Leitura pública feita por José Luís Peixoto de seu livro 'Morreste-me' é até agora o momento mais emocionante da Flip. A obra, uma declaração de amor ao pai do escritor, ainda é inédita no Brasil, mas a apresentação da última sexta-feira pode ser ouvida na íntegra na 'CH On-line'.
Se todas as edições da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) têm ao menos um momento marcante – daqueles que ecoam pelas ruas da cidade fluminense durante os anos seguintes –, a 10ª edição do evento teve finalmente o seu nesta sexta-feira (6/7). Mas, de modo diferente do ano passado, quando o português nascido em Angola, Valter Hugo Mãe, leu texto singelo em homenagem ao Brasil e emocionou as quase 1.000 pessoas que o ouviram na tenda principal, ontem o arrebatamento foi para poucos.
Em pequeno espaço na Casa de Cultura, onde acontece parte da programação paralela da Flip, o também português José Luís Peixoto, pela 3ª vez no evento e com 4 livros editados no Brasil (o mais recente é Livro, lançado neste ano pela Companhia das Letras), leu na íntegra a sua primeira obra, o autoral até à carne – ou até ao "sangue", como diz Peixoto – Morreste-me, uma declaração de amor e de fé ao pai morto.
Peixoto começou a escrever o pequeno livro de 64 páginas aos 21 anos, poucos meses após o falecimento do seu pai, e levou cerca de um ano para o terminar. Morreste-me não foi editado no Brasil, de modo que o primeiro contato que a maioria das 150 pessoas presentes na sala teve com a obra foi durante a leitura do autor.
"É um livro curto, demorei para perceber que era de facto um livro", disse o escritor, hoje com 37 anos, antes de começar a leitura. "Mesmo do ponto de vista literário não é um romance, apesar de eu já ter visto alguns papéis por aí dizendo que ele é um romance; não acreditem nisso." "É um texto de prosa, é uma narrativa, é alguma coisa; é para mim um texto que acompanha um crescimento pessoal ao nível da minha própria vida e da minha própria identidade, até mesmo literária", explicou o escritor. "Comecei a escrever na minha adolescência; aquilo que escrevi antes desse pequeno livro é muitíssimo diferente daquilo que escrevi depois dele."
Peixoto contou que, em certo momento, percebeu que nunca iria escrever outro texto naqueles moldes e que já era hora de publicá-lo. Isso foi apenas em 2000, 3 anos depois de o ter finalizado. "Decidi então fazer uma edição de autor, e essa é a melhor história que posso contar para alguém que tenha a aspiração de ser escritor", continuou Peixoto, já um pouco ansioso para começar a leitura de Morreste-me.
"Quando decidi fazer o livro, não conhecia nenhum escritor, nenhum crítico literário, não conhecia ninguém; vendi-o com uma sacolinha nas costas, vendi-o aos meus amigos", disse Peixoto, que no fim da jornada daquele ano de "sacolinha nas costas" conseguiu lança Morreste-me por uma editora. Hoje, em Portugal, o livro já está na sua 10ª edição e Peixoto, 12 anos depois, é um dos principais jovens escritores portugueses, vencedor, em 2001, do Prémio Literário José Saramago pelo romance Nenhum Olhar.
Esta foi a primeira vez que o autor leu integralmente a sua obra de estreia em público. "Eu não poderia escrever a palavra 'pai' naquele momento sem pensar no meu próprio pai; talvez por isso tenha tido dificuldade por muito tempo de ler esse livro em voz alta, principalmente em público", afirmou Peixoto. "Tinha dificuldade porque, não sei, porque talvez em alguns momentos tenhamos dificuldade de assumir algumas vulnerabilidades que no fundo são humanas."
"Chorar é bom"
Morreste-me é um livro lindo. E a leitura de Peixoto torna-o ainda mais arrebatador. Calmo e firme, em voz baixa e serena, o jovem escritor leu quase num fôlego só, parando para beber água num momento e hesitando na leitura, de 50 minutos, apenas 4 vezes.
Quem tem um pai e o ama, saiu da experiência com a vontade sincera de manifestar, de alguma forma, num abraço ou num livro, o seu amor por ele. Quem perdeu o pai e o amava chorou e chorou muito. Talvez por isso as pessoas mais velhas, que pela lógica do tempo têm mais possibilidade de ter perdido o pai, tenham sido as últimas a sair da sala – choravam ainda muitos minutos depois do fim.
"Às vezes, em Portugal, há pessoas que dizem que choraram ao ler esse livro. Eu fico contente porque acho que em algumas ocasiões chorar é bom; eu também chorei muito quando o escrevi, e foi bom."
Ouça abaixo a íntegra da leitura de Morreste-me, de José Luís Peixoto.
De preferência, ouça com fones de ouvido. O áudio não está com a melhor qualidade, mas o registo é único.
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