A 10 de dezembro, a União Europeia foi distinguida por 60 anos de uma construção política que a preserva de conflitos. Mas este estatuto poderá ser colocado em causa pela crise e a desilusão provocada por esta, alerta o historiador Dirk-Jan van Baar.
Todas as festividades são boas para se lançar um debate sobre a Europa, onde o mote “nunca mais”, segundo alguns observadores críticos, deixou de ter significado e tornou-se banal. Basta ter algumas noções da história europeia, para ficar surpreendido com esta falta de conhecimento da História. No entanto, isto não significa que a UE seja indispensável para a paz na Europa. Temos motivos para duvidar. Não é por acaso que países pacíficos, como a Noruega e a Suíça continuam fora da UE e que a Europa, incapaz de assegurar a sua própria segurança, se vire para os Estado Unidos.
Não acordar os ursos adormecidos
A ideia de que uma potência estrangeira lhe queira mal está longe de ser uma simples fantasia. A Rússia atual já não é o Império do mal de outrora, mas com Vladimir Putin, pretende recuperar a sua honra e já exerce pressões sobre os seus “vizinhos mais próximos” na Bielorrússia, Geórgia e Ucrânia. Repúblicas que, tal como os Estados bálticos – doravante membros da UE – faziam parte da União Soviética. Julgam que Talin, Riga e Vílnius se encontram ao abrigo dos complôs russos? Na Europa Ocidental, ninguém pensa nisto, mas na Europa Oriental são mais sensatos. Mas talvez seja melhor, para bem da nossa saúde, não acordar os ursos adormecidos. É mais ou menos esta a “estratégia” da Europa em relação aos perigos externos.
Este tipo de atitude pode parecer mais cínica do que na realidade é. Todos os que pensam que a Europa deve estar preparada para qualquer ameaça externa pressupõem a existência de uma demarcação que na verdade não existe. A delimitação das fronteiras externas da Europa, sobretudo no Leste, é propositadamente pouco clara. A Cortina de ferro, que durante a Guerra fria permitia ter uma ideia concreta do mundo, desapareceu e a UE, ao alargar para o Leste, tem vindo a estabilizar compensando uma perigosa falta de poder.
O alargamento da UE para Leste continua em aberto, mas o Bósforo, que passou a ter um Governo “pró-islâmico” em Ancara, está fora de questão. Entretanto, do lado Ocidental temos os britânicos, defensores das nossas liberdades democráticas em 1940, a afastarem-se cada vez mais da UE. Um comportamento que tem consequências para a política externa e de defesa comum da Europa. Sem os britânicos que, juntamente com os franceses, dispõem de um direito de veto nas Nações Unidas, esta política não tem qualquer hipótese de ser bem-sucedida.
Reconciliação histórica
Em Bruxelas, tende-se a aceitar os excessos dos britânicos como um dado de base, devido ao cansaço face ao ceticismo demonstrado por estes últimos em relação à Europa. Mas se Londres decidir abandonar oficialmente a UE, deixará automaticamente de haver qualquer esperança de ver um dia a Europa andar pelos seus próprios pés e sem esta esperança os americanos perderão qualquer interesse em nós. Os Estados Unidos não desejam garantir para sempre a segurança da Europa, sobretudo se os europeus lhes pedirem para o fazer gratuitamente.
Existem, fora da Europa, zonas de conflito com as quais esta mantém relações desde sempre. É curioso que o desmantelamento dos impérios coloniais, e as horríveis guerras que o acompanharam, não teve repercussões negativas na integração europeia, que começou pela mesma altura. Isto deve-se, na minha opinião, ao caráter único da aspiração europeia à pacificação, que, a partir dos anos 1950, se focou completamente numa reconciliação interna e permitiu confiar a novas forças emergentes os impérios coloniais que mergulharam no caos.
A Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, fundada em 1951, era um projeto de pacificação centrado no interior, que colocava a indústria alemã e francesa sob a administração europeia. Um projeto brilhante, que serviu de base para a sua reconciliação histórica.
Este “pacifismo prático”, fruto da necessidade e de uma feliz coincidência, foi forçado a adotar uma posição que procura evitar conflitos com o mundo externo, assim como um progressismo tecnocrático estéril focado no interior. Uma abordagem também utilizada com os nossos Estados-Providência nacionais, o orgulho do modelo europeu. Também neste caso se mantém uma posição pacífica, adiando indefinidamente os problemas ou redefinindo constantemente os aspetos técnicos. Uma politização libertaria demasiadas emoções.
Modernizar, integrar e esterilizar
A Europa tem a sensação de que deve modernizar, integrar e esterilizar para existir. É o que nos mostra a crise do euro: esta suscita divergências que o euro devia eliminar e obriga a UE a saltar para o desconhecido. O que fragiliza o projeto de pacificação europeu. Se o euro desabar, assistiremos naturalmente a um regresso ao “cada um por si” e ao protecionismo dos anos 1930. Conseguimos, por exemplo, imaginar a Espanha, cuja integração na Europa foi um sucesso, a cair novamente numa guerra civil devido às diferenças regionais que nunca desapareceram totalmente.
O descontentamento tem raízes ainda mais profundas. A parte protestante da Europa queixa-se dos vícios da parte católica, como se tivessem regressado ao período da reforma. Não devemos encarar a paz na Europa como algo óbvio, porque a juventude só quer saber de viagens low-cost e iPhones e a guerra já não interessa. Este último ponto de vista também esteve em voga há 100 anos. No fundo, é perfeitamente normal que o Comité Nobel honre a EU justamente neste momento. Na Escandinávia, sabem apreciar o que é politicamente correto, mesmo que isto lhes possa provocar algumas contrariedades.
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