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terça-feira, 10 de dezembro de 2013

“Euronacionalismo”: uma identidade cultural comum?

Apesar de cada Estado-membro da UE ter um passado diferente e do apoio aos projetos europeus ter vindo a esmorecer, o bloco tem todos os elementos necessários para formar uma comunidade com a sua própria identidade cultural europeia comum, defende um politólogo irlandês.
Para quem está familiarizado com a investigação sobre a natureza do nacionalismo, a evolução da União Europeia representa uma espécie de enigma. Com o alargamento do alcance das instituições europeias e com o aumento do número de membros, não é de estranhar que a União tenha tentado dar um sentido mais profundo à identidade europeia.
Mas, numa Europa de Estados-nação, isso representa um desafio singular. Depois de populações em massa terem sido sociabilizadas num poderoso sentimento de identidade nacional – como aconteceu a alemães, finlandeses ou irlandeses, por exemplo –, é extraordinariamente difícil desalojá-lo. Sendo as lealdades dos cidadãos assim desviadas de um compromisso com a Europa, a construção de uma poderosa superestrutura europeia é entravada. No entanto, o processo de aprofundamento institucional vai avançando. Como é isto possível?
Não há dúvida de que a União Europeia de que a Irlanda é membro em 2013 é profundamente diferente da CEE a que a Irlanda se juntou em 1973. Embora o objetivo final do “projeto” europeu seja geralmente mais assumido do que definido, na medida em que se trata de uma federação de Estados-membros europeus, foram feitos progressos significativos.
A União Europeia é dirigida por um conjunto de estruturas políticas e burocráticas invulgares, mas reconhecivelmente semelhantes às de um Estado federal. Ainda carece de 2 características definidoras de uma federação: não possui controlo sobre serviços militares e de segurança capazes de garantir que as suas normas se aplicam e que os seus interesses externos são protegidos; do mesmo modo, as suas funções de política externa são partilhadas pelos Estados-membros, e não geridos de forma independente pela União Europeia.
A UE carece também de muitas das características distintivas que ajudaram a moldar a identidade ao nível da nação. Em vez de partilhar uma língua comum, é um caleidoscópio linguístico. E é verdade que possui elementos de cultura comuns, devido à partilha de um passado religioso, não obstante as profundas antipatias sectárias que marcaram a tradição cristã na Europa Ocidental; mas a importância da religião na Europa está em recessão.
Mito poderoso
Contudo, a União Europeia possui os ingredientes para a criação de um mito poderoso do passado, recuando até ao Império Romano. Também partilha outras características que são comumente incorporadas na ideologia nacionalista: símbolos, incluindo hino e bandeira; uma “missão” coletiva autodefinida, a busca da paz; e, talvez o mais importante de todos os ingredientes para a formação de uma identidade coletiva, a definição de um “outro”, papel outrora preenchido pela União Soviética, mas com vários candidatos alternativos já disponíveis.
Ambientar os diversos Estados da Europa a esta visão não é fácil. Para muitos, o “outro”, definido no processo de construção da nação, é agora parceiro numa estrutura política importante. Para os irlandeses, por exemplo, a memória de uma luta pela independência nacional deixou a sua marca na consciência coletiva e comprometer de novo essa independência pode significar um sacrifício especialmente exigente.
No entanto, é possível que os valores nacionalistas acabem por ajudar a Irlanda a adaptar-se à Europa: a CEE era um contrapeso importante ao inimigo tradicional, a Grã-Bretanha, e a adesão à União Europeia significou um importante reforço da autonomia da Irlanda, pelo menos no que diz respeito à sua vizinha britânica. Sem isso, por exemplo, a Irlanda estaria certamente a usar a libra esterlina como moeda, sem que os seus representantes tivessem voz ativa na sua gestão.
A rejeição dos tratados de Lisboa e de Nice pelos eleitores irlandeses pode muito bem ter dado uma ideia do irlandês como europeísta pouco entusiasta, imagem apenas parcialmente modificada pelo resultado das repetições. Mas vale a pena recordar que a proposta de Constituição Europeia foi derrubada pelos eleitores franceses e holandeses, e que os outros certamente lhes seguiriam o exemplo, se tivessem tido oportunidade, opondo-se pelo voto a outros aspetos do processo de aprofundamento da integração europeia.
Dados de investigação mostram uma constância nas atitudes irlandesas favoráveis à União Europeia, que continuam a superar as da maioria dos Estados-membros. O entusiasmo irlandês pela adesão à UE pode ter vindo a diminuir ao longo da última década, tal como se passa noutros países, mas o rumo irlandês em relação à Europa continua de pedra e cal.
Opinião pública
Os pilares em que o nacionalismo irlandês se baseou, no passado – como seja a língua ancestral, uma ligação evidente à tradição católica e uma versão militantemente separatista da história –, foram afetados nas últimas décadas, deixando espaço para o crescimento de padrões de lealdade mais amplos.
Mas o ritmo a que a opinião pública parece ter mudado permanece uma incógnita. Por que foram os cidadãos irlandeses, como os seus homólogos de outros países, preparados para deixar o seu passaporte verde distintivo, para adotar o euro em vez da libra e talvez até mesmo para divergir em matéria de prioridades europeias em termos de negócios estrangeiros e de defesa? E por que estão as elites irlandesas, como as elites de outros Estados-membros, desejosas de entregar a capacidade de decisão e renunciar as perspetivas de desenvolvimento interno (mesmo que perspetivas muito mais brilhantes acenem a uns privilegiados a nível da União Europeia)?
Estas questões são um desafio e levantam uma questão mais geral sobre o enigma acima referido. Em vez de explorarmos o “euroceticismo”, cujas raízes não são de todo surpreendentes numa união de Estados-nação, não deveríamos andar a explorar o “euronacionalismo”, força que tem desempenhado um papel tão marcante na condução do processo de integração europeia?

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