Considerando que, ao fim de 13 anos de luta em terras do ultramar, o sistema político vigente não conseguiu definir, concreta e objectivamente, uma política ultramarina que conduza à paz entre os Portugueses de todas as raças e credos;
Considerando que a definição daquela política só é possível com o saneamento da actual política interna e das suas instituições, tornando-as, pela via democrática, indiscutidas representantes do Povo Português;
Considerando ainda que a substituição do sistema político vigente terá de processar-se sem convulsões internas que afectem a paz, o progresso e o bem-estar da Nação:
O Movimento das Forças Armadas Portuguesas, na profunda convicção de que interpreta as aspirações e interesses da esmagadora maioria do Povo Português e de que a sua acção se justifica plenamente em nome da salvação da Pátria, fazendo uso da força que lhe é conferida pela Nação através dos seus soldados, proclama e compromete-se a garantir a adopção das seguintes medidas, plataforma que entende necessária para a resolução da grande crise nacional que Portugal atravessa:
A - Medidas imediatas
1 - Exercício do poder político por uma Junta de Salvação Nacional até à formação, a curto prazo, de um Governo Provisório Civil.
A escolha do Presidente e Vice-Presidente será feita pela própria Junta.
2 - A Junta de Salvação Nacional decretará:
a) A destituição imediata do Presidente da República e do actual Governo, a dissolução da Assembleia Nacional e do Conselho de Estado, medidas que serão acompanhadas do anúncio público da convocação, no prazo de 12 meses, de uma Assembleia Nacional Constituinte, eleita por sufrágio universal directo e secreto, segundo lei eleitoral a elaborar pelo futuro Governo Provisório;
b) A destituição de todos os governadores civis no continente, governadores dos distritos autónomos nas ilhas adjacentes e Governadores-Gerais nas províncias ultramarinas, bem como a extinção imediata da Acção Nacional Popular.
1) Os Governadores-Gerais das províncias ultramarinas serão imediatamente assumidos pelos respectivos secretários-gerais, investidos nas funções de encarregados do Governo, até nomeação de novos Governadores-Gerais, pelo Governo Provisório;
2) Os assuntos correntes dos governos civis serão despachados pelos respectivos substitutos legais enquanto não forem nomeados novos governadores pelo Governo Provisório;
c) A extinção imediata da DGS, Legião Portuguesa e organizações políticas da juventude.
No ultramar a DGS será reestruturada e saneada, organizando-se como Polícia de Informação Militar enquanto as operações militares o exigirem;
d) A entrega às forças armadas de indivíduos culpados de crimes contra a ordem política instaurada enquanto durar o período de vigência da Junta de Salvação Nacional para instrução de processo e julgamento;
e) Medidas que permitam vigilância e controle rigorosos de todas as operações económicas e financeiras com o estrangeiro;
f) A amnistia imediata de todos os presos políticos, salvo os culpados de delitos comuns, os quais serão entregues ao foro respectivo, e reintegração voluntária dos servidores do Estado destituídos por motivos políticos;
g) A abolição da censura e exame prévio;
1) Reconhecendo-se a necessidade de salvaguardar os segredos dos aspectos militares e evitar perturbações na opinião pública, causadas por agressões ideológicas dos meios mais reaccionários, será criada uma comissão ad hoc para controle da imprensa, rádio, televisão, teatro e cinema, de carácter transitório, directamente dependente da Junta de Salvação Nacional, a qual se manterá em funções até à publicação de novas leis de imprensa, rádio, televisão, teatro e cinema pelo futuro Governo Provisório;
h) Medidas para a reorganização e saneamento das forças armadas e militarizadas (GNR, PSP, GF, etc.);
i) O controle de fronteiras será das atribuições das forças armadas e militarizadas enquanto não for criado um serviço próprio;
j) Medidas que conduzam ao combate eficaz contra a corrupção e especulação.
B - Medidas a curto prazo
1 - No prazo máximo de 3 semanas após a conquista do Poder, a Junta de Salvação Nacional escolherá, de entre os seus membros, o que exercerá as funções de Presidente da República, que manterá poderes semelhantes aos previstos na actual Constituição.
a) Os restantes membros da Junta de Salvação Nacional assumirão as funções de Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, Vice-Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, Chefe do Estado-Maior da Armada, Chefe do Estado-Maior do Exército e Chefe do Estado-Maior da Força Aérea e farão parte do Conselho de Estado.
2 - Após assumir as suas funções, o Presidente da República nomeará o Governo Provisório Civil, que será composto por personalidades representativas de grupos e correntes políticas e personalidades independentes que se identifiquem com o presente programa.
3 - Durante o período de excepção do Governo Provisório, imposto pela necessidade histórica de transformação política, manter-se-á a Junta de Salvação Nacional, para salvaguarda dos objectivos aqui proclamados.
a) O período de excepção terminará logo que, de acordo com a nova Constituição Política, estejam eleitos o Presidente da República e a Assembleia Legislativa.
4 - O Governo Provisório governará por decretos-leis, que obedecerão obrigatoriamente ao espírito da presente proclamação.
5 - O Governo Provisório, tendo em atenção que as grandes reformas de fundo só poderão ser adoptadas no âmbito da futura Assembleia Nacional Constituinte, obrigar-se-á a promover imediatamente:
a) A aplicação de medidas que garantam o exercício formal da acção do Governo e o estudo e aplicação de medidas preparatórias de carácter material, económico, social e cultural que garantam o futuro exercício efectivo da liberdade política dos cidadãos;
b) A liberdade de reunião e de associação.
Em aplicação deste princípio será permitida a formação de «associações políticas», possíveis embriões de futuros partidos políticos, e garantida a liberdade sindical, de acordo com lei especial que regulará o seu exercício;
c) A liberdade de expressão e pensamento sob qualquer forma;
d) A promulgação de uma nova Lei de Imprensa, Rádio, Televisão, Teatro e Cinema;
e) Medidas e disposições tendentes a assegurar, a curto prazo, a independência e a dignificação do Poder Judicial;
1) A extinção dos «tribunais especiais» e dignificação do processo penal em todas as suas fases;
2) Os crimes cometidos contra o Estado no novo regime serão instruídos por juízes de direito e julgados em tribunais ordinários, sendo dadas todas as garantias aos arguidos.
As averiguações serão cometidas à Polícia Judiciária.
6 - O Governo Provisório lançará os fundamentos de:
a) Uma nova política económica, posta ao serviço do Povo Português, em particular das camadas da população até agora mais desfavorecidas, tendo como preocupação imediata a luta contra a inflação e a alta excessiva do custo de vida, o que necessariamente implicará uma estratégia antimonopolista;
b) Uma nova política social que, em todos os domínios, terá essencialmente como objectivo a defesa dos interesses das classes trabalhadoras e o aumento progressivo, mas acelerado, da qualidade da vida de todos os Portugueses.
7 - O Governo Provisório orientar-se-á em matéria de política externa pelos princípios da independência e da igualdade entre os Estados, da não ingerência nos assuntos internos dos outros países e da defesa da paz, alargando e diversificando relações internacionais com base na amizade e cooperação:
a) O Governo Provisório respeitará os compromissos internacionais decorrentes dos tratados em vigor.
8 - A política ultramarina do Governo Provisório, tendo em atenção que a sua definição competirá à Nação, orientar-se-á pelos seguintes princípios:
a) Reconhecimento de que a solução das guerras no ultramar é política e não militar;
b) Criação de condições para um debate franco e aberto, a nível nacional, do problema ultramarino;
c) Lançamento dos fundamentos de uma política ultramarina que conduza à paz.
C - Considerações finais
1 - Logo que eleitos pela Nação a Assembleia Legislativa e o novo Presidente da República, será dissolvida a Junta de Salvação Nacional e a acção das forças armadas será restringida à sua missão específica de defesa da soberania nacional.
2 - O Movimento das Forças Armadas, convicto de que os princípios e os objectivos aqui proclamados traduzem um compromisso assumido perante o País e são imperativos para servir os superiores interesses da Nação, dirige a todos os Portugueses um veemente apelo à participação sincera, esclarecida e decidida na vida pública nacional e exorta-os a garantirem, pelo seu trabalho e convivência pacífica, qualquer que seja a posição social que ocupem, as condições necessárias à definição, em curto prazo, de uma política que conduza à solução dos graves problemas nacionais e à harmonia, progresso e justiça social indispensáveis ao saneamento da nossa vida pública e à obtenção do lugar a que Portugal tem direito entre as Nações.
O Presidente da Junta de Salvação Nacional, António de Spínola
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