"A culpa é dos economistas". Paul Krugman fez em Lisboa um acto de contrição, aplicável a muitos economistas que o adoram e, supõe-se, a muitos que o odeiam. Mais que um Nobel, eis um economista pop, ontem distinguido numa cerimónia apoteótica. No final podia ter-se ouvido o famoso fecho dos concertos de Presley: "Elvis has left the building". Krugman foi. O que deixou?
Krugman é um crítico das políticas de austeridade europeias, mesmo que não veja, em Portugal, capacidade de gerar alternativas. A alternativa, diz, não se fabricará em Lisboa, mas em Berlim ou Frankfurt, e devia passar por menos austeridade, injecção de mais dinheiro e "criação" de inflação. E não por esta punição dos pecados, com origem na Alemanha - palavras dele -, como se o castigo e a virtude resultassem automaticamente. É o que ele chama de políticas conduzidas pela moralidade, tese que lhe garante popularidade instantânea em países em regime de austeridade. Mas não entre todos os economistas.
As rivalidades entre universidades são parte da sua origem. O acontecimento histórico de ontem, por exemplo, não foi o doutoramento de Krugman, foi a união sem precedentes, para esse efeito, entre três universidades: Técnica, Nova e de Lisboa. Também Krugman pertence a uma tribo, aliás muito mais fanática. Ele é um economista de "água salgada" (referência às universidades da costa americana, como o MIT ou Princeton, que defendem o recurso a políticas públicas), estando do outro lado da barricada os economistas de "água doce" (as universidades do interior dos EUA, como Chicago ou Minnesota, que no limite nem admitem políticas, pois os mercados em concorrência perfeita garantem os equilíbrios).
A relação entre os economistas de água "doce" e "salgada" é tumultuosa, e não raro Krugman é acusado de fanfarrão e defendido com fanfarra. Mas mais importante que arregimentação académica é, neste momento, avaliar o papel dos economistas. A culpa. O que não viram. Por que falharam.
Para Krugman, a crise das dívidas soberanas era quase impossível de prever, mesmo em 2008, aquando da queda do Lehman Brothers. Mesmo assim, prossegue, os economistas deviam ter estado preparados para a hipótese de uma crise deste género aparecer. Por não estarem preparados, deram respostas antagónicas, criando uma cacofonia que basicamente permitiu aos políticos entenderem que podiam fazer o que quisessem. "E fizeram quase tudo mal". O que é curioso, diz, é que a resposta estava na história económica, na crise dos anos 20 e 30, pelo que os historiadores económicos foram os mais competentes nesta crise - mas basicamente ignorados. Corolário: "Para compreender a economia do futuro é preciso ler os livros velhos". O que dirão quando forem velhos os livros que estão a ser escritos hoje? Vejamos Portugal. Olhando para a funesta "década perdida", não foi o excesso de dívida pública e mentira (como na Grécia), não foi o sector financeiro e a bolha imobiliária (como na Irlanda) que aqui nos trouxeram. Hipótese: foi uma política orçamental demasiado expansionista que, associada a crédito barato e abundante (do euro), levou ao endividamento galopante também das famílias e empresas. Assim nasceram dois desequilíbrios, o das contas públicas e o das contas externas. Tudo foi possível porque chovia dinheiro de fora, e durou até à seca de financiamento nos mercados. Mas também porque um desemprego baixo criou a ilusão de sustentabilidade. Acontece que o crédito foi esmagadoramente para aquilo que se chama de sectores não transaccionáveis. Os números revelados pelo Banco de Portugal há uma semana são contundentes: quase 3,5 em cada 5 euros de crédito foram concedidos a construção, imobiliário, habitação, Obras Públicas; só 6% (30 cêntimos daqueles 5 euros!) foram para o sector transformador… Porquê? Ora, porque os sectores protegidos, em conjunto com os Governos e bancos, seguiram o que tinha menos risco… para si. Naquela altura, isso gerou lucros e empregos. Mas não transformou a economia, nem sedimentou a sua sustentabilidade e a do emprego.
Não é possível ter uma recuperação económica assente perpetuamente num desequilíbrio externo alimentado pelo défice orçamental. E economias pequenas e abertas não sustêm o crescimento da despesa interna se não forem estruturalmente sólidas. Parece técnico mas é bastante simples. Krugman explicaria em duas penadas. Ponham lá os economistas com chapéu de burro no canto da sala, encerrem-nos nas masmorras ao pé dos políticos, façam-lhes maldades e vinganças - mas obriguem-nos a estudar a História!
Pedro Santos Guerreiro – Diretor do Jornal de Negócios
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