Ponto de partida: nesta época de crise aguda, na qual o Serviço Nacional de Saúde é um dos mais visados, os cortes hospitalares estão a potenciar a morte de mais pacientes? Menos orçamento para terapêuticas, menos horas extraordinárias, aumento das listas de espera de cirurgias e reduções de pagamentos ao pessoal hospitalar, são factos. Têm consequências ou a boa gestão resolve a equação?
Dir-se-á que, obviamente, ninguém foi deixado morrer por um médico, por um gestor hospitalar - no limite, por um ministro. Mas o que significa esperar-se ainda mais tempo por consultas, operações, medicamentos e decisões que envolvem tratamentos especiais para doentes com patologias cujo tratamento custa dezenas ou centenas de milhares de euros? Conseguimos medir os 'danos colaterais', indetectáveis no sistema? É essa aferição que um dia teremos de ter, sem tabus.
1. Os hospitais públicos estão a deixar morrer pacientes cujo investimento terapêutico é muito caro?
2. O combate do Governo ao custo dos medicamentos é responsável pela crise das farmácias?
3. O "racionamento" do medicamento com apoio do Estado é uma realidade INEVITÁVEL / REALISTA / ABSURDA?
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António Ferreira, presidente do conselho de administração do Hospital de S. João:
1. A. mera consideração de tal sugestão é ofensiva.
2. Não. A responsabilidade é da má gestão e da especulação ocorrida durante anos.
3. A racionalização ética ainda não é, infelizmente, uma realidade do Serviço Nacional de Saúde.
Manuel Antunes, cirurgião cardiotorácico e professor da Universidade de Coimbra:
1. Claro que não! Na maior parte das situações há terapêuticas alternativas, mais baratas e sem significativa perda de eficácia, mesmo nos casos recentemente badalados de cancro e sida.
2. O principal problema das farmácias foi o excesso de estabelecimentos abertos no tempo das vacas gordas. Naturalmente, os cortes nos preços determinados pelo MS acelerou a falência técnica das menos robustas.
3. INEVITÁVEL. Aqui, como no resto da economia, se não há dinheiro não se pode gastar.
Maurício Barbosa, bastonário da Ordem dos Farmacêuticos:
1. Não tenho conhecimento de que não se invista tudo no tratamento dos doentes. O que está em causa é, essencialmente, a relação custo-efectividade das terapêuticas.
2. A crise das farmácias deve-se sobretudo ao modo como são remuneradas. O Governo baixou as margens e tem propiciado a redução em espiral do preço dos genéricos. Mas nos medicamentos de marca a redução é mínima. Os impactos não têm sido devidamente ponderados.
3. REALISTA. Mas tem de ser ético. Não há outro caminho senão o de adequar a despesa pública à riqueza produzida.
Isabel Vaz, presidente da comissão executiva da Espírito Santo Saúde:
1. É claro que não. O problema põe-se o contrário: estarão os hospitais, por falta de orientação, a assumir investimentos terapêuticos que não se justificam do ponto de vista do doente? É um tema extraordinariamente complexo que não pode, não deve, ser discutido desta forma.
2. Sim, mas não é de todo a única razão. Durante muitos anos, este sector usufruiu de margens de negócio muito atractivas e muitas farmácias foram transaccionadas a valores muito elevados, com base na manutenção desse pressuposto. A transição é, infelizmente, muito dolorosa e devido ao programa de ajustamento das finanças públicas, está a ter de ser mais rápida do que o que seria desejável.
3. O que é inevitável é o Estado pensar e propor em termos de contrato social - não só na área do medicamento, mas transversalmente a toda a prestação de cuidados de saúde.
Nuno Sousa, diretor do curso de Medicina da Universidade do Minho:
1. Não, porque os profissionais de saúde usam outras alternativas (ainda que possam não ser as melhores).
2. O reajuste do preço dos medicamentos é um imperativo, o que não significa que seja a fonte de crise das farmácias (onde também existe um lobby muito nefasto para o sistema).
3. Realista, sob pena de no futuro ficarem muitos sem tratamento.
Paulo Mendo, antigo ministro da Saúde:
1. Não. Mas trabalhar e administrar em ambiente de crise financeira grave do país pode tornar fornecimentos, "stokes", atuações urgentes, sujeitos a falhas dramáticas conjunturais, sem que isso modifique estatísticas, mas causando dramas escusados.
2. A situação das farmácias reflecte a política inevitável de poupança do Ministério da Saúde, porque se trata de um mercado monopsónio em que o SNS é quase o seu cliente único.
3. Absurda. Poupar e racionalizar pode parecer, mas nada tem a ver com a intenção política.
Purificação Tavares, CEO da CGC Genetics:
1. Não, de forma alguma. Uma boa gestão procura continuamente melhorias de eficiência, fazendo igual ou mais com menos recursos. E é sempre possível.
2. A redução de margens é inevitável nestes tempos. Houve grandes alterações, poderá estar a ficar demasiado estrangulado.
3. A 'racionalização' (não racionamento) do medicamento é realista e não prejudica a qualidade.
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