Passado um ano de governação não retiro a confiança que tenho no atual governo. Encontrou uma desgovernação sem limites, uma corrupção extrema e um acordo com a troika que tem que cumprir. Não se trata de ser bom aluno, mas de mostrar que podemos ser pobres, mas que devemos ser honestos nos compromissos assumidos. Mas não posso estar de acordo que, por mais duras que sejam a medidas a tomar, impostas ou não, só os pobres estejam a sentir a sua dureza através de medidas fiscais que são a expressão de uma ditadura fiscal. E, porque os mais fragilizados, trabalhadores da classe média e pobres, sem meios de defesa, não são protegidos pelo Estado, que os devia respeitar, correndo-se o risco do sentimento generalizado de que vivemos num “estado ladrão”.
Pode o leitor dizer que é um tiro no escuro e que há algum exagero nas palavras. Não é verdade, porque só me junto à voz daqueles que advogam a mesma conclusão: os políticos criaram um sistema de justiça, cujo contacto tóxico tornou a carga fiscal numa ditadura em que os mais desprotegidos, por não terem meios para pagar a advogados, abandonam o recurso judicial sobre as formas como a administração fiscal suga os seus parcos recursos. O Estado de Bem corre o risco de se transformar num “estado ladrão” para uma grande maioria da população em situação de fragilidade e pobreza.
A troika tem um guião para resolver os problemas da crise na Europa. A gestão danosa dos ex-governantes não é nunca assinalada, pois a regra é que se tomem medidas de reestruturação que são geradoras de desemprego e sofrimento. O Estado pedinte segue os manuais e faz desabar o mundo sobre os trabalhadores. Gera o desemprego, corta o subsídio de férias e de natal aos funcionários públicos e reformados, lança uma carga fiscal insuportável no meio de legislação confusa que passa a ser regulada pela ditadura fiscal. Para reduzir a carga de processos nos tribunais, diga-se reduzir o pessoal, o poder político cria custos de processo tão elevado que o contribuinte desiste de pugnar pelos seus direitos.
Neste modelo, que a troika criou, o Estado vai-se apoderando dos bens do indivíduo que foi fragilizado pela conduta ruinosa de políticos impunes e que todos os dias aparecem nos noticiários com um riso cinicamente disfarçado. O Estado, ao apoderar-se dos bens dos mais fracos, pode estar legitimado por leis complexas e protetoras do próprio Estado, mas à luz do olhar do cidadão torna-se num “estado ladrão”. Um Estado de Bem é protetor do cidadão, é o garante do exercício de todos os seus direitos. Mas o Estado, quando não tem capacidade para julgar os políticos que conduziram o país à situação em que está, quando severamente pune os cidadãos fragilizados e protege os que possuem riqueza, Estado, repito, perde a qualidade sublime do bem para estar ao lado de corruptos, de ladrões e de oportunistas, por incapacidade de os combater. O manual da troika é o regresso ao liberalismo feroz, sem justiça social da riqueza produzida e lavando a perversidade do mal, sem reconhecimento do Bem Comum.
Assumo que as palavras são duras, mas não exageradas, escrevo em defesa dos que já não reagem às agressões dos políticos. Não coloco em dúvidas a honestidade de Passos Coelho, mas tenho que reconhecer que na governação de um ano conseguiu avanços na consolidação orçamental, mas esqueceu as medidas de ajuda a um terço da população em estado de pobreza e a caminho da insolvência. Tornar a carga fiscal a causa de agravamento da pobreza não merece aplauso.
Fale-se de situações concretas. A troika tem no seu manual, legitimado pela assinatura do contrato com o governo português, a revisão do valor matricial dos prédios, o famigerado IMI. A reavaliação do valor da propriedade vai incidir em propriedade de quem hoje recebe pensões meramente sociais, em propriedade que hoje está hipotecada à banca por quem não consegue pagar as prestações, em propriedade de desempregados que desesperadamente lutam para não perderem o único teto que têm, numa palavra, na maioria de cidadãos que estão a ser amordaçados pela crise. A grande maioria não vai ter condições económicas para recorrer das avaliações e, mesmo que possa, para quê enfrentar uma comissão de reavaliação em que 2 elementos são nomeados pela tal ditadura fiscal? Aí surge a figura do “estado ladrão“, pois o governo ao não garantir condições de fácil acesso à contestação fiscal está a apropriar-se de forma velada dos bens da classe média fragilizada e dos pobres que vagueiam num presente sem esperança no amanhã.
Curiosamente, nos últimos 30 anos, as políticas orientaram o cidadão para ser dono da sua casa. Os bancos, que hoje mostram a garra da usura para que o cidadão pague pelos erros de gestão interna dos mesmos, foram promotores de publicidade enganosa e de empréstimos sem princípios de ética e honestidade. O cidadão pagou os impostos sobre a propriedade que pensava ser sua, mas que pelas peripécias da vida é do banco, e fica a pagar um imposto sobre o rendimento, quando rendimento não há! Agora, a troika vem dizer que o valor matricial da casa, comprada já por preços especulativos, deve ser reavaliada por parâmetros que visam exclusivamente o aumento da carga fiscal. Como reage o Estado? Assalta o bolso do contribuinte, não como Robin dos Bosques para dar aos pobres, mas para garantir o aumento de receitas nos cofres do Estado. Encontre o leitor a palavra que julgar apropriada, que seja mais suave do que a que tenho utilizado. Mas não esqueça que a troika só se preocupa com os cofres do Estado e o governo não foi capaz de punir a banca pelos excessos cometidos!
Mantenho a confiança na integridade moral do PM, Passos Coelho, do Ministro das Finanças e da Ministra da Justiça, para que encontrem a melhor forma de reconstruir o Estado de Bem, em que o cidadão seja respeitado. Um Estado em que a lei esteja ao lado dos mais necessitados quando têm que defender os seus direitos. Não se quer um estado que exclui os mais desfavorecidos do acesso à justiça fiscal. Quem está com aqueles que enfrentam dificuldades económicas sabe, e é bom que se dê testemunho, que aqueles abandonam os seus direitos por falta de recursos e de meios simplificados de defesa. É contra esta tirania do estado, que nada tem a ver com a filosofia de igualdade de oportunidades que sustentam a democracia, que se deve levantar a voz. E quem pode levantar a voz da revolta social é o leitor e eu, porque ainda temos energia para o fazer.
Até quando terá a maior parte da população, nacional e europeia, de viver o terror e despotismo do capitalismo que se revê na troika?
Nota: Por razões de pensamento político esclareço o leitor que não me situo na esquerda iluminada que temos, defendo os valores do cristianismo e o pensamento humanista da social-democracia.
António Figueiredo - Ex-Presidente da UDIPSS de Setúbal
Foi giro ouvir também o D. Januário... mais uma vez!
ResponderEliminar(E a Igreja a descartar-se...)
Só ouvi um resumo, mas como é costume, uns gostam, outros odeiam...
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