É, por estes dias, incontornável ouvir falar (ou até escarnecer) da “geração parva”, da “geração à rasca” ou de outras etiquetas geracionais que, periodicamente, enxameiam a comunicação social e o espaço virtual.
Na base do debate, está sobretudo a letra da canção “Parva que Sou”, do grupo Deolinda, que já detinha músicas interessantes e que andam de boca em boca, como Movimento Perpétuo Associativo, a qual reza coisas interessantes como
Na base do debate, está sobretudo a letra da canção “Parva que Sou”, do grupo Deolinda, que já detinha músicas interessantes e que andam de boca em boca, como Movimento Perpétuo Associativo, a qual reza coisas interessantes como
“Agora sim, damos a volta a isto!
Agora sim, há pernas para andar!
Agora sim, eu sinto o optimismo!
Vamos em frente, ninguém nos vai parar!
Agora não, que é hora do almoço...
Agora não, que é hora do jantar
(…) Agora não, que me dói a barriga...
Agora não, dizem que vai chover...
Agora não, que joga o Benfica...
e eu tenho mais que fazer... “,
concluindo, magestaticamente com um “Vão sem mim, que eu vou lá ter...”.
Agora sim, há pernas para andar!
Agora sim, eu sinto o optimismo!
Vamos em frente, ninguém nos vai parar!
Agora não, que é hora do almoço...
Agora não, que é hora do jantar
(…) Agora não, que me dói a barriga...
Agora não, dizem que vai chover...
Agora não, que joga o Benfica...
e eu tenho mais que fazer... “,
concluindo, magestaticamente com um “Vão sem mim, que eu vou lá ter...”.
Pois, o grupo da vocalista Ana Bacalhau acaba de inventar o hino de toda uma geração, que rapidamente se identificou com a letra da mais recente criação do grupo, de titulo “Parva que sou”. Não é a geração rasca, embora esteja à rasca; é a já apelidada “geração parva”. O mais curioso e paradoxal é que se trata de uma música que nem sequer está editada e que foi interpretada apenas nos espectáculos dos Coliseus de Lisboa e do Porto.
Mas a letra caiu absolutamente no goto da maioria dos presentes, saltou para os telemóveis, os blogues, o facebook, o youtube. Não há hoje quem não ouça falar da canção escrita pelo músico Pedro da Silva Martins: citada, recitada, parafraseada, a propósito de tudo e de nada, até caricaturada (os castiços Homens da Luta contrapõem “Esperto que eu sou”).
Porque é que tantos jovens se identificam com o teor de uma canção apenas e a transformam no seu hino geracional?
Pura e simplesmente porque retrata, de um modo cruel e realista, a vida e a desesperança de milhares de jovens portugueses, nos dias de hoje. Jovens, até à casa dos 30 anos, na sua maioria licenciados, muitos com mais altas qualificações, mas reduzidos à precariedade, com remuneração escassa ou apenas prolongando estudos e estágios para enganar o desemprego.
Como referia o Público de 13 de Fevereiro, os diplomados precários mais do que duplicaram nos últimos 10 anos. Se em 2000, eram 83.000, hoje já ultrapassam os 190.000, o que é arrepiante. E com tendência a crescer para números impensáveis: basta esperar pelo próximo ano lectivo, que vai desaguar em dispensas de professores e na impossibilidade de acesso aos contratados…
São jovens sem presente, mestres em tecnologia alimentar a vender pipocas no cinema, agrónomos a vender electrodomésticos, licenciados em letras a trabalhar nas caixas dos supermercados.
Jovens qualificados sem férias, sem sistemas de saúde, sem direitos sociais, sem horas extras pagas. Jovens sem perspectivas, que não abandonam a “casinha dos pais”, obviamente, por falta de condições financeiras, que não de vontade, que adiam os projetos de vida, o casamento, os filhos, para as calendas. Jovens cujo diploma académico apenas dá acesso à vida de escravo, como bem expressam os Deolinda.
De quem a culpa? De ninguém, à partida, porque em Portugal ninguém é responsabilizado por coisa nenhuma. A culpa é dessa coisa informe, sem começo nem fim, sem rosto nem cartão de cidadão, que é o que se chama habitualmente sistema político e económico. De um sistema de ensino que qualifica as pessoas, mas não garante saídas profissionais, abandonando-as num patamar do género “cada um que se desenrasque, o mercado é que deve funcionar”, como manda a selvática cartilha liberal que os nossos governantes (estes e os outros) sabem recitar na perfeição, quando não os afeta a eles e aos seus séquitos.
Quando tal acontece, fazem leis especiais que cubram a situação específica do filho do secretário de Estado, da neta da porteira ou do genro do motorista. Sistema de ensino, enfim, que concede “canudos” que não servem para nada, não tendo aplicabilidade alguma. Uma vez mais, ninguém é responsável por enganar e ludibriar centenas de alunos universitários que investem em cursos, no ensino público ou no particular, que não vão dar a lado nenhum.
A culpa é também da economia que não responde nem tem capacidade de absorver os mais habilitados, preferindo pagar salários de escravos para baixas qualificações. Finalmente, da famigerada crise de que se não lobriga o fim. Todavia, economia e crise são bodes expiatórios de costas largas a que todos recorrem quando convém, mas que não explicam nem de perto nem de longe muitas das entorses de que sofre o presente deste país, em particular.
Esta é, então, a geração sacrificada pelos excessos cometidos pelas anteriores, o mor das vezes sem a mínima consciência de que estavam a hipotecar o futuro. E ninguém sai imune dessa culpa colectiva de termos transformado o futuro dos nossos filhos numa selva sem leis, sem regras e sem uma luz ao fundo do túnel. Mas haverá sempre alguém mais responsável que outros, embora, como é da praxe, os decisores sejam os primeiros a lavar as su(j)as mãos de Pilatos…
Esta geração dos “quinhentos euros” parece que tarda em vingar-se do mal que estão a fazer-lhe. Aliás, só no seio de um povo acomodado, brando de costumes e habituado a não reagir, como o português, é que uma geração com este desconforto não degenera em revolta, na busca de uma afirmação social, cultural e económica que lhe está vedada.
Anuncia-se uma manifestação para 12 de Março, organizada pelo grupo Protesto da Geração à Rasca, um movimento que se diz 'apartidário, laico e pacífico', para demonstrar o descontentamento de milhares de jovens portugueses precários.
Como referiu por estes dias o sociólogo Manuel Villaverde Cabral, “é difícil ultrapassar a viscosidade da nossa situação política mas oxalá que venham para a rua e isso contribua para uma reforma política sem a qual Portugal vai a pique”. Os políticos que se acautelem, porque a força dos movimentos sociais há muito que se libertou e autonomizou dos condicionalismos dos sistemas partidários, em Portugal, como em outros tantos lugares do mundo!
Artur Coimbra
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