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quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Um contraditório tão bem lúcido e bem dissecado

A chamada geração parva quer um milhão na avenida para demitir “toda a classe política”, o que é, realmente, uma parvoíce. Mas parece que o epíteto vai pegar, como há 18 anos pegou a geração rasca.
Bem tentou, a geração, dizer que mais que rasca, estava à rasca. E bem tenta, a outra geração, perguntar se mais que parva, não estará tramada.
Quando há 18 anos os universitários mostraram o cu ao aumento das propinas, levantou-se um charivári de opiniões sobre os meninos malcriados. Seriam rascas, clamavam editoriais e comentaristas, passando a discussão a ficar centrada nas nádegas. E as propinas aumentaram.
Como uma reposição de um filme da série B de baixo orçamento, os mesmos comentaristas ou outros semelhantes, ‘pegam’ no verso de uma cantiga e helás!, aqui temos a geração parva.
A coitada da geração é chorada com copiosas lágrimas de crocodilo, que não conseguem estágios, que não conseguem empregos, que estão a ser sugados pela geração que não prescinde dos seus direitos, por acaso conquistados a pulso e à custa de muita luta.
Nem uma destas carpideiras de serviço, com lugar cativo há muitos e bons anos, prescinde obviamente dos seus direitos pessoais e de outras mordomias, algumas delas obscenas. Evidentemente.
Seriam os outros, quem deveria agora deixar de ter reforma, férias, assistência na doença, condições de trabalho dignas, porque são eles, os que já não são ‘competitivos’, os que já deram tudo o que tinham a dar é que estão a exigir demais, a contrair dívidas que eles, os outros, a geração parva, irá pagar.
Assobiando para o ar e como quem não quer a coisa, o último verso da cantiga é convenientemente ignorado: “sou da geração do já-não-posso-mais / que esta situação dura há tempo demais”.
Acontece que da geração do já-não-posso-mais, são muitos mais dos que os que têm curso e não conseguem estágios e empregos a não ser precários. E se sentem escravos, porque são apenas um número, duma longínqua estatística, atropelados por leis, exigências, aumentos, penhoras.
São também aqueles que não têm curso porque os seus pais são precários, há 10, 15, 20 anos, ou ainda muitos outros para quem a escola é uma miragem, a partir do nono ano, a não ser que passem fome.
Da geração do já-não-posso-mais, são os que se sentem a sufocar num sistema que substituiu trabalho por emprego, que rasgou o contrato social colocando em risco o cimento das comunidades, que se esquece de produzir para se concentrar em terciarizar.
São ainda aqueles que não conseguem perceber como uma democracia está transformada numa ditamole ou numa democradura, onde as ambições voam baixinho, e cada um trata da sua vidinha, cheio de medo do chefe, do diretor, do ministro, das leis da união europeia. Onde se retira o abono de família a quem ganha 1.500 euros e se mantém o salário dos que ganham 150 mil euros. Coisa que os que se estão a preparar para vir a seguir tencionam manter. Obviamente.
Da geração do já-não-posso-mais são os velhos que morrem sozinhos, os que se acotovelam em cidades, fugindo do agonizar de metade do país, porque se fecham as escolas, os centros de saúde, os serviços do Estado, lá onde deixou de apitar o comboio, já não passa a carreira, o campo não se cultiva e as fábricas fecharam as portas.
Todas estas “geração do já-não-posso-mais” precisam que a geração dita parva não embarque nas parvoíces e sonhe alto, não prescinda de construir um país que não seja mal frequentado e seja capaz de, como a geração mais preparada que alguma vez existiu, ousar e exigir soluções para “esta situação que dura há tempo demais”.                                
Conceição Branco, jornalista

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