Os dirigentes europeus apresentam o conceito de uma maior integração como a chave para sair da crise. Mas não passam de palavras sem sentido proferidas com toda a ligeireza, insurge-se um historiador português.
Coitadas das palavras. São as primeiras vítimas dos líderes europeus. Usam e abusam delas até não significarem mais nada. Para um alemão, "solidariedade" quer dizer "lá vêm os chatos do Sul pedir-me dinheiro". Para um grego, "solidariedade" quer dizer "lá vêm os chatos dos alemães impor-me sacrifícios". Para certos políticos, "federalismo" é uma palavra vazia para parecer modernaço; para outros, "federalismo" é uma palavra vazia para meter medo; em nenhum dos casos tem o seu significado original de descentralização e democracia – Sarkozy até a usava como sinónimo de intergovernamentalismo, o seu exato oposto. Quando todas as palavras faltam, diz-se que é preciso "mais Europa", uma coisa que não quer dizer rigorosamente nada: podemos precisar de mais democracia, mais integração, mais coesão – coisas que se sabe o que significam. Mais Europa, não sei o que é.
Objetivos nefastos
Antes do verão, chegou a vez de "crescimento". Os eurochefes fizeram uma "cimeira do crescimento", e os socialistas em particular vociferaram pelo crescimento. Hollande avisou: só assinaria o novo Tratado do Bloco Orçamental se houvesse um plano de crescimento. Na altura certa lá veio o anúncio de que um pouco mais de cem mil milhões de euros iriam ser postos de parte para projetos de crescimento e emprego. Um décimo do que foi emprestado à banca em dois dias, mas enfim.
Quase que nos enganavam, hein? Passado uns meses, a França prepara-se para assinar o tratado orçamental, que esvazia o Parlamento Europeu, estabelece metas irrealistas e mesmo nefastas e desenha um modelo que, a repetir-se, acabará destruindo a União para suposto bem do euro, e não salvando nenhuma das coisas. E o fundo para o crescimento? As últimas notícias que correm no Conselho é que a França se recusa a meter a sua parte.
Seria só triste se não fosse tristíssimo. Cada país da União joga com o destino dos outros países sem compreender que se trata também do seu.
Ouvidos moucos
O exemplo mais claro é o da evasão fiscal. Como todo o mundo sabe, a quase totalidade das 20 maiores empresas da Bolsa de Lisboa, a fim de escapar das suas obrigações contabilísticas e dos impostos que se lhes exigem aqui, tem o seu domicílio fiscal nos Países Baixos. Os Países Baixos fazem ouvidos moucos às reclamações dos países vítimas, entre eles, Portugal, que de qualquer maneira, para dizer a verdade, não fazem grande coisa contra o problema.
Isso sim, foi muito oportuno que se descobrisse em plena campanha eleitoral que a companhia ferroviária holandesa (pública, fora do mercado) pratica também a evasão fiscal, na Irlanda. Os políticos holandeses ficam chocados, indignam-se, por se poder fazer exatamente o que o seu país os deixa fazer aos outros.
E a Holanda não é nem sequer o exemplo mais indecente. No outro extremo da Europa, geográfica e politicamente falando, Chipre, dirigida por um Governo do Partido Comunista, fechou um acordo com a Rússia, que permite aos oligarcas russos escapar da imposição fiscal no seu país e até branquear dinheiro sujo. Em Chipre não só é fácil abrir uma conta bancária, pois não é obrigatório dar o nome, assim como é fácil abrir um banco. Os russos, como é natural, tiram proveito disso; toda a coincidência com o tráfico de armas russas para a Síria é, claro está, puramente fortuita.
E não se pode fazer nada? É a presidência do Conselho que fixa as prioridades. Ora, essa presidência é agora assegurada por Chipre... E é a Irlanda que lhe sucederá.
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