Manuel Sobrinho Simões é um dos cientistas mais conhecidos do país. Há quase 25 anos que o instituto que dirige, e fundou, é uma referência na investigação do cancro em Portugal.
Samuel Silva
O prestígio do Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto (Ipatimup) não o deixou incólume aos cortes no financiamento público e é dessa experiência e dos desafios que se colocam à ciência em tempos de crise que falará na conferência Ciência, Economia e Crise, que a Fundação Francisco Manuel dos Santos organiza na reitoria da Universidade do Porto.
Aos 66 anos, Sobrinho Simões não se imagina a deixar de trabalhar. “É tudo o que sei fazer.” E não disfarça o entusiasmo quando fala do próximo grande projecto em que está envolvido, o Instituto de Investigação e Inovação em Saúde (I3S), que junta o Ipatimup aos institutos de Biologia Molecular e Celular (IBMC), de Engenharia Biomédica (INEB) e agora também a Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, para integrar um consórcio de investigação na área da saúde, sobretudo de doenças neurodegenerativas e infecciosas, cancro e medicina regenerativa.
Nos últimos 15 anos, Portugal conseguiu fazer um caminho com o aumento do investimento em ciência, quer público quer privado, e obteve bons resultados. De quem foi o mérito?
O primeiro é um demérito, já que partimos muito de baixo. O segundo foi a capacidade de projectar o futuro do [ex-ministro da Ciência e Ensino Superior] Mariano Gago, que foi instrumental para desencadear e consolidar esta aposta. O terceiro mérito foi dos ministros do PSD que tiveram a pasta da Ciência. Nunca perturbaram esta estratégia, o que é uma coisa raríssima em Portugal.
A FCT [Fundação para a Ciência e a Tecnologia] está de uma incompetência como eu nunca vi. Está a mudar permanentemente as regras e os prazos. Não há coisa mais difícil do que alguém planear a sua vida sem um mínimo de estabilidade.
O que falhou?
Não conseguimos que as universidades e politécnicos contratassem tantos doutorados e pós-doutorados nos seus quadros como gostaríamos. E isto tem uma consequência, sobretudo numa fase de crise, porque eles não estão a encontrar emprego.
Há lugar para esses diplomados nas empresas?
As nossas empresas não estão treinadas para fazerem investigação internamente. Temos um tecido empresarial fraco e que gosta muito de comprar “chave na mão”.
Os anteriores governos do PSD seguiram a linha inaugurada por Mariano Gago. Este não fez o mesmo?
Este Governo fez uma ruptura, o que não aconteceu só na ciência. Mas na ciência foi mais grave, porque é um tecido relativamente novo. Fez uma espécie de destruição criativa: rebentou com tudo, esperando que, das cinzas, nasça algo de novo. Na ciência, não nasce.
O que perdemos já com a austeridade?
Perdemos muita gente. E perdemos esperança. Na ciência, apesar de tudo, os nossos jovens têm capacidade para serem contratados, no estrangeiro, mas vão muito feridos de asa e dificilmente voltarão.
Isto é responsabilidade de quem?
De uma política cega em relação ao ensino superior. O Governo não percebeu que não pode rebentar com o tecido universitário.
Como vê a proposta do Orçamento do Estado para o sector?
É péssima, porque corta de uma forma cega. Não reforça as instituições que merecem e deviam ser premiadas. Ao mesmo tempo, deveria reformular as instituições que não merecem. Além disso, do lado da ciência, há uma ideia de que um investigador muito bom pode juntar 2 amigos e vai ali para o pátio do Hospital de S. João [no Porto] fazer um projecto de investigação.
É a cartilha do empreendedorismo aplicada à ciência?
Como vê as alterações que a Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) introduziu ao financiamento da ciência?
A FCT está de uma incompetência como eu nunca vi. Está a mudar permanentemente as regras e os prazos. Não há coisa mais difícil do que alguém planear a sua vida sem um mínimo de estabilidade.
E concorda com os critérios de avaliação, baseados na produtividade científica e na obtenção de patentes, por exemplo?
São terríveis. Primeiro, porque coloca os investigadores das ciências sociais e humanas numa situação de dificuldade. E a sociedade portuguesa precisa, como de pão para a boca, de ciências sociais. Depois, parece-me que é mais importante a repercussão da nossa actividade no mundo científico e na sociedade do que o facto de se publicar numa revista com muito impacto. A FCT não pensa o mesmo.
O próximo quadro de financiamento europeu pode ser uma saída para estas dificuldades?
Será muito importante e vamos responder bem. Mas os estímulos europeus têm perigos. Como estamos numa crise filha da mãe, vamos ter de responder a todas a solicitações. Há um efeito perverso se começarmos a concorrer a coisas que não costumamos fazer. A Europa tem de ser a cereja em cima do bolo, não pode servir para suportar custos fixos. Temos sempre de ter um tecido institucional, que tem que ser suportado pelo Estado.
Defende que se inverta a política de cortes?
Quem ganhasse um projecto europeu tinha como prémio não um corte, mas dinheiro a mais. Mas a Europa também está a falar muito de aplicação e inovação quando o assunto é ciência. Quando se desvia para essa área, coloca-se Portugal numa situação difícil, por causa da fragilidade do tecido empresarial.
A relação com o mercado pode ser uma solução para os centros de investigação?
A grande questão na ciência é quem faz primeiro uma [determinada] pergunta. Não quero que seja feita pela empresa X ou Y e eu só tenha de dar a resposta. Depois, a ciência precisa de tempo. E a indústria, a inovação e a Europa querem resolver coisas no menor intervalo de tempo possível. Uma pessoa não tem tempo para pensar e fazer boas perguntas. Então o que faz? Faz perguntas óbvias de que já sabe a resposta.
Desse modo, dificilmente haverá movimentos disruptivos na ciência.
Sobretudo em países pobres. Neste momento, só há 2 movimentos disruptivos: ou há um investigador genial com uma excelente pergunta, ou se está num sítio tão rico que pode comprar sempre a última versão do equipamento pesado. Neste aspecto, toda a Europa também está em dificuldades. Por exemplo, o Beijing Genomic Institut (China) sozinho tem mais capacidade de sequenciação que toda a Europa junta.
Qual a saída para o momento actual que vivemos no ensino superior e na ciência?
Não sei. Mas tenho a certeza de que não é com esta gente. O meu medo é que não seja fácil pensar com quem há-de ser. Não há tanta diferença assim entre os partidos do centro.
Então o que defende?
A Europa tem de constituir de facto um tecido de ensino superior e investigação que ultrapasse as fronteiras nacionais. E temos de colaborar mais ao nível das regiões europeias – por exemplo, o Norte do país tem de trabalhar com Espanha.
Quanto tempo mais aguenta o país o desinvestimento na ciência sem pôr em causa o que foi feito?
Não sei, e tenho muito medo de que aguentemos menos do que aquilo que as pessoas pensam. O Ipatimup aguenta mais 2 ou 3 anos, depois acaba.
Porquê?
Tivemos uma redução do nosso financiamento de base do Estado de 45% em 4 anos. Antes, representava 1/3 e, nesta altura, é 1/7, correspondendo a cerca de 900 mil euros.
Como foi possível manter o instituto em funcionamento?
Aumentámos a prestação de serviços e a investigação contratada com as farmacêuticas, criando uma unidade de translação e outra de inovação, que tem trabalhado junto da indústria. Ainda não conseguimos começar a ganhar projectos europeus em quantidade suficiente, ao passo que os concursos da FCT estão cada vez mais difíceis, com menos dinheiro e maior competição.
Quantas cientistas trabalham no Ipatimup?
Somos 130, dos quais 70 são doutorados. Cada vez tem sido mais difícil contratar. Ou os jovens conseguem bolsas de pós-doutoramento, ou têm conseguido articular-se parcialmente com as faculdades para darem aulas ao mesmo tempo que são investigadores aqui.
O I3S é o grande projecto para os próximos tempos?
No fundo, será o I4S. Porque agora também temos a Faculdade de Medicina da Universidade do Porto associada ao projecto. É um crescimento brutal para nós. As obras estão a andar bem e, em Janeiro de 2015, vamos começar a fazer a mudança. É uma aposta séria, numas instalações que têm 18.000 m2 e poderão acolher 600 investigadores.
Vai reorientar a actividade científica em função dessa nova realidade?
Fizemos sempre investigação em cancro e em genética populacional e iremos manter essas 2 linhas. Como é muito mais fácil estudar as alterações genéticas do que a influência do tabaco ou dos raios solares, temos continuado a estudar sobretudo as alterações genéticas e metabólicas que justificam os cancros. Mas agora temos consórcios com o Hospital de S. João e o Instituto Português de Oncologia para procurar resolver a nossa ligação à prevenção e ao tratamento.
O investigador sabe muito mais e respeito bem mais a sua opiniao sobre ciencia que a minha. No entanto devo questionar se eu tiver que formar os jovens todos da minha rua e eles começarem a trabalhar e produzir para outras casas se posso aguentar isso muitas geraçoes. Tambem a nossa industria não tem tamnho para manter investigação de ponta porque ao mesmo tempo vai competir com industrias com mercado e estruturas bem planeadas. tambem a nivel UE não é viavel andarem a estudar com apoio comunitario institutos em todos os paises(que naturalmente e legitimamente aspiram a estar na frente)a fazerem as mesmas ou semelhantes investigações e que tenhamos dinheiro para todas, e que não haja umacesso aberto e imediato a toda a investigação com dinheiro publico por toda a comunidade que pagou- como é publico o acesso ao conhecimento tem levado tanta trolitada que um ignorante como eu sou levado a pensar que as capelinhas andam a criar dificuldades. As dificuldades que os desempregados que não são investigadores tambem são prementes resolver e pelo que ouço o cobertor é curto. claro entendo que quem fica de fora ache que merece mais e a ciencia aplicada em produçaõ pode ajudar mais que outros sectores. que o digam os alemaes como bem sabe o professor melhor que nós.
ResponderEliminarQue diabo! Então governo apela à inovação à incorporação de mais-valias e corta na galinha de ovos d'oiro? Além do mais, em ciência e investigação, Portugal está bem na frente...
EliminarCortar na ciência é votar na alquimia medieval!