Definem-no como um "destacado analista de esquerda". É um cliché ou a esquerda ainda existe?
Destacado! Porque não há muitos ou porque é bom? Analista sim, sou-o porque procuro ser o que costumamos chamar um sociólogo público. Quanto ao que é ser de esquerda neste momento? Fundamentalmente, defender os direitos dos cidadãos, considerando-os indivisíveis: não há direitos civis e políticos de um lado e sociais e económicos do outro. A minha opinião, baseada em muito estudo e experiência histórica, é que quando se começa a comer demasiado nos direitos sociais e económicos há repercussão nos direitos civis e políticos. Amanhã, é a liberdade de expressão, é a própria democracia e o direito de voto que podem estar em causa se criarmos uma sociedade de cérebros e não de cidadãos.
O intelectual do século XX nada tem que ver com o do XXI. Ou muda ou acaba o intelectual?
Exactamente. O intelectual do século XX assumiu-se como tendo um conhecimento privilegiado e sendo uma vanguarda. Penso que hoje os intelectuais têm de ter muita humildade perante o conhecimento porque ele é muito parcial e é bom ter-se consciência dos limites. Veja-se o exemplo de prémios Nobel da Economia como Joseph Stiglitz, que vem agora dizer que a ciência económica que nos domina é completamente falaciosa e está errada.
A política atrai-o?
Não a política no sentido de entrar no sistema político, mas a ideia do político na sociedade acho-a fundamental. Trabalho muito a sociologia política, a da justiça e dos movimentos sociais e da organização política da sociedade. Essa política e essa construção de um político democrático ou de uma entidade política democrática, da democratização da sociedade no seu conjunto, atrai-me muito. Como classe ou sistema político no sentido restrito não.
Que tipo de intervenção é a sua?
Tenho uma intervenção ao nível mundial que, penso, é científica e tem uma mensagem de defesa da cidadania e da democracia, designadamente quando trabalho na América Latina ou na África.
Sente-se mais reconhecido lá fora ou também em Portugal?
É evidente que acho que o reconhecimento nacional é difícil para quem não pactua com as tertúlias, os compadrios e os conhecimentos das grandes famílias políticas que existem no nosso país. É um país muito medíocre, muito provinciano e a classe política é muito lisboacêntrica. Quem não entra - tanto no plano literário como no plano político - nesses círculos dos que se lêem uns aos outros, se criticam ou se referem, obviamente, tem muito mais dificuldades no reconhecimento. Costumo dizer que sou um sociólogo das minhas circunstâncias e sempre pensei que não é o reconhecimento em Portugal que me interessa. Virá? Não virá? Interessa-me é lutar num campo mundial, aproveitando as vantagens da globalização e onde penso que o mérito ou demérito é avaliado de maneira objectiva e não por boatos e relações que só criam mediocridade.
A concessão recente da bolsa da Advanced Grant surpreendeu muita gente. Afinal, são 2,4 milhões de euros para fazer o quê?
É uma bolsa altamente competitiva a nível europeu e são muito raros os cientistas sociais que a obtêm. Em Portugal, nunca nenhum cientista social a tinha tido e são seis ou sete portugueses que alguma vez a receberam porque só é atribuída a investigadores seniores e que deram provas no passado de liderar grandes projectos.
Qual é o objectivo deste projecto?
Achar em 5 anos uma nova perspectiva analítica para a Europa, que está sem ideias e nunca se posicionou para aprender.
É muito dinheiro para criar ideias!
As ideias já estão criadas. Vou contratar quatro pós-doutorandos e oito doutorandos que vão fazer o doutoramento comigo. Serão 12 pessoas que vão durante um tempo seguir as ideias que estão nos meus livros e desenvolvê-las, porque foram consideradas interessantes.
Pois… Lá fora, ou cá dentro (na Europa), reconhecem o mérito de um intelectual e sociólogo português, que na sua terra já teve mais aceitação.
Cumpre-se a tradição!
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