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terça-feira, 11 de setembro de 2012

A constitucionalidade é como a “vermelhinha”?

Dentro do TC há sempre duas divisões: primeiro, entre os juízes indicados pelo PS e os indicados pelo PSD; segundo, entre os juízes de carreira e os outros. Isto não é matemática; não significa que os juízes sejam previsíveis e amestrados nas suas decisões. Mas ajuda a antecipar, nalguma medida, aquilo que cada um pode decidir sobre temas politicamente controversos e ajuda ao equilíbrio de tendências.
Como é que um conjunto de circunstâncias permitiu ao Tribunal Constitucional carimbar a inconstitucionalidade do corte dos subsídios de férias e de Natal aos funcionários públicos e reformados? É o que neste texto se procura apurar.
À esquerda os juízes do Tribunal Constitucional são hoje heróis nacionais. À direita diz-se que o tribunal cometeu um grave erro jurídico e económico. "O acontecimento político mais grave dos últimos meses", segundo Fernando Ulrich. Certa ou errada, esta decisão nasceu de um contexto. Eis o que importa apurar: como é que um conjunto de circunstâncias, incluindo uma reviravolta de alguns dos seus juízes, permitiu ao Tribunal Constitucional carimbar a inconstitucionalidade do corte dos subsídios de férias e de Natal aos funcionários públicos e reformados.
Quando Pedro Passos Coelho e o presidente do Tribunal Constitucional (TC), Rui Moura Ramos, se envolveram numa troca inédita de reprovações em torno do acórdão do TC sobre o corte dos subsídios de férias e de Natal, o país inteiro deve ter ficado aturdido. Não, não era António José Seguro medindo forças com Passos Coelho. Era o institucional Rui Moura Ramos, que, para evitar que acusassem o TC de ter aberto a porta a uma austeridade mais dura para todos - não por acaso, o PCP fez logo essa crítica -, achou que devia dar uma entrevista à imprensa. Moura Ramos lamentou que Passos tivesse reagido "a quente" no dia em que o acórdão foi tornado público, quando afirmou que iria estender os cortes ao sector privado. Ao mesmo tempo, o presidente do TC aproveitou para instruir que uma leitura do acórdão centrada na comparação entre sacrifícios do público e do privado era "errada", visto que o acórdão distingue sim entre "titulares de rendimentos", o que foi logo visto como uma sugestão para se taxar os rendimentos de capital.
Quem conhece a contenção e o zelo judicial de Moura Ramos sabe que estas não foram declarações comuns. Moura Ramos disse uma vez que o TC "funciona como contrapoder que tem de dizer não à maioria que legisla". Agora estava a fazer mais que isso. A esquerda da esquerda aplaudiu. Passos Coelho respondeu, com um tom mais agressivo do que lhe tem sido habitual: "Podemos entender estas declarações como sendo de alguém que está de saída e não como de alguém que, durante todo o tempo, não confundiu a presidência do TC com o espaço de discussão pública."
Os acórdãos do TC são em regra identificados por número, barra e ano; e com o nome do relator que marca a autoria de cada decisão. Isto ajuda à sua invisibilidade quase apolítica. Mas o acórdão que declarou a inconstitucionalidade dos cortes dos subsídios não vai ficar conhecido como o 353 de 2012. É uma decisão carregada de ousadia e consequências políticas, atingindo aquilo a que temos vindo a chamar o nosso "estado de emergência financeira" e a margem de manobra de um governo para cumprir o programa da troika e ajustar a despesa do Estado.
Juízes, sindicatos da função pública, o grosso da esquerda encararam o acórdão como a prova de que a Constituição está viva, contestando só que o TC tivesse deixado intactos os cortes de 2012. Outras vozes foram discordantes. O constitucionalista Vital Moreira crismou esta decisão no seu blogue como "inconvincente" por comparar aquilo que não é comparável: o peso dos funcionários públicos e privados na despesa pública. Paulo Mota Pinto, um ex-juiz do TC e também professor de Direito, apelidou a decisão como "um passo de activismo judiciário, ao arrepio de uma tradição de self-restraint que caracterizava no controlo segundo os princípios da proporcionalidade e da igualdade a jurisprudência do TC".
Raras vezes o topo do poder judicial e o poder executivo se confrontam desta maneira acesa. E, quando isso sucede, o direito constitucional pode ser apenas um pormenor. O contexto pode ser mais decisivo para perceber uma decisão. Mas que contexto? Neste último ano, a forma como o Governo se agarrou no debate público à noção de emergência financeira, a intervenção crítica do Presidente, as cedências na Concertação Social, a radicalização ideológica de uma parte do PS contra Seguro, a anterior jurisprudência do TC sobre o mesmo estado de emergência financeira, a força contestatária de certas corporações públicas, as vicissitudes internas do próprio TC, o comportamento pretérito e presente dos juízes, todos estes pontos podem ajudar a compreender esse contexto. Passos Coelho pertence a uma geração no PSD que gostaria que a Constituição fosse mais flexível e aberta. Logo após assumir a liderança, quis que fosse apresentado um projecto de revisão constitucional arrojado e, por vários motivos, falhado. Nos meses que leva a executar o acordo com a troika, Passos referiu muitas vezes que estamos em tempo de emergência financeira. Não foi o único. Cavaco Silva também. Ao usar a linguagem da excepção, Passos não pretendia apenas alertar para a gravidade das contas públicas. O estado de emergência justificava mais sacrifícios do que o normal e atribuía ao Governo mais liberdade de acção para responder aos problemas de tesouraria do Estado. O poder executivo é sempre o principal "reforçado" num cenário de crise.
Na verdade, porém, não foi Passos Coelho o único responsável pelo discurso de emergência. O discurso começou antes, de facto, com a apresentação dos PEC de Sócrates. E contou, em dois momentos, com a significativa caução do próprio TC. O primeiro, em 2010, quando Sócrates criou um novo escalão de IRS sujeito à taxa de 45%. Eram medidas temporárias e retroactivas. Nesse acórdão (o 399) relatado pela conselheira Ana Maria Martins justificou-se a retroactividade do imposto por se tratar de "obtenção de receita fiscal para fins de equilíbrio das contas públicas", com "carácter urgente e premente e no contexto de anúncio das medidas conjuntas de combate ao défice e à dívida pública acumulada".
Um ano depois, em plena odisseia dos PEC (o terceiro), o TC é novamente chamado para decidir sobre a constitucionalidade de medidas do Orçamento para 2011: os cortes salariais de funcionários públicos e outros agentes do Estado, incluindo magistrados. O tema dos cortes pode ser um tema bicudo. Mas neste acórdão (o 396 de 2011), relatado por Joaquim Sousa Ribeiro, outro académico, o tribunal mais que viabilizou um entendimento alargado da emergência financeira. Não só a redução de salários era uma medida de interesse público face à situação do país, como o TC afirmava que o princípio da igualdade perante a repartição dos encargos públicos não era violado. "Quem recebe por verbas públicas não está em posição de igualdade com os restantes cidadãos, o sacrifício adicional que é exigido a essa categoria de pessoas não consubstancia um tratamento injustificadamente desigual", admitia o TC. "Não há variáveis neutras", saber quais as medidas adequadas "foi e continua a ser objecto de intenso debate político e económico", não cabendo ao TC "intrometer-se nesse debate", pelo que "não havia razões de evidência" e dentro de "limites do sacrifício" para concluir pela inconstitucionalidade.
Votaram a favor deste acórdão 9 juízes: Joaquim Sousa Ribeiro, Ana Maria Martins, Catarina Sarmento e Castro, Borges Soeiro, Vítor Gomes, Carlos Cadilha, Maria João Antunes, Gil Galvão e Rui Moura Ramos. E 3 votaram vencidos: Pamplona de Oliveira, Cunha Barbosa e Cura Mariano.
As decisões do TC não são decisões de um típico tribunal que só precisa de lidar com o caso concreto. Têm consequências institucionais, sinalizando ao Parlamento e ao governo, aos órgãos de soberania que fazem leis, aquilo com que podem ou não contar do TC. O facto é que, ao legitimar os cortes salariais de Sócrates, o TC estava compreensivelmente a dizer ao Governo - a qualquer governo - que só tencionava intervir numa situação excepcional de sacrifício evidente dos trabalhadores públicos. Estava assim a conferir ao Governo a principal responsabilidade pela condução da política de emergência. Então, o que mudou? Excelente pergunta, para a qual será inútil procurar uma só resposta. Dentro do TC há sempre duas divisões: primeiro, entre os juízes indicados pelo PS e os indicados pelo PSD; segundo, entre os juízes de carreira e os outros. Isto não é matemática; não significa que os juízes sejam previsíveis e amestrados nas suas decisões. Mas ajuda a antecipar, nalguma medida, aquilo que cada um pode decidir sobre temas politicamente controversos e ajuda ao equilíbrio de tendências. Não é absurdo pensar que os juízes de carreira costumam ser mais sensíveis a questões de estatuto público, ou os juízes mais conservadores a temas de costumes.
Entretanto, em Maio de 2011 Sócrates subscreve o programa de assistência com a troika. Em Junho, o PSD vence as eleições. Apesar de Passos ter prometido que não cortaria os subsídios, a execução orçamental derrapa. É o Verão dos "desvios colossais" e dos "buracos" da Madeira e do BPN. A 15 de Outubro, na apresentação do Orçamento para 2012, Passos avisa publicamente que vivemos momentos de emergência nacional e anuncia o corte dos subsídios a funcionários públicos e pensionistas e todo um pacote de medidas de austeridade. Esse pacote previa, por exemplo, mais impostos e mais meia hora de trabalho para os privados. Vítor Gaspar afirma que a alternativa seria despedir 100.000 funcionários públicos.
É então que Cavaco Silva, que precisa desse afastamento, resolve distanciar-se de Passos Coelho. Apanhado pelos jornalistas, o Presidente deixa um alerta que serve de combustão. Para Cavaco, o corte dos subsídios de férias e de Natal consistiria numa violação do princípio da equidade fiscal. Passos Coelho não pode ter gostado do que ouviu. O Orçamento, todavia, é aprovado e promulgado sem que Cavaco suscite a fiscalização preventiva. Só que, de imediato, as críticas aos cortes ganham cada vez mais peso.
A decisão do TC sobre os cortes salariais de Sócrates foi recebida com grande rejeição nos sindicatos da função pública, magistrados, professores. O TC não é uma instituição benquista nalgumas magistraturas. Crescem os ataques ao TC, acusado de "suspender a Constituição". Em Novembro, a caminho do congresso de juízes, o presidente da associação, António Martins, classifica o corte de subsídios como um imposto confiscatório, esperando que os juízes não o apliquem e acusando o Governo de impor um estado de emergência inconstitucional.
A ideia de pedir a fiscalização sucessiva da constitucionalidade começa a ganhar mais defensores. O PS parte-se em dois. Um grupo de deputados, conotados com a ala mais à esquerda, ameaça promover a fiscalização sucessiva do corte dos subsídios. Nesse grupo estão alguns deputados mais conhecedores das questões constitucionais, como Vitalino Canas, Pedro Delgado Alves ou Isabel Moreira.
No início de Janeiro, o Governo deixa cair na Concertação Social o aumento da meia hora para os trabalhadores privados. Carvalho da Silva declara vitória. Na abertura do ano judicial, as corporações da Justiça disparam. Marinho Pinto protesta contra o Governo por isentar dos cortes os funcionários do Banco de Portugal, mas não os magistrados. Como sempre, o discurso incendiário vem do presidente do STJ que resolve abordar o tema. Para Noronha do Nascimento, sem direitos adquiridos regressamos "ao tempo das ocupações, das autogestões ou do confisco". No final de Janeiro, deputados do Bloco e do PS apresentam no TC o pedido de fiscalização abstracta sucessiva do corte de subsídios. O requerimento invoca expressamente a violação de três princípios constitucionais: confiança, proporcionalidade e igualdade. A fiscalização abstracta sucessiva da constitucionalidade pode ser pedida a todo o tempo. O facto de ser sucessiva significa que o TC é chamado a analisar a constitucionalidade de normas que já estão em vigor. O facto de ser abstracta quer dizer que o TC tem apenas que decidir se a regra é compatível ou não com a Constituição, independentemente da sua aplicação em litígios concretos, podendo anular retroactivamente opções legislativas do Parlamento ou do governo. Por isso, a sequência destes processos é mais complexa, já que está em causa a formação da vontade de um colectivo de juízes perante o poder legislativo. O presidente do TC recebe o pedido e prepara um memorando inicial em que identifica os pontos mais importantes, distribuindo-o pelos juízes. Depois, o memorando é sujeito a debate e votação entre os juízes, fixando-se a orientação a defender pelo tribunal. Finalmente, o processo é atribuído por sorteio a um juiz relator.
Em circunstâncias normais é esta a sequência. Acontece que a fiscalização sucessiva do corte dos subsídios foi embrenhada noutro problema: a renovação da composição do TC. Rui Moura Ramos está, de facto, de saída do TC, como disse Passos Coelho. O que não disse foi que Moura Ramos, e mais 3 juízes, estão de saída há meses. Durante a primeira metade do ano, o presidente do TC esperou pacientemente que a Assembleia resolvesse a eleição dos novos juízes, processo que se embrulhou quando PS e PSD avançaram com nomes que não colheram consenso ou que não tinham condições para ser eleitos. As notícias sobre o processo de fiscalização do corte dos subsídios sugeriam que a decisão estaria dependente da nova composição do TC. Em Abril, em entrevista ao Sol, Moura Ramos esclarecia "não fazer sentido apresentar o projecto de decisão para discussão, quando está em vias a alteração da composição do tribunal". "Deverá ser decidido pelo meu sucessor. Espero que em Junho."
Era possível ver aqui duas declarações relevantes. Primeiro, é possível, mas não certo, que Moura Ramos já soubesse que a inclinação do tribunal seria a favor da inconstitucionalidade, mesmo não tendo havido qualquer votação interna. É possível pois, embora teoricamente a decisão pudesse ser tomada no final do ano - e era o que poderia ter acontecido, se a posição maioritária fosse a favor da constitucionalidade -, que ao anunciar a decisão para Junho, Moura Ramos estivesse a desvelar um pouco o seu sentido, já que o TC não poderia declarar a inconstitucionalidade depois do Verão, quando o Orçamento para 2013 já estivesse a ser preparado. Segundo, Moura Ramos preferia que fosse a futura composição do TC e o seu sucessor a resolver o assunto.
Pode haver vários motivos para essa preferência. Talvez Moura Ramos não desejasse hostilizar o Governo; talvez quisesse defender o seu tribunal de uma decisão que seria sempre lida como uma inversão relativamente à jurisprudência anterior; talvez achasse que uma decisão com este peso precisaria de ser tomada por um tribunal com nova legitimidade e outro presidente. Se tudo isto for correcto, a verdade é que os "cálculos" de Moura Ramos saíram furados. Os partidos não desbloquearam a nomeação dos novos juízes do TC. Assunção Esteves "vetou" Conde Rodrigues, o processo arrastou-se. A 21 de Maio, sabe-se que o processo de fiscalização sucessiva iria finalmente avançar. Moura Ramos achou que não podia esperar mais pelos novos juízes, que só foram eleitos a 29 de Junho. A 5 de Julho, com surpresa, o TC declara a inconstitucionalidade dos cortes, alegando violação do princípio da igualdade na repartição dos encargos públicos. João Cura Mariano, juiz de carreira eleito em 2007 por indicação do PSD, acabou por ser o relator. Coerentemente com o seu voto vencido sobre os cortes salariais de Sócrates, socorreu-se apenas do princípio da igualdade, na lógica da igualdade entre sector público e sector privado na repartição dos encargos públicos. Não usou nenhum outro fundamento, eventualmente porque a igualdade tinha sido a base do consenso no tribunal. Mas, ao contrário do acórdão de 2011, desta vez o TC desvalorizou o maior nível salarial e de segurança do emprego do público por oposição ao privado. Ao contrário dos acórdãos anteriores, o TC não teve a mesma deferência com esses dois argumentos apresentados pelo Governo no relatório do Orçamento. Ou não considerou possível formular, através desses índices, um juízo razoável de comparação entre o público e o privado. E, se é verdade que em 2011 o TC já havia mencionado os "limites do sacrifício" a respeito de um corte de 8%, não hesitou agora em considerar que um corte de 14% sobre os 8% anteriores "atinge um valor percentual de tal modo elevado que o juízo sobre a ultrapassagem daquele limite se revela agora evidente". Além disso, sustentou que o Governo tinha medidas alternativas tanto do lado da receita como da despesa para cobrir o défice.
Votaram a favor 9 juízes: João Cura Mariano, Ana Maria Martins, Joaquim de Sousa Ribeiro, Maria João Antunes, Carlos Cadilha, Gil Galvão, Catarina Sarmento e Castro, Carlos Pamplona de Oliveira, Cunha Barbosa. Votaram contra Maria Lúcia Amaral, Rui Moura Ramos, Vítor Gomes. Quando se comparam as votações individuais deste acórdão com as de 2011, verifica-se que três juízes da ala "direita" e também juízes de carreira foram coerentes no sentido da inconstitucionalidade (Cura Mariano, Cunha Barbosa e Pamplona de Oliveira). Outros dois (ou três, visto que Maria Lúcia Amaral não participou na votação de 2011) foram também coerentes no sentido da constitucionalidade: Rui Moura Ramos e Vítor Gomes, embora com motivos próprios. Já Ana Maria Martins, Joaquim Sousa Ribeiro, Maria João Antunes, Catarina Sarmento e Castro, Carlos Cadilha e Gil Galvão, tendo votado pela constitucionalidade em 2011, passaram-se para o lado da inconstitucionalidade em 2012. Cadilha é juiz de carreira, Galvão um jurista vindo do Banco de Portugal, os restantes são académicos. Curioso ou não, todos foram indicados pelo PS.
O princípio da igualdade na tal perspectiva da repartição dos encargos públicos é frequentemente invocado, não para justificar uma igualação algo arbitrária entre o sector empregador público e privado, mas para fundamentar outro princípio de direito: a responsabilidade civil do Estado por actos lícitos. Mas o TC aproveitou aqui para estender essa lógica em benefício de funcionários públicos e pensionistas, tratados discutivelmente como uma só categoria, e entrando num terreno novo e escorregadio para os limites institucionais de um tribunal constitucional.
Devem os juízes constitucionais pretender "interpretar" a opinião pública para conduzir a sociedade em escolhas políticas fundamentais? Devem formular julgamentos subjectivos de igualdade proporcional sobre uma realidade económica que desconhecem? Não creio. Mas: se o Governo tivesse mostrado mais modéstia executiva na invocação da excepção financeira, teria recebido igual modéstia judicial do TC? Se o TC não tivesse dado sinais em 2011 de que não se intrometeria no debate político-económico, teria o Governo avançado com o corte dos subsídios como avançou? Se PS e PSD não tivessem atrasado a eleição dos novos juízes, teria a nova composição feito algo diferente? Se Passos Coelho não tivesse deixado cair o aumento de meia hora, iria o TC dizer que o sector público estava a ser sobrecarregado? Se os titulares de funções de soberania, como os magistrados, tivessem sido excluídos dos cortes, teriam os juízes que votaram em 2011 pela constitucionalidade mudado de posição? Se o pedido de fiscalização não tivesse partido sobretudo de deputados desalinhados do PS, faria alguma diferença? Nunca saberemos. Este texto destina-se só a pensar que estas dúvidas contrafactuais não são e não foram, neste contexto, irrelevantes.
Pedro Lomba
Suspensão do pagamento de subsídios de férias e de Natal (Lei do Orçamento de Estado para 2012)
O Tribunal Constitucional decidiu, no processo de fiscalização abstracta sucessiva da constitucionalidade em que é requerente um grupo de deputados à Assembleia da República:
a) Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, das normas constantes dos artigos 21.º e 25.º, da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2012).
b) Ao abrigo do disposto no artigo 282.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, determinar que os efeitos desta declaração de inconstitucionalidade não se apliquem à suspensão do pagamento dos subsídios de férias e de Natal, ou quaisquer prestações correspondentes aos 13.º e, ou, 14.º meses, relativos ao ano de 2012.
Em síntese, considerou que viola o princípio da igualdade pelas seguintes razões:
- liberdade do legislador não é ilimitada, mesmo num quadro de crise económico-financeira;
- há limites para a diferença do grau de sacrifício para aqueles que são atingidos pela medida e os que não o são;
- a medida tem a duração de 3 anos (2012-2014) o que determina produção de efeitos cumulativos e continuados dos sacrifícios;
- nenhuma das imposições de sacrifícios tem equivalente para os outros cidadãos que auferem rendimentos provenientes de outras fontes (não públicas);
- diferente tratamento imposto ultrapassa os limites da proibição do excesso em termos de igualdade proporcional;
LIMITAÇÂO EFEITOS:
- TC reconhece que há interesse público de excepcional relevo que exige que restrinja efeitos da declaração, não os aplicando aos subsídios férias e natal relativos ao ano 2012 (artigo 282.º/4 CRP)
- A decisão foi tomada por maioria de 9 votos contra 3.

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