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terça-feira, 4 de janeiro de 2011

3º de “Dez olhares sobre a Europa” - Paweł Świeboda

A Europa está numa encruzilhada mas continua a ser atractiva. Deveria partilhar o seu modelo político, social e económico com o resto do mundo, escreve Paweł Świeboda.
A Europa está a atravessar uma crise mas, felizmente, ao contrário do que aconteceu há 60 anos, não há cheiro de pólvora no ar. O projecto europeu tem uma solidez própria, desenvolvida ao longo de anos de construção meticulosa, e funciona como um bálsamo para as tensões e sensibilidades que lhe são subjacentes. A conjuntura actual é crítica, não por a economia enfrentar dificuldades, mas porque estarmos juntos perdeu o seu brilho. Apesar de ser talvez ainda uma opção perfeitamente racional, a centelha da excitação desapareceu.
O problema é psicológico e, também, real. Psicológico, porque a Europa está em declínio relativo e porque as suas políticas se orientam para a gestão do declínio e para atenuar o golpe. O que constitui um modo defensivo.
Para um mortal que sofre a angústia da crise da meia-idade, há geralmente duas recomendações – encontrar uma melhor maneira de lidar com o stress, renunciar ao álcool, praticar ioga ou, em alternativa – aceitar que já não somos novos e encarar esse facto como uma oportunidade para fazer um inventário e, talvez, mudar o rumo da nossa vida – alargar os interesses, viajar, voltar à escola, experimentar um novo desporto. Ver crescer os nossos filhos e netos.
Fazer exercício nunca é má ideia
Até agora, a Europa tem sempre evitado as hipóteses atrás referidas e continua a submeter-se a uma terapia de rejuvenescimento, desempenhando o papel da eterna jovem. Foi essa a lógica por trás do Tratado de Lisboa e da agenda para o clima. E, depois de ter reformulado o seu sistema de governação macroeconómica no sentido de uma coordenação orçamental mais estreita, terá de enfrentar desafios estruturais como a demografia em mudança do continente.
Apesar de nunca ser má ideia prepararmo-nos, a Europa com a qual eu sonho é uma Europa à vontade consigo mesma. Não devemos ter ilusões. Pondo de lado grandes desastres, a Europa terá de arranjar lugar à mesa para a China, a Índia e outras potências emergentes. A descida da percentagem que representa relativamente à população mundial – de 25%, em 1900, para os 5% estimados para 2050 – a Europa não pode simplesmente ter o mesmo grau de influência.
Também ajudaria, se percebêssemos que temos muita coisa a aprender com o mundo exterior. Na Europa, há um amplo consenso de que o crescimento terá de ser fruto da inovação e do empreendedorismo. Em termos de melhoria das nossas infra-estruturas de "crescimento", em especial das universidades, e de alcançar progressos em matéria de comercialização do conhecimento, países como Singapura, a Austrália e os Estados Unidos podem ensinar-nos muito.
Mercado único – uma grande história europeia de sucesso
Isto não significa que devamos ficar inactivos, a ver os outros saltar para a ribalta. Tem mais a ver com prepararmo-nos para uma longa marcha, durante a qual a força e o poder do nosso modelo político, económico e social virá à tona, enquanto outros ultrapassarão os seus limites e irão ao fundo. A Europa possui um dos melhores modelos de governação, no que se refere a cuidados de saúde e política social: esses serão os nossos melhores trunfos, à medida que outras zonas do mundo começarem a enfrentar expectativas crescentes das suas populações e dos seus eleitorados e, também, tendências demográficas em evolução.
A Europa deveria regressar aos fundamentos – expandir o núcleo. Internamente, isso significa acima de tudo explorar o mercado único até ao limite. Se olharmos para trás, este é claramente uma das grandes histórias de sucesso europeias. Apesar disso, é chocante o número de obstáculos e barreiras erguidos para o impedir de atingir a altitude de cruzeiro. Mais de metade dos empresários da Europa dizem ter dificuldade em vender mercadorias a outros Estados-membros, para já não falar dos serviços e dos fluxos de capitais. Chegou a altura de contra-atacar.
Não há nada de mal em viver num mundo cada vez mais diverso
As principais prioridades também significam mantermo-nos fiéis aos nossos valores e procurar melhorar os sistemas políticos europeus. Em períodos de crise, o estado da democracia costuma ser aquilo com que as pessoas menos se preocupam. No entanto, muito poderia ser feito para melhorar a esfera da responsabilidade e da responsabilização públicas na Europa. Entre as muitas maneiras de a Europa exercer a sua influência, ser um modelo atractivo de governação é uma das mais sustentáveis e eficazes. Devíamos seguir por aí.
Por último, regressar aos fundamentos tem a ver com centrarmos as atenções principalmente nos nossos vizinhos e candidatos à adesão. Os impressionantes progressos realizados por países como a Turquia representam uma oportunidade para a União consolidar a sua influência junto dos vizinhos. A adesão à UE ainda é a melhor saída para Ankara, ainda que não seja obviamente a única. Em breve, a UE já não terá mais capítulos para abrir nas negociações de adesão com esta potência muçulmana. O momento da verdade está a chegar e teremos tudo a perder se o deixarmos passar.
Não há nada de mal em viver num mundo cada vez mais diversificado. Nos vários anos que vivi em Londres, pensei na frase de Dean Acheson sobre o facto de a perda do império pela Grã-Bretanha a ter deixado sem um papel a desempenhar. Essa observação, que continua a ressoar na Grã-Bretanha, também poderá ser aplicada à Europa. Tal como a Grã-Bretanha tem estado a viver muito bem sem o seu império, a Europa pode igualmente passar muito bem sem um reino de grandes ideias.
Paweł Świeboda

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