É uma ironia um sobreendividado ficar eufórico quando alguém lhe empresta mais dinheiro.
Mas assim foi, outra vez, ontem: outro "sucesso ruinoso" na emissão de dívida. Mas sucesso, sim. Danke schön, Frau Merkel. A gente diz muito mal de si, mas não leve a mal: afinal, queremos-lhe tão bem quanto a senhora nos quer a nós.
Foi há precisamente um ano que a Europa pasmou com a Grécia. Ou melhor, com a sua incapacidade de obter financiamento externo. O tempo normaliza as aberrações, mas convém lembrar que, até fevereiro do ano passado, não passava pela cabeça de ninguém que um Estado da Zona Euro ficasse sem financiamento. Tudo o que sucedeu depois desse desabamento é conhecido. Menos o que falta percorrer.
Pela primeira vez no espaço deste maldito ano, Portugal conseguiu colocar uma dívida sindicada. O preço foi inevitavelmente alto, mas desta vez quem comprou a nossa dívida (forma interessante de dizer: quem nos emprestou dinheiro) foi gente recomendável. Mais de metade foi colocada em fundos de investimento, fundos de pensões e seguradoras, que são, na gíria, investidores de "dinheiro a sério" - de longo prazo, não fundos que compram e vendem no dia seguinte aproveitando as ondas dos mercados.
Se é verdade que a percepção de risco sobre Portugal está a melhorar, devemo-lo a muita gente, começando pelos funcionários públicos. Mas devemo-lo também aos sinais de abertura que Angela Merkel vai dando para o reforço e flexibilização do fundo de emergência europeu, que são o Plano B da Europa para os seus aflitos, depois do falhanço do Plano A que foi a intervenção da Comissão e do FMI na Grécia e na Irlanda.
Mas não se precipite: a Alemanha está a tomar decisões com o passo do jogo "1, 2, 3 - macaquinho do chinês": devagar e quando não se está a olhar. Para já, há apenas uma expectativa positiva de que o Plano B seja reactivado, ainda assim em troca do que antes qualificávamos como invasor (constitucionalização dos limites de défice e dívida do Estado, leis laborais, alterações de idade de reforma, interferência nos impostos). Mas não estamos livres ainda do "bail out" do FMI. Apostar nesse modelo de "salvação sem intervenção", sendo mais provável, é ainda apostar, como diz um analista nesta edição, que nos sai o Joker para vencer o Ás.
As emissões portuguesas estão a correr muito bem porque Portugal está a conseguir refinanciar-se antes das datas-limite, sem "queimar" os prazos, aliviando a pressão, o que transmite confiança aos mercados. Mas se o trabalho dos financeiros (incluindo Finanças e IGCP) está a correr bem, ele não pode criar a ilusão de que escapámos. Se amolecermos, a moleza vira-se contra nós como o realismo de uma barra de ferro. Ora, ainda agora soubemos que as empresas do Estado propuseram (sublinho: propuseram) planos onde poupam 700 milhões de euros, o que é metade do que tinha sido definido pelo ministro das Finanças.
Na entrevista que publicamos hoje, perguntámos ao ministro da Economia se ele acha verosímil que o Presidente da República dissolva a Assembleia da República se a execução orçamental do primeiro trimestre falhar. Vieira da Silva respondeu bem: não cumprir o Orçamento não é um cenário. Não vimos se estava a cruzar os dedos debaixo da mesa.
Pedro Santos Guerreiro, Director do Jornal de Negócios
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