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sábado, 21 de julho de 2012

Tudo é suportável, menos saber que nos enganaram!

A 19 de julho, várias centenas de milhares de pessoas manifestaram-se contra a política de austeridade do Governo de Mariano Rajoy. Hoje, numa altura em que é necessário um grande salto, acabou a confiança dos espanhóis naqueles que os governam, lamenta o sociólogo Fernando Vallespín.
Na legislatura anterior, já tínhamos entrado numa situação de exceção, mas aqueles que agora se encontram no Governo fizeram orelhas moucas. Então, a sua prioridade não era o país e, sim, os seus próprios interesses eleitorais. Depois de terem alcançado os seus objetivos, começaram a pôr em prática tudo quanto tinham prometido que não fariam. Se o tivessem feito de repente, logo que chegaram ao poder, talvez tivessem conseguido alguma eficácia. Mas não, o tratamento tinha que ser homeopático e não de choque, porque ainda havia alguns problemas políticos pendentes, como as eleições na Andaluzia [em março de 2012].
Por seu turno, os governantes de então só começaram a agir energicamente depois de a Europa lhes cair em cima, de forma quase literal. Nos dois casos, os interesses políticos de cada uma das partes levaram a melhor sobre aquilo que a urgência da situação exigia.
O resultado foi a classe política, já de si desprestigiada, ter acabado por cobrir-se de opróbrio. Aqueles que deveriam ser a solução para estes momentos tão angustiantes são agora vistos como o problema pela população, cada vez mais cética. Já ninguém acredita em nada nem em ninguém. Nem nos políticos, nem em peritos ou tecnocratas, nem em nada que venha das elites ou de pessoas ou instituições que, até agora, gozavam de “autorictas”. Encontramo-nos na pior das situações possíveis, porque não temos em quem poder confiar.
País pária
E, pior ainda, ninguém confia em nós; da noite para o dia, passámos a ser um país pária. De repente, nós, cidadãos, tomámos consciência de que estamos sós. E o isolamento e a impotência em que vivemos conduzem ao desespero ou mesmo ao maior dos niilismos. Não há coletivo que possa viver sem futuro, sem saber que é dono do seu destino.
Ainda assim, quase tudo é suportável, menos a consciência de que nos enganaram. Com a promessa de serviços públicos, que agora se verifica não serem financiáveis; com um modelo de desenvolvimento económico enganador, construído sobre o nada, que criava uma falsa imagem de prosperidade; com uma Europa que supúnhamos iria contribuir para dar poder e potenciar a nossa soberania, e não subvertê-la. Já não nos reconhecemos no modelo. Entre outras razões, porque aqueles que o sustentavam vão nus.
Contudo, só temos duas opções: quebrar o modelo, rasgarmos as vestes e cairmos por completo na depressão coletiva, num país zombie e sem rumo, ou potenciar as virtudes que ainda temos – que, indiscutivelmente, não são poucas. Além disso, neste momento, apesar de sós, estamos mais unidos do que nunca. Como muito bem dizia Borges, "não é o amor que nos une, mas o pânico". E também sabemos por Hobbes que a paixão que nos leva a cooperar não é o altruísmo e, sim, o medo.
Conflito niilista ou coesão positiva
Neste momento, o nosso maior problema é de gestão, tem a ver com transformar a nossa confiança, perplexidade e ceticismo numa ação positiva; com transpor as dificuldades que nos colocam sobre a mesa para soluções efetivas. Mas, para isso, falta um projeto no qual seja possível enquadrar as linhas de atuação, distinguir o necessário do supérfluo, fazer das privações e carências de hoje expectativas claras de melhoria no amanhã. E, aí, a liderança, precisamente o bem mais escasso é essencial.
Presentemente, os que estão no poder limitam-se a apagar fogos, de qualquer maneira, sem um roteiro para o futuro, que dê consistência à sua ação; e às bases não resta alternativa que não seja defender nas ruas aquilo que lhes tiram nos gabinetes. Falta o engaste, qualquer coisa que cimente um projeto coletivo e, pouco a pouco, restabeleça a confiança perdida. Podemos escolher entre o conflito niilista, à maneira grega, e a coesão mais positiva, à maneira irlandesa; converter o pânico em levantamento paralisador e vitimista ou em energia criativa e responsável. E, isso sim, depende de todos nós.
Contraponto - Rajoy, entre a espada e a parede
“Governo preso entre a espada dos mercados e a parede humana na rua”, titula El Mundo, no dia seguinte às manifestações que fizeram com que centenas de milhares de pessoas descessem as ruas das principais cidades espanholas. Enquanto isso, o parlamento aprovava a última parte do pacote de 65 mil milhões de euros de cortes orçamentais anunciados pelo primeiro-ministro Mariano Rajoy.
O diário madrileno considera que não há “margem de manobra para ceder à pressão” constantemente presente, apesar da aprovação da ajuda financeira ao setor bancário (no valor máximo de 100 mil milhões de euros) pelos parlamentos alemão e finlandês. Do lado dos mercados, a pressão continua igualmente intensa, com um recorde do prémio de risco de 5,95%. O editorialista do diário conservador ABC, José María Carrascal, estima por sua vez que “os cortes são estímulos” necessários para relançar a economia do país:
Os cortes e estímulos não se opõem. Funcionam em conjunto, os primeiros constituem a base dos segundos. Por outras palavras: estimular a economia sem cortes orçamentais não serve de nada. Introduzir estímulos modernos numa economia desatualizada, equivale a deitar água numa peneira. […] A Espanha é um país sobre-endividado, sobre-regulamentado, sobrecarregado a todos os níveis, nacional, regional, municipal ou financeiro. Deve, antes de mais, livrar-se desta dívida, dessas subvenções, regulamentos, deste peso acumulado durante décadas de laxismo fiscal e administrativo. Dizer que precisamos sobretudo de estímulos é o mesmo que alimentar uma pessoa que pesa 250 quilos com hambúrgueres e esparguete.

2 comentários:

  1. Subscrevo tudinho. Como cá, lá enganaram a população. Só que com uma diferença - a população é mais culta, informada... e reactiva. Situação a acompanhar com cuidado... até pelo risco de contágio... que não era mau de todo. Já chega!

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    1. Pois é Anabela.
      Os Espanhóis estão a repetir todas as análise e a chegar às mesma conclusões que chegaram os gregos, os irlandeses e nós. Vamos ter que ler o que já sabemos e já, já a seguir vem a Itália...
      Ou eles não lerem a nossa imprensa e a blogosfera, ou pensavam que o fogo não chegava lá.
      Cada vez mais há mais gente a marimbar-se para o euro e venha de lá o escudo para nos defendermos como antigamente...
      Isto está um caos e perigosamente explosivo, mas não por aqui...
      BFS

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