A construção europeia, tal como a conhecemos, foi até à data dirigida pelas elites, mas o seu “paternalismo benevolente” atingiu os seus limites. O próximo passo para a União política não poderá ser feito sem se consultar diretamente os cidadãos, estima o diretor da revista italiana de geopolítica Limes.
Entre “menos interdependência” e “mais integração”, a agulha da balança inclina-se para o primeiro. Será esta inclinação definitiva? Muito provavelmente não. Mas o facto de não haver nada que garanta que os Estados Unidos da Europa alguma vez verão a luz do dia não significa que o conflito intraeuropeu que despertou a crise do euro causará a desintegração da UE – ou pior, uma guerra.
A urgência dos problemas faz com que seja preciso analisá-los friamente, sem preconceitos e visões consoladoras, dando asas à nossa imaginação, não para mascarar o presente, mas para imaginar o futuro. Mas antes de mais, todos os projetos da Europa devem passar pelo debate público e ter o consentimento dos povos europeus em causa.
Deixou de ser possível construir a Europa sem o contributo dos europeus. São estes que devem escolher se querem criar uma Europa e, eventualmente, de que forma. Por outras palavras, uma entidade geopolítica soberana. Um Estado democrático, com limites e instituições que devem ser definidos. Trata-se, mais concretamente, de ultrapassar a lógica dos tratados europeus.
O consentimento das pessoas, uma necessidade
Atualmente são os Estados-membros que dizem o que é e, sobretudo, o que não é a União Europeia. O que leva a uma dupla perda de legitimidade para a democracia: a nível nacional, onde a função parlamentar atingiu o ponto mais baixo de sempre, em que a legitimidade dos governos diminui de dia para dia e os partidos políticos não passam de uma sombra do que costumavam ser; a nível comunitário, com uma Comissão desacreditada que, sem medo de cair no ridículo, exibe uma aparência de poder executivo, acompanhada de um Parlamento eleito através de listas nacionais, que defende os interesses nacionais, e cujos poderes são muito diferentes dos que a tradição ocidental atribui às Assembleias Legislativas.
Quem beneficia desta conjuntura são as forças antidemocráticas ou francamente racistas que se servem da Europa como de um espantalho, para colher frutos políticos e atrair eleitores.
Fundado nos escombros das guerras mundiais para garantir a paz, promover o progresso e fazer avançar a liberdade, o ideal europeu produziu o efeito inverso. Consequências colaterais: a Europa perde os seus valores e desvaloriza o que queria proteger.
Foram tidas em conta diversas soluções, todas elas diferentes, para suprimir o fosso entre a interdependência e a integração. Ambos precisam do consentimento dos povos para funcionar. Está na hora de perguntar aos europeus se querem ou não unificar os seus países. Por referendo. E não através de consultas nacionais que põem os eleitores de tal ou tal Estado-membro a aprovar ou rejeitar (neste último caso, os eleitores voltam a ser chamados às urnas até o texto ser aprovado) um tratado ilegível e, por consequência, não lido.
Excitar as mentes primitivas
Este referendo entre os 27 Estados-membros da União (28 a partir do próximo ano), que ocorreria na mesma altura e com as mesmas regras na totalidade do espaço comunitário, colocaria uma questão fundamental: “Está ou não a favor da emergência de um Estado europeu constituído por todos os Estados-membros da União Europeia ou por alguns desses Estados (Indique quais)?”
Tratar-se-ia obviamente de um escrutínio consultivo. Mas a voz em coro de várias centenas de milhões de europeus afetaria consideravelmente as escolhas dos dirigentes políticos nacionais.
Seja qual for o resultado, teríamos finalmente uma ideia clara do número de europeus a favor de uma maior integração política e económica. Algo que os eurófilos procuraram sempre evitar. Mas, nos dias de hoje, deveria estar claro que só conseguiremos unificar definitivamente a Europa ou uma boa parte dela para a tornar um ator da democracia no mundo, erradicando o europeísmo, os seus reflexos paternalistas e a sua cultura fundamentalmente elitista e antidemocrática. Cujo resultado é que, 55 anos após o Tratado de Roma, além de não termos uma Europa unificada, estamos a deixar os seus espíritos primitivos irritados ao arrancar as raízes liberais e democráticas dos seus países-membros.
Este artigo é um excerto do capítulo “L’Europa agli europei”, publicado no relatório Nomos & Khaos 2012, do instituto de investigação italiano Nomisma.
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