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sexta-feira, 2 de março de 2012

13ª Correntes d’Escritas – 7ª mesa

A equipa do Correntes d’Escritas chega ao Auditório Municipal e depara-se com uma fila gigantesca de pessoas à espera para entrar e assistir à 7ª Mesa. A emoção foi grande. Depois de um ano de trabalho, de incondicional amor ao projeto, a sensação única de que tudo valeu a pena.Quem por lá passasse e visse tal cenário, poderia imaginar que um qualquer cantor de sucesso iria atuar naquele espaço.
Não, as estrelas da tarde têm sucesso, sim, mas são os escritores Eugénio Lisboa, Helena Vasconcelos, Gonçalo M. Tavares, João de Melo, Luis Sepúlveda e Onésimo Teotónio Almeida.
“As ideias são fundos que nunca darão juros nas mãos do talento” foi o tema desta última Mesa da 13ª edição do Correntes d’Escritas.
Eugénio Lisboa foi o primeiro a intervir e começou por falar de Rivarol, escritor francês do século XIX, autor desta frase que, segundo o escritor, estará mal traduzida: “ele era um escritor reacionário, o que o levou a emigrar durante a Revolução Francesa. Ele é autor de um livro sobre a universalidade da língua francesa e, se hoje ressuscitasse, ficaria admirado por ver que essa universalidade já não existe. Mas, ele é interessante para mim por ter feito a seguinte declaração ‘a minha pátria é a língua francesa’. Como qualquer exilado, precisava de sentir ligação ao seu país e, visto não concordar com a Revolução Francesa, agarrou-se à sua língua materna”. Eugénio Lisboa explica que “Fernando Pessoa recupera este aforismo, declarando que a sua pátria era a língua portuguesa. Um escritor jovem emita e um escritor maduro rouba”, rematou. “Isto não é totalmente verdade, há talentos que se fartam de ter juros, escritores ricos”. Como exemplo, Eugénio Lisboa falou sobre João de Barros, “a quem o rei pagou principescamente pelas décadas da Ásia”, ou Ernest Hemingway, “que tinha casas em Cuba, em Veneza, na América. Portanto, dizer que o talento nunca dá juros não é verdade”. No entanto, para o autor, o contrário também não é mentira: “Alexandre Dumas, pai, que escreveu Os Três Mosqueteiros, Conde de Monte Cristo, no final da sua vida queixava-se que quando chegou a Paris trazia consigo 53 francos e, na altura da sua morte só tinha 40 francos, por isso, ainda perdeu dinheiro”.
Helena Vasconcelos sublinhou que “se o talento está relacionado com a criatividade artística, nesta frase está relacionada com uma linguagem financeira. E eu não domino essa linguagem. Certificados, agências de rating, índice nasdaq, indicações bloomberg, shares, títulos de tesouro são palavras exóticas para mim e, por isso, percebo perfeitamente os nossos governantes e as suas dificuldades, pois acho que eles percebem-nas tanto como eu. A única diferença é que eu não mando em nada e as minhas decisões não têm impacto na vida das pessoas”. Na verdade, “o talento era uma unidade de medida, que quer dizer peso, balança. Equivalia, na Grécia, ao peso de uma ânfora. Um talento de prata era o que se pagava por nove anos de trabalho”. Terminou contando que quando era pequena fazia muitas asneiras e que o seu pai lhe dizia para parar, para deixar de ser criativa. “Não segui o conselho do meu pai e continuei a fazer muitas asneiras ao longo da vida, embora me tenha divertido muito ao longo do caminho”.   
Gonçalo M. Tavares começou a “escrevinhar sobre o tema a partir da frase estou a contar contigo, que pressupõe algo moral e afetivo, mas que também tem uma vertente financeira. Quando dizemos estou a contar contigo estamos a perguntar podemos fazer um negócio contigo? Há uma origem monetária nesta frase. Mas, o que é bonito para mim, é que também estou a aplicar uma verdade narrativa, há literatura nesta frase, que também significa estou a contar uma história contigo, contamos algo e não nos desmentirão”.
João de Melo lamentou ter perdido os papéis que tinha preparado para esta Mesa, embora o Onésimo me tenha avisado: “Ó João, olha que outros utilizaram essa mentira”, mas, anunciou, “é verdade, não sei mesmo dos papéis”. Quando conheceu o tema, João de Melo pensou em ir às Finanças, já que a frase tem tantos termos relacionados com fiscalidade, mas não se precipitou. Pensou, depois, falar com a sua gerente de conta, “que nunca sabe o meu nome e, ainda por cima, é feia”. Desistiu. Pensou, então, ir aos Correios, mas já sabia que lhe iam dizer que os Certificados de Aforro não servem de nada e que tinham outro produto melhor. Pegou, pois, nos seus dicionários e foi ver a palavra talento, que era a palavra que mais o perturbava. “Qual o peso e a medida do meu talento?”, questionou-se. Também não resolveu o seu problema.
Luis Sepúlveda afirmou que “a profissão de escritores nem sempre é compreendida” e que “a fonte da imaginação é a realidade”. O escritor, que vive nas Astúrias, considera que “a genialidade, se é que alguma vez existiu alguma, é inconsciente”. O escritor contou a história de um concurso literário cujo prémio era o paraíso. O vencedor encontrou S. Pedro, que lhe mostrou o céu, onde uma série de homens e mulheres escreviam sem parar, com os dedos em sangue, sentados em cadeiras desconfortáveis. O vencedor perguntou, então, como seria o inferno. S. Pedro mostrou-lhe, assim, uma série de homens e mulheres escreviam sem parar, com os dedos em sangue, sentados em cadeiras desconfortáveis. Confuso, o vencedor questionou sobre a diferença entre os dois locais. “A diferença é que no céu os livros são publicados”.
Onésimo Teotónio Almeida terminou a ronda desta 7ª Mesa. “Contemplo a frase que nos deram e penso que bate todas as outras”, começou. “Haverá gralha aqui?”, afinal, continua, “todas as grandes descobertas são feitas por erros”. O tema engloba dinheiro, ideias e escritas. O problema, para Onésimo, “é relacionar estas três palavras”. Falar de dinheiro não é algo que jogue bem com a nossa cultura, segundo o escritor. “Estávamos tão habituados a viver nas lonas, que alguém se lembrou de dar a Salazar o Prémio Nobel da Física, por ter descoberto uma nova partícula do átomo. Já conhecíamos o eletrão, positrão e neutrão, mas Salazar descobriu o pelintrão, que é energia sem massa”. Onésimo, finalizou reinterpretando o tema da Mesa: “Não tendo talento sequer para interpretar a frase que me deram, não tenho outro remédio senão pôr-me a andar. Juro que, sem ideias e talento, eu me afundo e fico à mercê das vossas mãos porque as ideias sem fundo nunca deram juros nas mãos sem talento”.

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