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quinta-feira, 25 de outubro de 2012

E já há Estados da "União" a plagiar o modelo…

A detenção do "padrinho" da máfia chinesa em Espanha, em meados de outubro, levantou o véu sobre as práticas ilegais no seio dessa comunidade e reflete o poder, a complexidade e a coesão internacional dos grupos criminosos chineses.
"Cabeça de serpente", logo da Operação Cheqian-Emperador
Por certo que nem nos seus piores pesadelos a comunidade chinesa em Espanha teria imaginado um acontecimento tão negativo para a sua imagem como a operação "Cheqian-Emperador". Para um grupo que faz da discrição um elemento fundamental do seu modo de vida – e um dos seus pontos fortes –, a informação que chegou à opinião pública não podia ser pior: histórias rocambolescas sobre como os grupos criminosos defraudaram o Tesouro espanhol em 35 mil milhões de euros, violência exercida pelo clã do cabecilha Gao Ping para atos de extorsão, corrupção e negócios ligados à prostituição e à venda de droga.
Embora não se deva tomar a parte pelo todo e não se deva julgar por igual todos os 170.000 chineses que vivem no nosso país, a expansão dos negócios chineses em Espanha e noutras regiões do planeta apresenta componentes que convidam pelo menos à reflexão.
Como todo o emigrante, o chinês emigra sem outro fim que não seja o desejo de lucro. Mas este processo migratório, de evolução vertiginosa em países como a França, a Itália, (Portugal) ou a Espanha, não foi acompanhado por uma integração social completa, limitando-se em demasiados casos ao contacto económico e comercial. E foi precisamente esta falta de integração e ligação às sociedades de acolhimento – expressa, em termos urbanísticos, através do conceito de bairro chinês – que contribuiu para criar "Estados dentro do Estado", segundo as palavras de vários comissários, numa espécie de extraterritorialidade chinesa, na qual a justiça ou as condições laborais, por exemplo, seguem padrões marcados pela comunidade e não pelo Estado.
A operação "Cheqian-Emperador" pôs a claro uma teia de lavagem de dinheiro e de evasão fiscal de proporções gigantescas. Das operações policiais dos últimos anos contra o tráfico de pessoas, a exploração laboral e a fraude fiscal destacam-se dois elementos. O primeiro é a extensão das redes criminosas intrachinesas no nosso território, que se organizam em forma de pirâmide e proliferam paralelamente em vários setores. O setor de importação-exportação é o único evocado por agora na operação em curso, mas provavelmente as reverberações também afetam outros setores tradicionais dos imigrantes chineses (restauração, venda a retalho de têxteis, consultoria administrativa, imobiliárias, bares).
Mobilidade e organização excecionais
O sistema – que investigámos igualmente noutros países – funciona mais ou menos assim: o empresário chinês "importa" mão de obra ilegal, através das suas redes e "cabeças de serpente" e explora essa mão de obra durante anos, nos seus negócios (restaurantes, oficinas, lojas), até ficar completo o pagamento da dívida. A precariedade e as condições de vida e laborais impostas a esses trabalhadores são, por vezes, brutais. Depois de ter pago a dívida por ter sido levado até à terra prometida, o novo imigrante tem de pagar posteriormente a legalização e a obtenção de papéis (na qual intervêm, como que por artes de magia, as consultoras administrativas chinesas controladas ou participadas pelos mesmos barões).
Por último, o imigrante contrai uma derradeira dívida com a rede, sob a forma de crédito informal para poder montar o seu próprio negócio e, desse modo, passar de explorado a explorador. Sugada a margem da venda de uma sopa ou da camisola interior acabada de confecionar, o novo empresário tem de resolver habilmente o problema do pagamento, e recorre a trazer mais imigrantes através do seu negócio, aos quais endivida e explora. Se os setores tradicionais já estiverem muito saturados por outros chineses, quem não tiver medo nem escrúpulos explora setores completamente ilegais, como a prostituição, o jogo e o tráfico de droga.
O segundo elemento que torna esta trama ainda mais complexa é a internacionalização de algumas redes que, no seu lugar de origem, estão curiosamente muito concentradas. No caso da Europa, a maioria dos imigrantes chineses provêm de Zhejiang, onde fica a região de Qingtian, epicentro da emigração para Espanha e Itália, que se desenvolveu aceleradamente graças às remessas.
Estes emigrantes, que chegaram primeiro à Holanda e a França e posteriormente à área do Mediterrâneo, apresentam uma mobilidade e uma organização excecionais. Vão para onde há trabalho ou negócios, para onde se possa ganhar bastante dinheiro, para se reformarem cedo e regressarem à China, para onde seja mais fácil repatriar o dinheiro a custo fiscal zero.
A Espanha, que foi um dos últimos países da Europa Ocidental a receber imigrantes chineses, deveria olhar para os seus vizinhos para evitar males maiores, fomentar a integração e evitar situações como as que se vivem em Prato. Nesta localidade da Toscânia, situada a cerca de trinta quilómetros de Florença, a tensão entre chineses e toscanos é constante.
Uma espécie de apartheid
Berço tradicional dos têxteis mais valiosos da Europa, os chineses começaram a chegar nos anos 1980, empregados pelas empresas familiares italianas que exportavam os seus tecidos para toda a Europa. Em menos de uma década, nasceu a primeira geração de empresários têxteis chineses e, hoje, estes controlam 60% da atividade, com mais de 4.800 empresas e uma população oficial de cerca de 25.000 chineses, num total de 200.000.
A delinquência proliferou ao mesmo ritmo e, agora, a localidade é um epicentro das atividades criminais e lavagem de dinheiro das máfias chinesas de toda a Europa. "A proliferação do crime chinês na região é a mais alta de todos os grupos de imigrantes", explica um subinspetor que acompanha o fenómeno há mais de 10 anos.
Na cidade, uns vivem de costas viradas para os outros, numa espécie de apartheid entre cidadãos locais e chineses. Os italianos encaram mal o enriquecimento chinês e acusam-nos de evasão fiscal e de não trazer valor acrescentado para a região: os tecidos, a maquinaria, os trabalhadores e os distribuidores são todos chineses. Só o cliente final é italiano. Como beneficia então a região?
Os chineses condenam que todos sejam julgados pela mesma bitola. Como se isto fosse pouco, o poder político só tem contribuído para dificultar as coisas: em 2009, foi eleito presidente da autarquia o populista Roberto Cenni e as comunidades parecem agora mais afastadas do que nunca. Um conjunto de condições nada ideal para a solução de um problema que – em Itália como em Espanha – exige adaptação do lado chinês, incrementando por exemplo a dispersão de riqueza entre os locais, com contratação de pessoal local, e maior tolerância da nossa parte para com um grupo, cuja presença ganhou merecidamente peso e prestígio nas nossas sociedades.
Contexto - O “Pequeno Imperador” que queria ser Guggenheim
As dezenas de pessoas – entre os quais 53 chineses e 17 espanhóis – suspeitas de terem branqueado centenas de milhões de euros foram detidas no dia 17 de outubro em Madrid, no âmbito de uma vasta operação policial. Batizada de “Operação Imperador”, esta mobilizou mais de 500 agentes em todo o país.
A organização desmantelada é acusada de ter branqueado 1,2 mil milhões de euros em 4 anos de presumível tráfico. A investigação pôs a nu uma vasta rede que branqueava dinheiro proveniente da prostituição e da extorsão de fundos, através de sociedades fictícias, nomeadamente bares de karaoke ou restaurantes.
Segundo o Ministério Público, o dinheiro sujo era também colocado em paraísos fiscais, com a ajuda de intermediários espanhóis ou israelitas, ou recambiado para a China de carro ou comboio. Entre as pessoas detidas figura Gao Ping, considerado um dos chefes da rede. Chefe da zona comercial chinesa de Fuenlabrada, nos arredores da capital, considerada a maior da Europa, Gao, 45 anos, chegara a Espanha em 1989. Mantinha boas relações com personalidades do mundo político e económico espanhol, era também um colecionador de arte apaixonado, observa El País, para quem
este não tinha como único interesse a venda por grosso […] a sua ambição era outra: a arte. Inaugurou o Centro de arte contemporânea Iberia, um dos maiores espaços privados consagrados à arte na capital chinesa.
E para isso baseou-se num modelo:
[Este] aspirava igualar os Guggenheim, a família de industriais e filantropos americanos que começou com a importação de brocardo da sua Suíça natal, em meados do século XIX, para mais tarde enriquecer com a indústria mineira e as fundições.

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