a representar o Estado nas privatizações, e, no dia seguinte, sexta-feira, rumou a uma das empresas que a assessorou neste processo, a Caixa BI, então presidida por Jorge Tomé, que dirige hoje o Banif. Na segunda-feira, os investigadores estiveram no BESI, liderado por José Maria Ricciardi, que apoiou 2 dos vencedores: a chinesa Three Gorges, que ganhou a corrida pela compra dos 21% que o Estado vendeu na EDP e de um dos compradores da REN, a State Grid, que ficou com 25% daquela empresa.
O procurador Rosário Teixeira do DCIAP acompanhou as buscas no terreno, apanhando "totalmente" de surpresa os responsáveis das instituições. As buscas ficaram apenas nas mãos de procuradores daquele departamento especializado na investigação de criminalidade complexa e organizada. O MP apostou na discrição das operações, não tendo facultado grandes justificações nos seus mandados de busca, para evitar a propagação de informações.
"Não está em causa o sentido da decisão final assumida naquelas privatizações, mas tão-só a investigação criminal de condutas concretas de alguns intervenientes", esclareceu o DCIAP.
As privatizações, quer da REN quer da EDP, estiveram no seu início envolvidas em polémica, quando a Parpública contratou, por ajuste directo, em Agosto de 2011, a Perella Weinberg Partners para prestar assessoraria financeira ao Estado. Na altura várias vozes criticaram o facto de esta sociedade, de origem norte-americana e com um sócio português, Paulo Cartucho Pereira, não ter, aparentemente, historial no sector energético. A decisão de contratar esta consultora terá partido do próprio ministro das Finanças, Vítor Gaspar. O Diário Económico revelou então que Gaspar terá alegado falta de tempo "para lançar um concurso de selecção dos bancos, tendo em conta a urgência em avançar com as privatizações". Paulo Cartucho Pereira, ex-chefe do departamento de fusões e aquisições europeias da Morgan Stanley, é tido como próximo de Gaspar e do economista António Borges, que à data da sua contratação pela Parpública estava no FMI, a liderar o departamento europeu. Só este ano, Borges assumiu as funções de consultor do Governo para as privatizações.
Uma fonte ligada às operações confessou-se perplexa com a investigação, pois, segundo notou, estão em causa 2 privatizações "objecto de grande fiscalização ao mais alto nível". Outra fonte, ligada à CGD, adiantou que o Governo deliberou "com base em pareceres técnicos", numa reunião "renhida", e que tinha a prorrogativa de, no caso de as propostas serem muito semelhantes, fazer uma "última ronda" para valorizar os activos.
O vice-presidente da Transparência e Integridade - Associação Cívica (TIAC), Paulo Morais, reagiu às notícias relacionadas com a privatização da EDP e REN exigindo a responsabilização de todos os que tiveram um papel no processo.
Na opinião do ex-vereador da câmara do Porto, Governo, Comissão Especial de Acompanhamento à Privatização, Conselho de Prevenção da Corrupção, comissão eventual para acompanhamento das medidas do programa de assistência financeira a Portugal (Comissão parlamentar da Troika), devem ser chamados a responder pela falta de transparência.
“Tudo foi feito ao contrário”, assegura Morais depois de lembrar o documento apresentado pela TIAC, em Junho de 2011, após a assinatura do Memorando de Entendimento com a Troika, que sugeria um conjunto de medidas para evitar fenómenos de corrupção no processo de privatizações.
Para Morais, o erro do Governo foi o de ter nomeado uma comissão de acompanhamento interna – presidida por Daniel Bessa – em vez de abrir essa entidade “à sociedade civil”. “Desde o início se devia ter constituído uma comissão de acompanhamento externa que pudesse explicar o modelo a ser adoptado, os critérios de aceitação de candidatos e que fizesse a monitorização a posteriori, critica o professor universitário ligado à área da Ciência Política.
Mas as críticas não se limitam ao Governo. Considera insuficiente o papel de Guilherme d’Oliveira Martins, enquanto líder do Conselho de Prevenção da Corrupção. “Reuniu com a comissão de acompanhamento já depois de concluído o processo. Deve haver ali um problema em relação ao significado da palavra prevenção”, considera antes de classificar o trabalho do Conselho como “patético”.
E o Parlamento também não está isento de culpas, assegura. Morais fala de “deputados coniventes” apontando o dedo aos membros da comissão parlamentar da Troika. “Pessoas com conflito real de interesses” assevera, ao referir-se a Miguel Frasquilho (PSD), Pedro Pinto (PSD) e Adolfo Mesquita Nunes (CDS). O primeiro devido à sua ligação ao BES (que agora estará a ser investigado), o segundo por estar ligado a empresas que fazem consultoria para a EDP e o último por colaborar no escritório de advogados que assessorou o Governo e a EDP no processo.
“Isto já é mais do que promiscuidade absoluta, é simples identidade”, remata Morais.
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