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terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Uma carta enviada do Futuro para as Novas Gerações

Geração X. Geração Y. Geração Z. Geração rasca. À rasca. 2000. Geração mileurista. Deolinda. Quantas gerações de perdidos e achados cabem na nossa?
Uma música, "Parva que sou", dos Deolinda, acordou Portugal para uma verdade abandonada: o desemprego, a precariedade e os baixos salários da juventude, que se consumam na sua desesperança. Estamos a falar de economia, numa linguagem que finalmente se universaliza porque não é de economistas, nem de sindicalistas, nem de políticos. É a voz de Ana Bacalhau e de centenas de milhares de pessoas através dela.
A letra é poderosa mas só se expandiu desta maneira desenfreada pelo efeito de confirmação, por formar um pedregulho concreto do que era gravilha dispersa. Nenhum movimento pediu a música, mas todos pareciam esperá-la para se identificarem como massa gregária - mas separada do resto do País. Não faltarão agora abutres desta deolindomania, partidos a apropriar-se da causa, ideologias a imporem-se, líderes sonhados revolucionários, agentes, prestamistas, comerciantes, vendedores de t-shirts e canecas estampadas. Antes desse desmancho em "pop music", reconheçamos que medra é esta.
O que está a medrar é erva que já chega aos pescoços de quem não quer ver. O fenómeno nasce no baixo crescimento da economia europeia, num continente que se arrisca a ficar para museu, visitado pelos prósperos americanos, chineses, brasileiros, indianos, russos e outras emergências. Nos países periféricos, pior. Foi em Espanha que se inventou o termo "mileurista", que só por bondade se pode aplicar em Portugal, onde o problema não é ter salários paralisados de mil euros... Há quase 300.000 portugueses entre os 15 e os 34 anos à procura de emprego (nunca foram tantos). Somando-lhes os sobre tributados recibos verdes e os contratos a prazo, são centenas de milhares. E mesmo nos empregos a contrato sem termo, a escassez é tão grande que se aceitam salários baixos pela promessa de estabilidade.
O curioso é que, dependendo das áreas, nunca saíram das faculdades alunos tão bem preparados como hoje. O Negócios, por exemplo, é uma redacção muito jovem, essencialmente de jornalistas entre os 20 e os 40 anos e está permanentemente a entrevistar finalistas de cursos de economia, gestão e comunicação social: nunca foram tecnicamente tão bem preparados como hoje.
Os melhores têm sempre colocação e alguns (cada vez menos) com bons salários e perspectivas de carreira - na banca de investimento, nas consultoras de gestão ou nas multinacionais, por exemplo. Mas o País não é apenas para os génios. Até porque uns e outros estão a sair de Portugal à procura da não-crise. Quantos têm ou gostariam de ter os filhos em colégios estrangeiros - apenas porque isso é um passaporte?
A tese do livro espanhol dos mileuristas é de que a "nova" geração está a ser sacrificada pela "velha" geração, para manter os seus direitos adquiridos, Estado social e empregos residentes. Mas esse livro foi escrito quando Espanha crescia muito. Em Portugal, o problema é agravado pela falta de crescimento económico durante pelo menos 15 anos (10 dos quais já lá vão), o que não cria oportunidades nem empregos. Temos falta de competitividade, precisamos de exportar e, por isso, baixam-se os salários - mas há maior inimigo da competitividade que esta quantidade alarve de impostos? Somos, ademais, um pais desigual, economicamente mais desigual que o revoltoso Egipto (segundo o Índice de Gini, que mede a assimetria na distribuição de riqueza). Muitos preços são feitos para o quartil superior de rendimentos, fixando um custo de vida, sobretudo nas cidades, demasiado caro para o restante.
É estarrecedor ver esta falta de futuro num País que é liderado... por jovens. Nunca tivemos líderes de partidos, e do Governo, tão novos. Mais: os líderes dos dois maiores partidos são ex-jotas! Só que as jotas tornaram-se fábricas de corrupção moral, viveiros de arenques e de tainhas, à espera da sua vez de ser como os outros, os que já lá estão.
Os Deolinda não estão contra as propinas, não abrem trincheiras, não são sequer panfletários. Isto não é um movimento, é um não-movimento, o que já lhes deu a candura de um não agressor, resgatando dos mesmos que infamemente aniquilaram a "Geração Rasca" a simpatia dos que têm pesos na consciência. Hão-de tentar instrumentalizar isto contra o neoliberalismo ou contra o comunismo, contra a esquerda ou contra a direita, mas é mais puro: é política de há 200 anos, de Rousseau, de Tocqueville, dos vértices libertadores da Revolução Francesa: igualdade, fraternidade, liberdade. Fala-se do Maio de 68, compara-se à espontaneidade do Egipto, confirma-se a força não de um líder, mas das redes sociais. Haverá revolta? Ela será de arame farpado ou de veludo? Ficaremos pela melancolia?
Esta canção é uma carta enviada do futuro. Não é um aviso, é uma súplica. Salve, Deolinda.
Pedro Santos Guerreiro, director do “Jornal de Negócios

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