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sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Focámo-nos nos números, esquecemos o ser humano

Há meses que gregos e alemães referem a possibilidade de Atenas abandonar o euro. Mas essa discussão deixa entrever que, fora da moeda única, não há UE. Uma posição que favorece a divisão e o desprezo recíproco, denuncia o escritor grego Petros Markaris.
E se nos distanciássemos da dura realidade dos €11,88 mil milhões de poupança orçamental [que o Governo tenta encontrar e fazer aprovar pela troika]? Ponhamos de lado assuntos como os erros cometidos e a ausência de sistema político, o fardo desumano que pesa sobre os cidadãos, os cortes e os sacrifícios que a troika exige, os assuntos que, devido à abundância de análises de editorialistas e universitários, caíram ao nível da evidência.  
Falemos um pouco da substância – e a substância é a entidade que se chama "Europa". Receio que nós, europeus, nos tenhamos deixado contaminar pelos políticos e tenhamos cometido um erro fatal: meter a Europa e o euro no mesmo saco. Aqueles que acompanham de perto a atualidade, não apenas grega mas europeia, têm a impressão, sobretudo depois do início da crise, de que a Europa não existe sem o euro. No espírito dos europeus, está enraizada a certeza quase absoluta de que aquele que não é membro da zona euro não é considerado europeu.
O exemplo mais flagrante dessa mentalidade encontra-se nos órgãos de comunicação gregos. Nos últimos meses, acompanho diariamente o psicodrama com a Alemanha, se esta quer mandar-nos embora ou manter-nos na zona euro. Até à visita do primeiro-ministro grego, Antonis Samaras, à senhora Merkel [24 de agosto], o sentimento geral era que a Alemanha queria afastar-nos. Agora, passámos para a perspetiva mais tranquilizadora de 50-50.
Enquanto durou a primeira parte do psicodrama, a angústia não se limitava apenas às consequências desastrosas da saída para a economia grega e para a vida dos cidadãos gregos, e estendia-se ao facto de a Grécia se tornar qualquer coisa semelhante a um Estado pária.
Uma espiral da qual não sabemos como sair
O recíproco era verdade para os alemães, mas em sentido inverso. O argumento dos cidadãos alemães, que querem expulsar-nos, não se baseia apenas no facto de a Grécia não resolver os seus problemas dentro do euro, mas também em que é preciso castigá-la pela sua falta de exatidão e pôr-lhe a corda ao pescoço ou, pelo menos, colocá-la num campo para delinquentes.
E eu pergunto: os Estados que pertencem à UE mas que estão fora da zona euro serão todos párias? O Reino Unido, a Dinamarca, a Suécia, a República Checa, a Hungria, a Polónia e 5 outros países vivem em colónias para delinquentes? A Alemanha, que destruiu a Europa por duas vezes, será mais europeia que o Reino Unido, que a salvou outras tantas vezes? O Reino Unido talvez tenha milhares de especificidades, mas esteve sempre presente quando a Europa precisou dele.
Receio que tenhamos entrado numa espiral da qual não sabemos como sair. Digo isto porque, desde o começo da crise, raramente li, na imprensa europeia, um artigo que se preocupasse com os países exteriores à zona euro, à exceção do Reino Unido. E, no caso do Reino Unido, o interesse deve-se às complicações que a política deste país impõe à zona euro.
Como corro o risco de ser mal interpretado, prefiro esclarecer as coisas: não faço parte daqueles que defendem o regresso ao dracma. Também não tenho objeções a fazer trocas em euros, desde que não esqueçamos que o euro é uma moeda entre milhares de outras, um meio de troca. Não é a pedra angular da nossa existência. Antes do euro, havia uma Europa unida e a Europa do euro não se fica pela moeda única.
A moeda única devorou os valores comuns
Antes do euro, a Europa não era apenas uma comunidade económica. Era também a visão dos pais da integração europeia. Países dotados de línguas, histórias, culturas e tradições diferentes queriam uni-las sob o teto dos valores europeus comuns.
Basta recordar que os países do antigo bloco socialista não aderiram à Europa apenas por causa do mercado comum e da perspetiva de melhores condições de vida, mas igualmente porque, durante 45 anos, tinham sido privados dos valores europeus comuns e porque os reclamavam. A última pessoa a referir estes aspetos foi Jacques Delors. Depois de Delors, o debate em torno deste ambicioso projeto caiu em desuso, até à introdução do euro, e a moeda única devorou os valores comuns.
A unidade da UE foi substituída pela unidade da zona euro. Hoje, vivemos numa Europa onde só os políticos e os economistas têm voz. É por isso que o debate é pouco profundo, como a maior parte dos dirigentes europeus, e unidimensional, como o discurso tradicional dos economistas. Falta-lhe um olhar global sobre a Europa, porque os escritores, os artistas e os intelectuais raramente se exprimem.
O dilema euro ou dracma não se me coloca. Mas coloca-se uma questão: qual Europa? Havia uma Europa antes do euro. Haverá uma Europa depois do euro, se, amanhã, o euro se afundar?
Sentimento de cólera
Na Europa Central e do Norte, propaga-se um movimento popular contestatário, que não quer dar mais dinheiro aos europeus do Sul, inúteis e gastadores. Isso irrita-nos, mas não devemos condená-los. No seu lugar, teríamos pensado a mesma coisa, tal como os espanhóis, os italianos e os portugueses. Conhecem algum rico que partilhe o seu dinheiro com os pobres?
Ao mesmo tempo, nos países do Sul, desenvolve-se um sentimento de cólera contra os países ricos da Europa, vindo dos povos que sofrem e que, todos os dias, veem o seu nível de vida degradar-se. Não somos os únicos. Os espanhóis, os italianos e os portugueses alimentam o mesmo sentimento que nós, e é precisamente aí que reside o problema. Porque se o euro não se aguentar, não é certo que tenhamos uma Europa depois do euro.
O mais provável é termos uma Europa dividida em duas, com uma parte a acusar a outra pelo fracasso do euro. Teremos uma Europa dividida em dois campos, na qual um detestará e desprezará o outro.
Não digo que seja preciso abandonar o euro. Mas é preciso avaliar se vale a pena dividir a Europa em dois campos adversos por causa do euro. Se este merece que se destrua aquilo que a Europa construiu desde 1957, em condições muito penosas. Focámo-nos nos números e perdemos os seres humanos – é esse o drama. Espero estar enganado, mas estamos a correr para uma rivalidade de guerra civil europeia.

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