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sábado, 26 de fevereiro de 2011

Álvaro Santos Pereira vs João Rodrigues ou DESMITOS vs Ladrões de Bicicletas

Álvaro Santos Pereira do DESMITOS e Ladrões de Bicicletas de João Rodrigues são dois dos blogues da minha lista, que consulto diariamente e a que dou bastante destaque nos “Ecos da blogosfera”, sobretudo por me parecer que não são facciosos (ou se o são, são qb) embora ambos sejam do contra e por isso, …
Com ou sem intervenção internacional, mas provavelmente de forma mais musculada se a UE e o FMI vierem mesmo a emprestar dinheiro ao País, a austeridade parece estar para ficar. Portugal não está só e as virtudes e defeitos desta estratégia estão a ser debatidas um pouco por todo o mundo.
Será que esta austeridade é mesmo necessária para sair da crise? Este é debate que o massa monetária propõe durante a próxima semana. O Frente-a-Frente é um novo modelo de debate dinâmico online que convoca a participação dos leitores a partir de duas posições: o "Sim" de Álvaro Santos Pereira e o "Não" de João Rodrigues.
Álvaro Santos Pereira é professor na Universidade Simon Fraser no Canadá, e João Rodrigues, é investigador da Universidade de Coimbra (CES). Ambos são bloguers prolíferos: Santos Pereira no DESMITOS e João Rodrigues no Ladrões de Bicicletas.
Hoje chegam os argumentos iniciais e com eles fica aberto o espaço de comentários e de votação. Na quarta-feira, os convidados apresentarão os contra-argumentos. O debate continua até quinta-feira, dia 3 de Março, às 17 horas. Sexta-feira faremos as contas e a análise da semana. Bem vindos.
Álvaro Santos Pereira: "A austeridade é necessária, mas não é suficiente"
1. Portugal enfrenta três grandes e difíceis crises: uma crise das finanças públicas, uma crise de competitividade, e uma gravíssima crise de endividamento externo. Todas estas crises estão relacionadas, mas são de tal modo profundas que os nossos parceiros europeus e os mercados internacionais pensam que não conseguiremos melhorar as nossas finanças públicas sem uma continuação da política de austeridade.
2. Ainda assim, será a austeridade mesmo necessária para Portugal sair da crise? Sim e não. Ou seja, a austeridade é necessária, mas não é suficiente. A austeridade é necessária para combater os desequilíbrios das contas públicas e o endividamento ao exterior. Sem um combate sem tréguas ao nosso elevado défice orçamental e à nossa dívida pública explosiva, não é difícil imaginar um cenário em que o financiamento da economia nacional poderia ser posto em causa, o que, por sua vez, daria azo a uma crise económica e financeira bem maior do que a actual. Por isso, a austeridade é, de facto, necessária para evitar que tal aconteça.
3. O problema não é a austeridade, mas a maneira como nós a temos implementado. Primeiro, andamos a promover uma austeridade a conta gotas, que só tem prejudicado a economia nacional. Segundo, a austeridade devia ser feita do lado das despesas e não através do aumento de impostos. Ou seja, a austeridade devia ser feita cortando na gordura do Estado, nos consumos intermédios, nas despesas dos milhares de entidades e organismos públicos que constituem a nossa Administração Pública, e nos apoios que o Estado concede a determinados grupos económicos e a toda a espécie de grupos de interesse. Isto é, a austeridade devia ser feita contra o despesismo do Estado e não contra os funcionários públicos ou contra os contribuintes portugueses.
4. Um problema adicional é que, apesar da austeridade, continua a não haver consolidação orçamental e as despesas públicas continuam a crescer com pouco controlo. Não há igualmente uma estratégia definida para o combate da nossa dívida pública crescentemente explosiva. Não há um real plano de contenção da dívida das  empresas públicas (que já totaliza mais de 24% do PIB). Não há uma estratégia plurianual abrangente para o desastre financeiro anunciado que são as parcerias público-privadas (que nos irão custar mais de 2,5 mil milhões de euros por ano a partir de 2013). E não há qualquer tentativa de evitar o recurso a desorçamentações descaradas e à contabilidade criativa. Em suma, a nossa política de finanças públicas está num desnorte total. Com um governo assim, quem é que precisa de especuladores para nos atirar para os braços do FMI? E é por isso que é absolutamente vital mudarmos de rumo o quanto antes.
5. Todavia, e como já disse, a austeridade não chega. Uma política de austeridade que não leve em consideração os nossos problemas de competitividade está condenada ao fracasso. Porquê? Porque não é difícil imaginar um cenário em que a recessão criada pela nossa austeridade a conta-gotas provoque uma diminuição drástica das receitas fiscais, o que só agravará ainda mais os desequilíbrios das contas públicas, aumentando, mais uma vez, a tentação de introduzirmos ainda mais austeridade. Por outras palavras, para que a austeridade seja bem sucedida, é fundamental que um combate implacável ao despesismo do Estado seja contrabalançado por políticas que ajudem a economia a recuperar da crise e da estagnação. Sem isso, e sem retoma económica não há austeridade que nos valha.
João Rodrigues: "Austeridade permanente? Não, obrigado "
1. Depois de uma quebra de 2,7%, em 2009, o PIB português registou uma recuperação, em 2010, de 1,4%, apenas possível porque Portugal só se juntou tardiamente ao clube da austeridade liderado pela Grécia e pela Irlanda.
2. A Grande Recessão, iniciada num sistema financeiro liberalizado e disfuncional, não se transformou na Grande Depressão devido ao peso do Estado e dos seus estabilizadores automáticos (sobretudo a quebra das receitas), mas o seu lastro é visível no desperdício de uma taxa de desemprego que atinge os dois dígitos.
3. Não satisfeitos pela factura apresentada aos contribuintes pelos efeitos dos desvarios do sistema financeiro, os mesmos mercados pediram, em 2010, um segundo pagamento através do aumento das taxas de juro da dívida pública, em especial nos países periféricos. A política económica de austeridade, desenhada para aplacar a pressão dos mercados, já fracassou neste intento.
4. Tirando a predação realizada por interesses privados, visível por exemplo nas ruinosas parcerias público-privadas, a situação das finanças públicas depende fundamentalmente do andamento da economia e por isso a sua situação continuará a prazo periclitante, apesar do esforço para aumentar impostos indirectos regressivos e para cortar nos salários e nas despesas sociais.
5. Qualquer que seja o modelo de aplicação e a distribuição do seu fardo, o resultado da austeridade é a recessão e a continuação do aumento do desemprego, sem perspectiva de crescimento futuro. As políticas de austeridade fazem do trabalho, dos salários directos e indirectos, a principal variável de ajustamento à crise. Assim não se criam os empregos de que necessitamos porque não se resolvem os dois problemas que travam o investimento: o acesso ao crédito e as expectativas de evolução da procura.
6. As políticas de austeridade esquecem adicionalmente que é impossível um esforço simultâneo de poupança pública e privada sem uma contracção da economia, particularmente num contexto de défice externo estrutural, reflexo de uma integração económica dependente do país e que se traduziu na perda de instrumentos de política, sem que instrumentos de compensação robustos tivessem sido criados à escala europeia.
7. Neste contexto, as políticas de austeridade, que também são uma imposição de um centro europeu apostado em defender os seus bancos, só podem ser contrariadas por uma aliança dos PIGS. Estes devem usar a ameaça de uma reestruturação da dívida por si organizada como instrumento de pressão para que se gere uma solução europeia para um problema que é europeu porque partilhamos moeda e mercado.
8. Assim, a transformação do fundo europeu, criado em Maio, num pacote de estímulo económico, o que pressuporia baixar as taxas de juro e acabar com condicionalismos que destroem as economias, seria um primeiro passo. A consolidação orçamental só se pode realizar num contexto de crescimento e isso pressupõe proteger os países de mercados financeiros por reformar. Isto também implicaria a prazo criar dívida pública europeia e aumentar o orçamento europeu, o que corrigiria o estrutural desequilíbrio no governo económico do euro.
9. Adicionalmente, as periferias devem reconquistar instrumentos de política industrial e comercial para debelarem os défices permanentes nas suas relações com o exterior. Isto poderia passar por permitir a suspensão temporária das exigentes regras do mercado interno europeu de forma a possibilitar uma politica de crédito e outros apoios direccionados aos sectores inovadores nacionais e alguma protecção face às importações. Sem uma alternativa à austeridade, o destino do país é claro: um empobrecimento desigual.

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