A fixação, pelo Parlamento Europeu, de um valor limite para os bónus pagos pelos bancos mostra que esta instituição amadureceu como força política.
No interior do Parlamentarium, o novo e ostentoso Centro de Visitantes do Parlamento Europeu, que custou um milhão de euros, Eva Vanpeteghem e Elise Mais estão a travar conhecimento com os mistérios da democracia da UE. As duas estudantes belgas, ambas de 15 anos, encontram-se sentadas numa réplica da assembleia circular onde, na vida real, decorrem os debates e as votações.
Os alunos das escolas não são os únicos a dar-se conta da importância de uma instituição em tempos ridicularizada como sendo um lar de reformados para políticos nacionais desgastados. Graças ao Tratado de Lisboa, que alargou consideravelmente os seus poderes – e à astúcia de alguns deputados empreendedores –, o Parlamento Europeu surge agora como um dos organismos mais influentes da UE. Nos últimos tempos, tem imposto a sua vontade sobre tudo: desde as pescas à reforma financeira e ao orçamento milionário do bloco.
É só perguntar aos senhores das finanças da City de Londres, que receberam uma mal-educada lição de poder parlamentar [no princípio deste mês], quando uma iniciativa destinada a limitar os bónus dos banqueiros na UE deu o grande salto em frente e se tornou realidade jurídica. Os eurodeputados não só congeminaram a ideia como também conseguiram impô-la, a despeito da frenética oposição do Reino Unido, que receia que as restrições venham a enfraquecer a posição da City como centro financeiro mundial.
Uma série de vitórias
Quer se goste quer não, a fixação de um valor limite para os bónus apresenta-se como um indicador do que está para vir da parte de uma instituição cada vez mais forte e assertiva, segundo alguns analistas, como Thomas Klau, diretor do Conselho Europeu para as Relações Externas em Paris.
Na verdade, os eurodeputados obtiveram recentemente uma série de vitórias. Opuseram-se a um muito mediático tratado sobre proteção de direitos de autor de âmbito internacional, numa atmosfera de preocupações quanto a este poder dar azo à censura. Também impuseram alterações a um acordo de partilha de dados bancários com os Estados Unidos, destinado a detetar financiamentos do terrorismo, ao fim de 6 meses de atraso, que suscitaram apelos da antiga secretária de Estado, Hillary Clinton, e do vice-presidente, Joseph Biden. O Parlamento também adotou a prática de rejeitar os nomes designados pelos governos nacionais para a Comissão Europeia, o órgão executivo da UE, quando o candidato é considerado intolerante, como aconteceu com o candidato da Itália, ou incompetente, como no caso do da Bulgária. "Os tempos em que o Parlamento Europeu era ridicularizado por causa da sua falta de influência já vão longe", diz um diplomata europeu.
Com Martin Schulz, o político alemão atualmente presidente do Parlamento Europeu, esta instituição pretende entrar em voos ainda mais altos. Schulz quer fazer dela o lugar de eleição para os dirigentes europeus debaterem publicamente questões europeias, como a resposta à crise da dívida. Em novembro, a chanceler alemã, Angela Merkel, utilizou esta assembleia para expor a sua visão de uma zona euro na qual os governos nacionais cederiam poderes significativos a Bruxelas em matéria de impostos e noutras áreas políticas. "O Parlamento Europeu é a instituição mais aberta da Europa", disse Schulz, no mês passado.
Parlamento Europeu, uma entidade estranha
Nem toda a gente está impressionada. A força da instituição é globalmente reconhecida, mas os seus críticos queixam-se de que esta ainda não desenvolveu a maturidade e a responsabilidade que deveriam corresponder a essa força. As suas alegações de legitimidade democrática são enfraquecidas pelo facto de a participação dos eleitores vir a diminuir progressivamente desde as primeiras eleições, em 1979. Na última batalha eleitoral, foi apenas de 43% – apesar da campanha nos órgãos de comunicação social, destinada a despertar o interesse e que custou vários milhões de euros. Parte do problema, dizem os críticos, é que os eurodeputados se preocupam menos com o bem-estar dos cidadãos do que com retirar poderes a outras instituições da UE – a Comissão, o órgão executivo que lança as propostas legislativas, e o Conselho Europeu, o órgão que representa os governos nacionais.
O Parlamento Europeu sempre foi considerado como uma entidade estranha. Ao contrário das variantes nacionais, não é a base eleita de um governo em exercício. Por natureza, os seus membros tendem a ser federalistas, esmagadoramente adeptos de "mais Europa" e de uma integração mais estreita, como resposta à maior parte dos problemas políticos.
O debate sobre o futuro do Parlamento está a intensificar-se neste momento, altura em que a UE reflete sobre uma das maiores mudanças dos seus cerca de 60 anos de existência, para fazer face à crise da dívida da zona euro. Boa parte da reação tem consistido na concessão de mais poder aos tecnocratas, não eleitos, de Bruxelas para policiarem as finanças e as políticas económicas dos governos nacionais. O facto suscitou preocupações quanto ao crescente "défice democrático" entre a UE e a população, que é cada vez mais afastada dessas decisões. Por ser a única instituição da UE cujos membros são escolhidos por eleição direta, o Parlamento apresenta-se como o candidato ideal para preencher essa lacuna, desempenhando um papel ainda mais vasto. Contudo, para o fazer de forma credível, o Parlamento tem de forjar laços mais estreitos com o público que afirma representar.
Decidir quanto dinheiro se gasta
Em Bruxelas, fervilham as ideias sobre a forma de resolver o problema. Uma delas consiste em pedir a cada partido político que apresente o primeiro nome da sua lista como candidato do partido a futuro presidente da Comissão, para dar aos eleitores um sentido mais claro do que está em jogo nas eleições.
Outros pensam que a resposta é dar aos parlamentos nacionais uma maior capacidade de se pronunciarem sobre as leis da UE. Alguns funcionários da UE consideram que esse será um aspeto fundamental de uma futura revisão dos Tratados da UE – possivelmente depois das eleições de 2014.
Para já, os europeus têm de se contentar com o Parlamento que têm. Apesar de todas as lamentações, este pode indicar algumas realizações importantes.
Para a liberal democrata Anne Jensen, os eurodeputados têm a obrigação de ajudar a decidir quanto dinheiro se gasta e de passar a pente fino os acordos por baixo da mesa que os dirigentes europeus fazem à porta fechada. "O que estamos a fazer aqui, se o Parlamento não tiver uma posição clara e se não usarmos os nossos poderes em matéria de legislação?"
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