A lusofonia é uma ideia de comunidade imaginada pelos portugueses com base numa visão neo-colonial de que o seu único elo de ligação é a língua de Camões, "apagando" as diferenças culturais, consideraram hoje alguns académicos em Macau.
"Considerar a lusofonia como uma mera organização que tem como único elo de ligação a cultura e a língua é uma das estratégias pelas quais considero que a lusofonia ainda não é uma realidade", defendeu Maria Baptista, da Universidade de Aveiro, durante a conferência "A Lusofonia entre Encruzilhadas Culturais" na Universidade de São José, em Macau.
Ao observar que os povos falantes de português "não falam precisamente a mesma língua e são culturalmente muito diferentes, ao contrário do que a maior parte dos portugueses julga", a académica sublinhou que a ideia de se "pertencer à mesma pátria porque se tem a mesma língua é um dos estereótipos mais perigosos e um dos obstáculos à construção da lusofonia".
"Os portugueses imaginam-se no centro de uma comunidade que só existe na sua imaginação" e às quais os restantes membros se sentem pouco vinculados, disse, salientando que a "sensibilidade portuguesa é muito pouco pós-colonial e que este é um caminho que tem de ser percorrido" para se "ir fazendo a lusofonia", designadamente através da via poética e artística, sugeriu.
Para Teresa Cruz e Silva, da Universidade Eduardo Mondlane, de Maputo, o conceito de lusofonia "exclui uma parte dos cidadãos dos países denominados lusófonos", já que em muitos deles, como Moçambique, o português não é falado pela maioria da população, apesar de ser a língua oficial.
Por isso, Pedro Martins, da Universidade de Siena, Itália, defende que a lusofonia "compreende não só os oito países de língua oficial portuguesa, mas todos os que contactam com aquelas culturas e falam português, mesmo que não vivam em países lusófonos".
"Estamos a tentar construir uma comunidade lusófona e não uma identidade, porque este é um conceito em crise que remete para um nacionalismo exacerbado, para uma vontade política imposta aos outros", realçou Maria Baptista, secundada por Teresa Silva, para quem este tema está "envolto num clima de suspeições devido à história das relações políticas entre Portugal e as antigas colónias".
"A lusofonia só pode ser entendida dentro de um contexto plural, de diferentes culturas que se encontram e se entrecruzam", considerou, enquanto Pedro Martins alertou que seria bom "trabalhar-se para um espaço comum com a consciência das diferenças", já que a lusofonia "é uma comunidade que tem de ser trabalhada para que não seja uma utopia".
A lusofonia poderá contribuir para a "promoção de um diálogo entre os países que têm contacto com a língua portuguesa", mas também poderá "apagar as culturas das ex-colónias e relevar a cultura portuguesa enquanto berço linguístico, sociedade dominante, língua única e gramaticalmente correta", acrescentou o académico.
Perante esta encruzilhada cultural, a dificuldade será, para Pedro Martins, "manter a coesão" face ao natural desenvolvimento dos países lusófonos, que fará com que "as diferenças e distâncias entre eles sejam cada vez mais e maiores".
Sendo um defensor não muito militante da Lusofonia, e tendo já publicado aqui todo o tipo de conceitos sobre o tema, fiquei “aterrado” com a visão que nos é dada por estes três académicos, que parecem longe da praxis da lusofonia, hoje, e por ser retratada num território que a China elegeu como plataforma desta identidade, pelas razões exatamente opostas às defendidas pelos palestrantes.
Eu começaria por dizer que quase todos os pressupostos estão errados e daí a conclusão estar do avesso.
Considerar a lusofonia como uma mera organização que tem como único elo de ligação a cultura e a língua, é exatamente o que ninguém pensa, a não ser quem o diz.
Dizer-se que a maioria dos portugueses julga que todos os países lusófonos falam precisamente a mesma língua e que não são culturalmente diferentes, é quase dizer que a maioria dos portugueses pensa que os nos países lusófonos somos todos caucasianos… A maioria dos portugueses e muitos andaram forçosamente pelo “Império”, sabe, por experiência, que isto é uma falácia.
A Lusofonia exclui uma parte dos cidadãos dos países denominados lusófonos só porque não falam português? Se relacionarmos esta premissa com as ex-colónias, deve-se incluir, pela mesma razão, todos os portugueses que a iliteracia exclui da compreensão da língua portuguesa. E as culturas? E este conceito esboroa-se quando se quer alargá-lo a todos os que contactam com aquelas culturas e falam português, mesmo que não vivam em países lusófonos. Pois claro!
E a identidade lusófona não impede, antes reforça um nacionalismo ímpar e aberto à aculturação, preferencialmente pela comunidade lusófona.
Mas a maior blasfémia que não adjetivo, é dizer-se que a Lusofonia quer, ou pode apagar as culturas das ex-colónias e relevar a cultura portuguesa enquanto berço linguístico, sociedade dominante, língua única e gramaticalmente correta. Se assim fosse, seria o governo e os intelectuais portugueses que estariam à frente dessa “guerra neo-colonial”, o que não acontece (por falta de visão) e que é conduzida pela China, pelo Brasil e até por Angola, que por absurdo nos estariam a colonizar em vários campos, inclusive através da língua. Então a língua portuguesa falada e escrita em Portugal não está enriquecida com tantos vocábulos de quase todas as ex-colónias? Absurdo!
Finalmente, dizer-se que a Lusofonia só pode ser entendida dentro de um contexto plural, de diferentes culturas que se encontram e se entrecruzam, que é preciso ir fazendo, é uma coisa sensata, realista e fiel ao momento, coisa que nunca será conseguida apenas pela via poética e artística, via utópica e meramente académica, que tem sido a “prática”, que não nos levou a lado nenhum, muito menos à Lusofonia.
Amanhã, num discurso de D. Ximenes Belo, que publicaremos, teremos uma visão mais abrangente e mais positiva, que quem foi um ex-colono.
Que me perdoem os académicos, mas fora dos gabinetes vê-se melhor o mundo…
Nota - Talvez esta minha discordância.acalorada tenha a ver com as Correntes d'Escritas, que decorrem há 4 dias e a que tenho assistido religiosamente e em que se vê, na prática, que a diversidade e a autonomia cultural entre escritores dos países lusófonos (e hispânicos) é respeitada, aplaudida e aculturada.
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